”O tema em debate no Superior Tribunal de Justiça é extremamente atual e necessário. O Brasil começa a abrir os olhos para a competitividade, para a liberdade e para o desapadrinhamento do Estado. Cria-se um ambiente para melhorar a eficiência” – disse o presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, ao presidir a mesa de encerramento do seminário Declaração de Direitos de Liberdade Econômica – Debates sobre a MP 881, realizado nesta segunda-feira (12) no auditório do tribunal.
Segundo Noronha, a medida provisória proporciona a modernização da legislação empresarial do Brasil, com mais liberdade para contratar, maior previsibilidade e respeito ao ato jurídico perfeito. “A MP proporciona um ambiente mais seguro para negociação, e tudo isso tem reflexo direto na melhoria da eficiência e, consequentemente, da competitividade brasileira”, acrescentou.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes proferiu a palestra de encerramento do seminário. Segundo ele, a MP 881 é uma boa iniciativa. “A MP da Liberdade Econômica chama a atenção para a necessidade de simplificar mais essa relação e fazê-la mais célere. Acho que há uma série de desafios que precisam ser olhados. Talvez seja o início de um processo de reinstitucionalização. Mas acho que é extremamente importante”, afirmou.
Para Gilmar Mendes, o momento sugere uma atualização do texto constitucional para que seja ajustado à realidade brasileira. “De certa forma, ainda estamos vivendo essa ideia da estatização presente no nosso sistema. E isso contamina, inclusive, a nossa jurisprudência”, disse. O ministro do STF concluiu afirmando ter sentido falta, no projeto de conversão da MP, de um artigo com enfoque nos procedimentos administrativos.
Editada em abril deste ano, a medida provisória institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório e outras providências. A previsão é de que a MP seja votada nesta terça-feira (13) na Câmara dos Deputados.
Ordem econômica constitucional
O primeiro painel da tarde foi dividido em duas partes: a primeira debateu a compatibilidade da medida provisória com a ordem constitucional brasileira; a outra discorreu sobre as necessidades de adaptações no texto da MP. O mediador foi o ministro do STJ Villas Bôas Cueva.
A primeira a palestrar foi a professora Amanda Flávio de Oliveira, que defendeu a constitucionalidade material da MP 881, na sua versão original. Ela trouxe alguns pontos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.156 – a primeira a contestar o texto da MP – e ressaltou que não se pode discutir a constitucionalidade da norma sob argumentos errados, como faz a ADI.
Ela destacou que a Constituição brasileira estabeleceu um modelo econômico híbrido, em que estão previstos princípios do modelo ideal de estado liberal originários de um modelo ideal de estado social. “Isso não torna a Constituição liberal, isso também não torna a Constituição social. A verdade é que ela é híbrida: nela há princípios e conceitos oriundos de sistemas dos mais diversos.”
Segundo a professora, nos últimos 30 anos houve intensa produção de normas com foco nos direitos sociais, mas isso não invalida o princípio da liberdade de iniciativa e seus derivados, sendo que a MP apenas dá um tratamento adequado ao este princípio. “Fomentar a liberdade econômica é um dever de casa que o legislador infraconstitucional ainda não fez.”
“A política econômica estatal, uma vez traçada dentro dos limites constitucionais, é naturalmente variável. Nesse sentido, adota-se, nesse instante no Brasil, conforme mandato conferido legitimamente pelo povo, uma política econômica que resgata valores como a livre-iniciativa, livre concorrência, direitos de propriedade, entre outros afins”, afirmou.
Acusações
O segundo a falar foi o professor e procurador André Cyrino, que apontou três “acusações” que fazem à MP 881: a MP não atenderia aos requisitos da relevância e da urgência; a MP invadiria competências locais; a MP desvirtuaria o modelo econômico da Constituição de 1988.
Para Cyrino, as acusações não procedem, já que não há decisão constitucional sobre modelo econômico no Brasil. Além disso, afirmou que a competência para dizer se há relevância e urgência é do presidente da República.
Por fim, lembrou que “a União é responsável por legislar sobre normas gerais sobre direito econômico, estabelecendo um papel de coordenação para que se racionalize a atividade econômica no país”.
Adaptações
Logo após, a professora Paula Forgioni falou sobre a necessidade de adaptações no texto da MP 881, para que ele possa garantir a ordem jurídica, a segurança e a previsibilidade. Para ela, a autonomia privada não pode ser ilimitada, como prevê o texto da MP 881; é preciso que os agentes econômicos tenham liberdade, porém de forma a respeitar o ordenamento jurídico existente.
“Eu chamo princípio da legalidade, que fala que todos devemos respeitar as leis e, se existem leis cogentes de direito empresarial, elas têm que ser respeitadas, sob pena de colapso do sistema.”
Por fim, o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, discorreu sobre a importância da liberdade econômica e da redução do Estado para o desenvolvimento social e o aumento do índice de desenvolvimento no país. “O Estado precisa focar no que é essencial”, declarou.
Direito privado
O terceiro painel do dia, coordenado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, foi dedicado à discussão dos reflexos da medida provisória no âmbito do direito privado. O painel foi aberto pelo advogado João Accioly, membro da comissão de especialistas do Ministério da Economia que elaborou a MP 881.
