Um inquérito civil público iniciado em 2012, pelo Ministério Público Federal (MPF), resultou em diversas conquistas nos últimos anos, em favor da proteção dos botos da Amazônia. A principal delas foi convencer o Ministério da Pesca e Aquicultura e o Ministério do Meio Ambiente a decretarem a moratória da pesca da piracatinga – espécie de peixe que se alimenta de restos de outros animais, que vinha sendo pescada com a carne dos botos em diversas regiões do Amazonas – pelo período de cinco anos, a partir de janeiro de 2015.
A movimentação em torno do caso ganhou impulso maior com a realização de audiência pública coordenada pelo MPF, em outubro de 2013, que reuniu representantes de entidades da classe de pescadores, de órgãos públicos estaduais e federais, bem como de entidades da sociedade civil voltados à proteção do meio ambiente para discutir a prática ilegal de matança dos botos no Amazonas e colher elementos para a investigação.
As falas de todos os participantes da audiência, em especial dos institutos de pesquisas e órgãos de fiscalização, indicaram como o principal motivo para a matança que está ocorrendo no Amazonas e também no Pará o uso da carne de botos como isca para pesca da espécie de peixe conhecida por piracatinga. A espécie é considerada de baixo valor econômico e tem pouca aceitação no Brasil, mas grande consumo em países da América Latina. De acordo com as pesquisas apresentadas, a maior parte do estoque de piracatinga pescado no estado é exportada para outros países, como a Colômbia. Em Manaus, a piracatinga é comercializada muitas vezes com outros nomes, como douradinha, piratinga e pirosca.
Com base em estudos apresentados durante a audiência sobre a tendência de concentração de metais pesados e outros contaminantes, como o mercúrio, na carne de animais que se alimentam de outros animais mortos, o MPF recomendou a 12 supermercados de Manaus, em fevereiro de 2014, a suspensão da comercialização da piracatinga, até que houvesse evidências suficientes sobre a ausência de riscos para a saúde do consumidor. No documento, o Órgão destacou que o Código de Defesa do Consumidor, no art. 10, prevê que o fornecedor não pode “colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança”.
Uma nova conquista do MPF, em favor dos botos da Amazônia, veio em maio de 2014, dias antes da oficialização da moratória da piracatinga. O Ministério do Meio Ambiente instituiu uma força-tarefa, por meio de portaria publicada no Diário Oficial da União no dia 22 de maio de 2014, destinada a proteger animais ameaçados de extinção, entre os quais estão o boto-vermelho e o peixe-boi-da-amazônia. A força-tarefa conta com o apoio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
A partir do decreto da moratória da piracatinga, por meio da Instrução Normativa Interministerial nº 06/2014, a atuação se voltou à garantia de fiscalização do cumprimento da medida e recebeu apoio de entidades internacionais ligadas à causa. A campanha “Alerta Vermelho”, criada pela Associação Amigos do Peixe-boi (Ampa), em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), foi lançada em julho de 2014, com o propósito de colher assinaturas on-line em apoio à proteção do boto-vermelho na Amazônia e arrecadar doações em dinheiro para investir em ações de fiscalizações. Em dezembro do mesmo ano, a campanha entregou uma petição, em Brasília, com mais de 55 mil assinaturas virtuais pedindo a proteção desses mamíferos aquáticos.
Fiscalização
A necessidade de aprimorar a fiscalização da moratória da piracatinga e também de outros produtos de origem animal levou o MPF a propor termo de cooperação técnica para articular e implementar ações conjuntas na área de inspeção e fiscalização da produção de alimentos e subprodutos de origem animal no estado. Representantes de 19 órgãos públicos e entidades da sociedade civil ligadas às áreas de meio ambiente, segurança, saúde e vigilância sanitária integram a força-tarefa. Parte dos recursos da campanha Alerta Vermelho foram destinados às ações de fiscalização da força-tarefa.
Em agosto de 2016, fiscais ambientais de diversas instituições que atuam no Amazonas participaram de capacitação para reconhecerem espécies de peixes já processadas e congeladas em frigorífico, com o objetivo de fiscalizar o cumprimento da moratória de proibição da pesca e comercialização da piracatinga. O curso, promovido por meio de parceria entre MPF no Amazonas, Ampa e Inpa, faz parte das ações previstas no termo de cooperação. Nessa etapa, os fiscais receberam treinamento especializado para efetivar as ações de fiscalização in loco planejadas pela força-tarefa.
Desde então, diversas operações realizadas por órgãos de fiscalização ambiental tiveram como resultado apreensões de toneladas de piracatinga, com destaque para as operações Malhadeira, realizada em 2016, com apreensão de 1,8 mil quilos de piracatinga nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Anamã e Mamirauá; operação do ICMBio no interior e entorno da Reserva Extrativista (Resex) do Baixo Juruá, com apreensão de 3,5 mil quilos dessa espécie de peixe; e, mais recentemente, operação do Ibama para fiscalizar o cumprimento da moratória da piracatinga que resultou na apreensão de 166 toneladas de pescado e embargo de três frigoríficos nas cidades de Manaus, Manacapuru e Iranduba.
Criação de fórum
A atuação do MPF em defesa dos botos da Amazônia também se estendeu a atividades turísticas de interação com esses animais. Em 2015, o MPF chegou a recomendar ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (Cemaam) a inclusão da proposta já existente de regulamentação das atividades de interação de baixo impacto com botos-vermelhos na pauta de discussão, o que não chegou a ser implementado.
O órgão instaurou novo inquérito civil, em 2016, com o objetivo de apurar a prática de exploração de animais silvestres no Parque Ecológico de Janauari, localizado no rio Negro, na região de Manaus. O uso de botos em práticas turísticas, no parque, foi uma das atividades mencionadas na representação.
Após uma série de diligências de apuração, o MPF realizou audiência pública e instituiu o Fórum Amazonense de Fauna Silvestre e Ecoturismo, em 2018. Também foi expedida recomendação para que agências de turismo e empresas de hotelaria localizadas no Amazonas regularizem os cativeiros existentes nos órgãos ambientais competentes e suspendam o contato físico entre turistas e animais silvestres — especialmente, mediante retribuição em dinheiro.
Atualmente, o fórum segue promovendo reuniões de ajustes e negociações para regulamentar oficialmente a prática de atividades turísticas envolvendo animais selvagens no estado, sob a coordenação do MPF.
Saiba mais sobre a história da instituição acessando o e-book Memórias e Histórias do Ministério Público Federal no Amazonas, disponível para download.