Técnicos da cúpula do Ministério da Economia disseram nesta terça-feira (9), em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), que o acordo fechado recentemente entre Mercosul e União Europeia trará ganhos extremamente significativos para o produto interno bruto (PIB), a atração de investimentos e a modernização de amplos setores do país.
— O PIB brasileiro aumentará U$ 500 bilhões em 15 anos através da desgravação [desoneração] tarifária. Nossa corrente comercial com a Europa crescerá em R$ 1 trilhão e atrairemos R$ 450 bilhões em novos investimentos europeus neste mesmo período — garantiu o secretário de Comércio Exterior, Lucas Ferraz.
No entanto, diversos senadores avaliaram que o governo ainda deve manter alguma cautela enquanto o acordo não entrar em vigor, uma vez que depende da aprovação de diversas instâncias políticas nos dois continentes.
Para Confúcio Moura (MDB-RO), a Europa agilizou as conversas, que já se arrastavam há 20 anos, porque detectou que Brasil e Argentina estão muito frágeis economicamente e, portanto, com pouca margem de manobra nas negociações. O presidente da CAE, Omar Aziz (PSD-AM), avaliou que o acordo pode ser altamente prejudicial para a indústria nacional.
— Este governo busca o aplauso fácil nas redes sociais através de slogans como “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, mas este acordo e outras medidas do ministério colocam na verdade o país abaixo de todos. Será que nossa indústria automobilística tem condições de competir com a produção europeia, ou vamos perder até o mercado interno? E no geral, o que vamos exportar para a Europa em termos de tecnologia de ponta? Nada, porque não temos e não vamos ter. Vamos exportar só agronegócio. Não temos nenhuma perspectiva de competirmos com a Europa nos segmentos de quatro rodas, duas rodas e eletro-eletrônicos. Os europeus vão exportar até copos de vidro pra nós — lamentou Omar.
O senador amazonense também teme que a Zona Franca de Manaus seja extremamente prejudicada pela concorrência europeia. Segundo Aziz, essa produção não acessará o mercado europeu, pois enfrenta dificuldades para exportar até mesmo para nações próximas, como Colômbia e Peru, que preferem comprar da China. O mesmo se dá em relação ao sul dos EUA, que está mais próximo de Manaus do que o sul do Brasil, como lembrou o senador.
— Este acordo prejudica nosso desenvolvimento tecnológico, que já é por demais atrasado. Vamos mandar ferro, nióbio e outras riquezas finitas pros europeus, e vamos importar o aço deles. Acho que o Brasil deve priorizar a produção do bem final também. Mas este governo segue na contramão e está, por exemplo, transformando a agência de pesquisa ligada à Zona Franca numa agência de negócios. Temos 22 montadoras de automóveis aqui e tenham certeza que, daqui a 10 anos, estarão todas fechadas — disse o presidente da CAE.
Mesmo sobre a exportação de produtos primários, houve reparos. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) reclamou que a cota argentina de exportação de carne vermelha será muito superior à brasileira. Ele também teme a resistência que a França tem manifestado em torno do acordo, pois o país subsidia fortemente sua agricultura, o que requererá o cuidado do Brasil em relação ao texto final a ser implantado.
Desafios
O governo reconhece que o acordo UE-Mercosul será desafiador para a indústria nacional, mas afirma que também abre uma relevante janela de oportunidades. Lucas Ferraz disse que o Mercosul terá, no geral, cinco anos a mais para adotar as tarifas liberalizantes na comparação com a Europa. O setor automobilístico brasileiro, por exemplo, só adotará a tarifa zero após 15 anos, através de quedas graduais. O mesmo se dará com alguns outros setores industriais, enquanto a Europa terá dez anos para fazer o mesmo.
Ele afirmou também que uma maior inserção do Brasil nas cadeias globais de comércio irá beneficiar a indústria nacional, contribuindo para uma maior competitividade do setor. Segundo Ferraz, 60% do comércio internacional flui hoje por cerca de 300 acordos internacionais, enquanto o Brasil fez só o acordo do Mercosul, que o secretário classificou como uma união aduaneira imperfeita. Para ele, a indústria nacional poderá ganhar inclusive com a maior possibilidade de importar componentes.
— A indústria chegou a representar 30% do PIB [brasileiro] no final da década de 1970. Hoje, mal bate em 10%. O problema é estrutural, porque a participação do setor cai de forma contínua há 40 anos. Vários fatores causaram isso, como uma queda brutal nos investimentos e o manicômio tributário. Mas o fato é que o Brasil não acompanhou as cadeias globais de produção que se estabeleceram nos últimos 40 anos — disse.
Ferraz afirmou ainda que a efetivação do acordo significará um ganho expressivo para o agronegócio. A exportação de açúcar, hoje limitada a uma cota de 22 mil toneladas por ano, deverá ser aumentada em mais 180 mil toneladas. A exportação de etanol poderá crescer em mais 650 mil toneladas e a de frango, em 100% dos números atuais.
Poder aquisitivo
O secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo, também valorizou o alto poder aquisitivo que marca a maioria dos 28 países da União Europeia. Trata-se de um mercado superior a 500 milhões de consumidores, que poderá ser acessado mais facilmente pelos produtores brasileiros. Esse fator, no entender dele, pode ser aproveitado tanto pelo setor automobilístico quanto pela produção vinculada à Zona Franca de Manaus.
Troyjo acrescentou que o valioso mercado das compras governamentais da União Europeia também estará aberto, mas esse aspecto é visto com preocupação pelo senador Jaques Wagner (PT-BA), pois a recíproca por parte do Brasil será a mesma para a concorrência europeia.