A autenticidade das mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil e a liberdade de imprensa foram os temas mais debatidos durante audiência pública com o jornalista Glenn Greenwald nesta quinta-feira (11) na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ). O jornalista disse que não entregará às autoridades as mensagens trocadas por procuradores e pelo ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, porque não é uma prática existente em democracias.
O pedido para que o jornalista entregasse o material para a Polícia Federal brasileira ou para instituições americanas partiu do senador Marcos do Val (Cidadania-ES), que disse não acreditar na perícia feita pelo The Intercept.
Greenwald afirmou que essa “permissão para publicar” não existe em democracias, apenas em países autoritários, e que nenhum profissional da imprensa no mundo entregaria seu material para o FBI ou para CIA antes de publicar. O editor destacou que a autenticidade foi verificada por peritos do próprio The Intercept e por outros veículos de imprensa, como o jornal Folha de S.Paulo e a revista Veja.
— Jornalistas na democracia não entregam material jornalístico para a polícia, para o governo ou para os tribunais, para ter permissão para publicar. Antes publicamos. Temos peritos na nossa equipe. Tenho reputação. Não publicaria material sem verificar — argumentou.
Amnésia
Ao longo do debate, Greenwald garantiu que as conversas entre o ex-juiz e atual ministro da Justiça e procuradores da Lava Jato são reais e evidenciam a interferência de Sergio Moro na operação e no debate público. Ele também argumentou que o ministro nunca negou as notícias que foram divulgadas e criticou Moro por criar um clima de ameaça à imprensa, com possíveis investigações sobre os jornalistas envolvidos nos vazamentos.
O jornalista disse ainda que o ministro, o procurador Deltan Dallagnol e outros procuradores da Lava Jato não negaram o conteúdo dos diálogos.
— Sergio Moro nunca alegou que alguma coisa específica que reportamos era falso. Se esse material não fosse autêntico, porque Moro e Deltan não negaram isso? Se alguém publica algo sobre mim adulterado, falsificado, a primeira coisa que eu faria seria mostrar meu telefone, meu e-mail.
Para Greenwald, Moro “finge que tem amnésia”, pois ninguém esqueceria conversas importantes como “não investigar Fernando Henrique Cardoso para não melindrar” ou “mandar trocar a sequência de operações”. De acordo com o jornalista, Moro só recorda quando lhe é conveniente:
— Sergio Moro está fingindo que tem amnésia. […]. Eu acho que ninguém acredita em Moro quando ele diz que não lembra nada, nem uma palavra. Ele pediu desculpas quando chamou os membros do MBL [Movimento Brasil Livre] de tontos, aí ele lembrou. Quando tem benefício para ele, ele lembra e se desculpa — disse.
Ameaças
O editor do The Intercept Brasil afirmou que o ministro da Justiça e Segurança Pública cria um clima de ameaça à imprensa para evitar novas reportagens. O comentário se refere a notícias de um suposto pedido de Moro para que a Polícia Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) investiguem a vida e as contas de Greenwald e de outros jornalistas do site.
— Ele [Moro] nunca negou, quando a notícia saiu e até hoje, essa investigação — disse.
A Rede Sustentabilidade acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo para que a Corte suspenda qualquer procedimento de investigação do jornalista ou inquérito contra ele, informou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que propôs a audiência na CCJ. Na ADPF (arguição de descumprimento de princípio fundamental), o partido argumenta que qualquer investigação injustificada sobre o jornalista estaria ferindo o princípio da liberdade de imprensa, consagrado pela Constituição.
Para Randolfe, Moro tirou a toga de juiz e colocou a farda partidária:
— Se tem alguém hoje que compromete a integridade da Operação Lava Jato, tem sido o senhor Sergio Moro com a sua parcialidade — disse o senador.
Para Renan Calheiros (MDB-AL), as reportagens do Intercept e de outros veículos evidenciam uma tentativa “inquisitorial de estabelecer uma Justiça paralela” e que a atuação combinada entre acusação e o julgador é de uma “promiscuidade repugnante”.
— Em vez de nós investigarmos o ministro da Justiça Sergio Moro ou investigarmos os procuradores que são citados, nós estamos (e o Senado não pode concordar com isso) querendo investigar o jornalista e possibilitar esse horror: a inversão completa do ponto de vista da democracia e da própria liberdade de expressão — disse Renan.
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), Moro não tem como negar a veracidade das mensagens.
— Eles estão atuando nas sombras para tentar quebrar a credibilidade do que está sendo divulgado, mas em momento nenhum vão desafiar essa autenticidade — avaliou.
Novas publicações
Glenn Greenwald também disse que não pagou à fonte e que apenas recebeu todo o material que está sendo analisado. Ele afirmou que o volume de material obtido no caso da “Vaza Jato” (como foi batizada a série de reportagens) supera o do escândalo envolvendo o ex-agente da CIA e da NSA Edward Snowden, que lhe renderam o Prêmio Pulitzer de jornalismo. Questionado por senadores sobre diálogos que não vieram à tona ainda, ele disse que não divulgará enquanto o trabalho de apuração não for concluído.
— Estamos usando esse processo jornalístico para publicar esse material com muita responsabilidade. Nunca vamos discutir material até estar pronto para publicar. O que posso dizer é que tem muito mais material de interesse público — adiantou o jornalista.
CPI
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) pediu que os senadores tenham coragem para assinar seu pedido de instauração de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar o conteúdo das conversas da “Vaza Jato”.
— Quando eu vejo que temos 81 senadores e tenho 13 assinaturas, com respeito, eu fico um pouco envergonhado. Uma CPI é para apurar. Uma CPI não é caça às bruxas, é para esclarecer os fatos. Quem não deve, não teme — afirmou.
Paulo Henrique Amorim
No início da reunião, a CCJ homenageou o jornalista Paulo Henrique Amorim com um minuto de silêncio. Ele morreu na quarta-feira (10), aos 77 anos, vítima de um infarto. A homenagem foi feita após sugestão do senador Humberto Costa (PT-PE).