Os três últimos painéis do XIV Seminário Internacional Ítalo-Ibero-Brasileiro de Estudos Jurídicos trataram dos impactos das novas tecnologias no repatriamento de ativos, na sociedade e nos direitos fundamentais. O evento terminou na tarde desta sexta-feira (16), após dois dias de intensa programação no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Presidida pelo ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Carlos Bastide Horbach, a exposição “A informática e o repatriamento de ativos financeiros” contou com a apresentação de Rodrigo Kaysserlian, advogado, fundador do Instituto de Cooperação Jurídica Internacional e presidente do Instituto Brasileiro de Rastreamento de Ativos (Ibra).
Segundo Kaysserlian, os prejuízos causados pelos crimes aquisitivos em todo o mundo custam cerca de 3,6 trilhões de dólares por ano. Ao contrário de ilícitos motivados pela emoção, os crimes aquisitivos seriam bem calculados e planejados. “Por isso, nesses casos, a premissa para o sucesso do rastreamento é o sigilo das investigações”, sustentou.
“A questão foi analisada pelo STJ em um caso de bastante relevância nacional, o do Banco Santos. Foi realizada a investigação sigilosa, com incursões em paraísos fiscais para identificar os beneficiários finais. Coletadas as informações, deu-se a oportunidade para o investigado apresentar sua defesa. O réu impetrou recurso em mandado de segurança, e a Terceira Turma do STJ o indeferiu porque, em casos de rastreamento e de sigilo, se faz necessário o contraditório diferido”, explicou Kaysserlian.
Direito internacional digital
Na abertura do painel “A sociedade digital e o novo direito internacional”, o presidente da mesa, o ministro do STJ Paulo de Tarso Sanseverino, destacou a presença do ministro aposentado do tribunal Ruy Rosado e do desembargador federal aposentado Carlos Fernando Mathias, que atuou como convocado no STJ. Sanseverino elogiou a atuação acadêmica dos expositores Ricardo Bacelar, advogado e presidente da Comissão de Arte e Cultura da OAB, e Maristela Basso, especialista em direito internacional e professora da Universidade de São Paulo (USP).
Em sua palestra, Ricardo Bacelar destacou os impactos das novas tecnologias na indústria cultural e na produção, veiculação e comercialização de bens simbólicos. “Na indústria cultural, a era digital começou antes da explosão da internet, com a passagem do vinil para o CD e logo depois com os filmes. Não demorou muito para o próprio CD começar a desaparecer, com o formato MP3. Agora passamos pela desmaterialização de bens culturais, com plataformas como as de streaming, o YouTube e o Vimeo.”
Bacelar disse que o direito de propriedade intelectual está se tornando obsoleto rapidamente. Problemas como a pirataria e a definição de quando o artista e as empresas devem receber são cada vez mais difíceis de tratar com essa legislação. “A internet não é uma terra sem lei, e a Justiça deve garantir a fruição desses bens com respeito aos direitos dos criadores”, acrescentou.
Um “direito polvo”
A professora Maristela Basso observou que ainda se discute se o chamado “direito digital” é uma disciplina autônoma dos estudos jurídicos ou se é apenas um uso diferenciado de disciplinas já existentes, como o direito comercial ou o dos contratos. “O fato é que a Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) causa grandes efeitos fáticos na vida cotidiana e é necessário tratar das questões que emergem”, apontou. Segundo a palestrante, o direito digital é como um polvo, com tentáculos que interagem com diversos ramos legais, mas mantém um núcleo independente.
Para a professora Basso, a comunidade do direito internacional está bastante atuante nesse debate. “A Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI) no início dos anos 2000. Em 2003, a CMSI emitiu a recomendação para que os países reconhecessem a TIC como uma oportunidade de desenvolvimento para toda a humanidade e que os estados nacionais devem adotar legislações nesse sentido”, informou. Segundo ela, isso é um sinal de que já começa a surgir um direito internacional digital ou eletrônico.
Novas dinâmicas
O professor italiano Marco Olivetti, titular da Libera Università Maria Santissima Assunta (LUMSA) e da Libera Università Internazionale degli Studi Sociali (LUISS), fez a última exposição do seminário, falando sobre “Os direitos fundamentais e as novas tecnologias”, a partir do debate constitucional italiano.
O professor discutiu como as tecnologias afetam vários aspectos da vida social, trazendo novas formas e possibilidades para o exercício dos direitos fundamentais. Após tratar de alguns “nós” que precisam ser trabalhados nesse novo contexto, como a regulamentação da internet, o palestrante tratou de mudanças sentidas na forma de participação política. Ele usou o exemplo do Movimento Cinco Estrelas, fundado pelo comediante italiano Beppe Grillo com a finalidade de colocar cidadãos comuns no poder e estabelecer uma democracia direta por meio do uso da internet.
Segundo Marco Olivetti, a internet mudou a dinâmica política, tendo sido seu impacto avaliado positivamente até 2016, quando houve uma grande propagação de notícias falsas e manipulação de dados. Esses efeitos foram sentidos – ressaltou – na eleição americana, na votação do Brexit e, mais recentemente, na eleição brasileira.
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