Segundo Accioly, a MP desburocratiza todas as etapas da produção de riquezas, como o desenvolvimento de negócios, a autonomia patrimonial e a organização interna nas relações contratuais. No caso do desenvolvimento de atividades econômicas, por exemplo, o advogado ressaltou que o texto propõe princípios de intervenção mínima nas relações econômicas.
Na sequência, a professora de direito da Universidade de Brasília (UnB) Ana Frazão, membro da coordenação científica do seminário, destacou que as inovações legislativas devem combater a cultura tradicional de compadrio e o “capitalismo sem riscos e sem concorrência”. Todavia, a professora trouxe como preocupação a possibilidade de que o texto-base da MP transmita a ideia de que a liberdade econômica poderia se sobrepor a outros princípios constitucionais.
Ana Frazão lembrou que, no Estado Democrático de Direito, a livre-iniciativa caminha com a valorização social do trabalho, como prevê a Constituição. Ela também sublinhou a existência de enormes desigualdades no Brasil, além de um grande número de pessoas que estão à margem dos mercados – situações que exigem a intervenção estatal.
“Se queremos discutir liberdade econômica, então precisamos discutir em toda a sua amplitude, inclusive para a redução da pobreza”, afirmou a professora.
Modificações
O professor de direito da Universidade de São Paulo (USP) Otávio Luiz Rodrigues Jr., conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público, apresentou ao público as mais recentes atualizações da proposta de conversão da medida provisória. As modificações buscam, entre outros pontos, evitar conflitos das novas normas com leis específicas, como o Código de Defesa do Consumidor.
Segundo o professor, também foram retiradas todas as referências aos chamados “danos punitivos” – conceito originado nos sistemas judiciais de países de origem anglo-saxônica que faz referência à reprovação civil de condutas consideradas reprováveis.
De acordo com o advogado e professor de direito civil da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Gustavo Tepedino, a MP 881 já teve como mérito a propositura de um profundo debate sobre a liberdade econômica no contexto brasileiro. Ele também ressaltou como ponto positivo a absorção, pelo projeto de lei de conversão, de diversas críticas à MP originadas da comunidade jurídica.
Tepedino indicou alguns pontos do texto da MP que classificou como desnecessários, a exemplo do artigo que altera o Código Civil para definir que a pessoa jurídica é diferente da pessoa dos sócios. O advogado questionou ainda alguns princípios expostos no texto, como o da intervenção mínima, que estaria, em sua opinião, sujeito a “interpretações subjetivas”.
O painel foi encerrado pelo professor da USP e presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Paulo Lucon. De acordo com o professor, a MP busca contribuir para a promoção da segurança jurídica, positivando parâmetros difusos na jurisprudência, como a desconsideração da personalidade jurídica e a revisão dos contratos.
Direito público
O último painel do dia tratou dos reflexos da MP 881 no direito público e foi dividido em duas partes. A mediação foi feita pela professora Ana Frazão.
Na primeira parte, o secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia, Cesar Mattos, falou sobre a MP 881 e a Análise de Impacto Regulatório (AIR). Segundo ele, a medida provisória visa combater o abuso do poder regulatório em benefício de alguns, garantindo a livre iniciativa e não incorrendo em ações que possam lesar a concorrência. “A MP 881 não beneficia somente as pessoas físicas e jurídicas mais ricas em detrimento do social”, asseverou Mattos.
O professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e procurador Alexandre Aragão defendeu a realização da AIR de forma eficiente para checagem dos resultados que pretendem ser alcançados.
Aragão destacou que, no texto a ser votado na Câmara, um dos artigos traz um risco “gigantesco” para a autonomia das agências reguladoras. “A MP prevê a instituição de um comitê gestor de obrigações regulatórias federais. É um pouco parecido com um órgão que existe nos Estados Unidos, mas lá as agências reguladoras precisam aderir ao órgão. No projeto, está colocado que a eficácia dos atos normativos das agências reguladoras estaria sujeita à aprovação da validade desse órgão da administração direta. Devemos ficar bastante atentos a esse ponto”, alertou.
Desburocratização
Os desdobramentos da MP sobre o direito público foram tema da segunda parte do painel. De acordo com o secretário Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Luciano Timm, desburocratizar é garantir um direito fundamental aos indivíduos e empresas.
“A desburocratização diminui barreiras à entrada e os custos de transação, melhorando o ambiente de negócios, especialmente para pequenas e médias empresas”, afirmou, acrescentando que a regulação eficiente de um setor resolve o problema da livre-iniciativa.
A secretária adjunta da Comissão Especial de Direito Econômico do Conselho Federal da OAB, Aline Klein, observou que a MP tem muitos méritos por romper a inércia e fortalecer o que está previsto na Constituição em relação ao aspecto regulatório.
Ela ressalvou, no entanto, ser necessário analisar detalhadamente as mudanças feitas pela Câmara em relação ao que foi enviado pelo governo na MP 881.
O seminário teve a coordenação científica dos ministros do STJ Luis Felipe Salomão e Villas Bôas Cueva e da professora Ana Frazão.