O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas conseguiu a condenação de 34 réus denunciados em, pelo menos, quatro ações penais resultantes da operação Rio Nilo, que desmontou um esquema de corrupção e fraudes em operações fiscais da Zona Franca de Manaus. A operação foi deflagrada em 2007, simultaneamente em Manaus e São Paulo.
As investigações foram divididas em três blocos: o das empresas de Manaus e fiscais da Secretaria de Fazenda do Amazonas (Sefaz), o dos vistoriadores da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e pessoas ligadas a transportadoras e o das empresas sediadas em São Paulo, sendo oferecidas denúncias separadas para cada grupo.
Os réus, condenados em quatro ações já julgadas, receberam penas que variam de dois a 12 anos e seis meses de prisão, além de aplicação de multas e perdimento de bens e valores apreendidos. O MPF recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em maio de 2016, da sentença proferida no maior processo da operação, pedindo o aumento das penas para 30 dos 31 réus.
As sentenças referentes a outras três ações penais envolvendo grupos menores de réus só foram proferidas pela Justiça Federal em março, abril e setembro de 2018. Nelas, parte dos acusados ficaram livres de julgamento em razão da prescrição dos crimes pelos quais respondiam, já que se passaram mais de dez anos desde a apresentação da denúncia até o julgamento.
Em todas as sentenças condenatórias, a Justiça concluiu que ficou comprovado o pagamento de propina para os vistoriadores da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) por empresários e representantes de empresas como parte de um acerto entre as transportadoras e os funcionários públicos. Além disso, empresários e contadores também foram condenados por simularem remessas de mercadorias à Zona Franca para obtenção de créditos tributários, no intuito de negociar posteriormente esses créditos com outras empresas interessadas no esquema.
Individualmente, os réus – alguns deles possuem mais de uma condenação em processos diferentes – foram condenados conforme suas participações nas fraudes pelos crimes de estelionato majorado, associação criminosa, corrupção ativa qualificada, corrupção passiva e falsidade ideológica de documento público, entre outros crimes. Por terem praticado as irregularidades em várias ocasiões e em situações consideradas pela lei como agravantes, parte dos condenados teve a pena aumentada.
Apenas um dos processos, no qual um empresário foi condenado por estelionato a mais de seis anos de prisão em regime semiaberto, já transitou em julgado e não admite mais recursos. As demais ações encontram-se em fase de recurso, a maior parte perante o TRF1.
Houve absolvições em relação aos crimes de associação criminosa, estelionato e falsidade ideológica para uma pequena parte dos réus. Apenas um dos 31 denunciados na ação principal ficou livre de quaisquer condenações por falta de provas. Como há ações sigilosas em andamento sobre o caso, o número de réus condenados e absolvidos pode ser maior
A partir das investigações e provas reunidas no processo, a Justiça concluiu que “os réus estavam interligados, num esquema bem organizado, no qual a quadrilha já tinha como certo, de um lado, o recebimento dos valores extras, um ‘por fora’ do salário recebido como funcionário público e, de outro, o rompimento do procedimento de fiscalização do referido órgão, de maneira que as mercadorias das empresas envolvidas não fossem submetidas aos padrões de vistoria exigidos.”
Modo de operação
De acordo com a denúncia do MPF que resultou nas condenações, a organização criminosa era composta por empresários de Manaus e São Paulo e então servidores públicos da Suframa e praticava crimes na chegada de mercadorias na Zona Franca, com o objetivo de fraudar o fisco para se beneficiar ilegalmente de incentivos fiscais e sonegar impostos. Na outra ponta do esquema, vistoriadores da Suframa recebiam propina para chancelar os protocolos de ingresso de mercadorias sem a real conferência da carga e dos documentos apresentados pelas transportadoras.
As investigações que resultaram na prisão de vários envolvidos em 2007, durante a operação Rio Nilo, concluíram que as empresas participantes do esquema simulavam transações de compra e venda que geravam a obtenção de créditos tributários, graças aos incentivos fiscais oferecidos para empresas da Zona Franca de Manaus.
De acordo com a sentença, “o esquema contava com empresas de fachada localizadas em Manaus que, emprestando seus nomes, compravam produtos de outros estados, repassando-os para os reais interessados, com a sonegação da tributação devida”. O volume de cargas falsamente movimentadas para a Zona Franca chegou a R$ 430 milhões, valor sobre o qual incidiu o cálculo dos créditos tributários recebidos pelas empresas envolvidas nas fraudes.
Dissolução de empresas
Em março de 2011, a Justiça Federal no Amazonas determinou a dissolução de quatro empresas instaladas no Polo Industrial de Manaus (PIM) por fraude no uso de incentivos ficais. A sentença acolheu os pedidos feitos pelo MPF em ação ajuizada ainda em 2002, antes mesmo da deflagração da operação. O esquema viria a ser, anos mais tarde, o principal alvo da Operação Rio Nilo.
Com base em provas coletadas pelo MPF e em inquéritos conduzidos pela Polícia Federal, a Justiça Federal entendeu que as empresas DM Eletrônica da Amazônia Ltda., BMA Indústria e Comércio Ltda., Santel Tecnologia em Comunicação Ltda. e Bahia South Indústria da Amazônia Ltda. praticaram uma modalidade de fraude conhecida como “maquiagem” industrial e, por isso, tiveram sua dissolução empresarial decretada com base no artigo 160, do Código de Processo Civil.
Na mesma decisão, a Suframa foi condenada a cancelar os projetos econômicos dessas empresas com a autarquia federal, caso ainda estivessem ativos à época. A investigação demonstrou que as empresas importavam para a Zona Franca de Manaus produtos finalizados e declaravam falsamente à Receita Federal que eram insumos para industrialização, distribuindo esses mesmos produtos em seguida para o restante do país como se fossem produzidos no PIM e se beneficiando indevidamente dos incentivos fiscais.
As empresas envolvidas na fraude foram condenadas a reparar o dano moral coletivo causado pela quebra da concorrência e a não geração de emprego e renda em valores individuais ainda não corrigidos, que vão de R$ 300 mil a R$ 2 milhões.
A partir de recurso apresentado pelas empresas em relação à sentença, a ação de nº 2002.32.00.004888-3 tramita no TRF1, em Brasília, e aguarda decisão.
Em agosto de 2016, a Justiça bloqueou um montante de aproximadamente R$ 20 milhões em bens e valores de empresas, ex-funcionários da Suframa e despachantes envolvidos no esquema de corrupção e fraudes revelado pela operação Rio Nilo. O bloqueio atendeu ao pedido do MPF em 17 ações de improbidade administrativa apresentadas pelo Órgão no caso, em julho do mesmo ano. O ex-servidor da Suframa Homero Cordeiro Tavares, apontado como o principal articulador do grupo criminoso, é processado em uma das ações de improbidade, assim como outros 16 ex-servidores da autarquia — todos já demitidos — e 22 despachantes. Para o MPF/AM, não há dúvidas em relação à prática de atos de improbidade pelos processados, “haja vista estar constatado o enriquecimento ilícito e ofensa à moralidade pública e aos demais princípios administrativos”. As ações seguem em tramitação na 3ª Vara Federal do Amazonas, ainda aguardando sentença em primeira instância.
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