Deflagrada em 20 de novembro de 2015, a Operação La Muralla teve como principal alvo a organização criminosa conhecida como Família do Norte ou FDN, acusada de comandar, quase com exclusividade, o tráfico internacional de drogas no estado do Amazonas. As investigações foram conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. A operação é considerada um marco no combate à criminalidade organizada no estado.
Foram cumpridos 128 mandados de prisão preventiva, 67 mandados de busca e apreensão, sete buscas em presídios estaduais, 68 medidas de sequestro de bens. Mais de 400 policiais federais foram mobilizados em cinco estados brasileiros para o cumprimento de medidas relativas à operação. Trezentos policiais militares do Batalhão de Choque da Polícia Militar do Amazonas também auxiliaram em buscas e extração de detentos em unidades prisionais do estado.
Os investigados na operação faziam parte de cinco principais núcleos: os membros da FDN; fornecedores e transportadores de drogas localizados na tríplice fronteira; intermediários utilizados para ocultar e dissimular a transferência dos valores financeiros oriundos do tráfico; familiares dos membros da FDN ou dos fornecedores de drogas; e advogados (núcleo jurídico).
A partir das investigações, o MPF denunciou 118 pessoas em ações penais que continuam em trâmite, pelos crimes de organização criminosa, associação para o tráfico, tráfico de drogas, financiamento para o tráfico, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, tráfico internacional de armas, falsidade material e ideológica e associação criminosa, a serem julgados pela Justiça Federal.
Três dos principais líderes da facção já foram sentenciados. Até o momento, a maior pena aplicada foi atribuída a José Barbosa Fernandes da Silva, conhecido como Zé Roberto, condenado a 48 anos e 5 meses de prisão, além do pagamento de multa de mais de R$ 842 mil. Outros dois líderes da FDN foram condenados, cada um, a 39 anos de prisão e ao pagamento de multa de mais de R$ 800 mil. Quatro estrangeiros que também figuram como réus no caso já foram extraditados para o Brasil, três deles já com condenações aplicadas pela Justiça.
Parte das práticas ilegais flagradas nas investigações da operação La Muralla se referiam a crimes em relação aos quais o MPF não tem atribuição para atuar. Por isso, todo o conteúdo decorrente da operação foi encaminhado ao Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) para a adoção das providências cabíveis em relação a indícios da prática desses crimes, que incluem homicídios, lesões corporais, corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro, entre outros.
Sistematização do crime
As apurações mostraram que a FDN possuía Estatuto e Código de Ética próprios, este último conhecido como “Doutrinas da Família”. Qualquer medida adotada pelos integrantes da organização que fugisse às regras emanadas do Estatuto e Código de Ética, seria rigidamente punida.
Também foi possível verificar, durante as investigações, que a estrutura criminosa contava com um verdadeiro sistema de banco de dados de seus integrantes – programa próprio para armazenar os registros de cada integrante da organização, com dados como nome, endereço, data do cadastro, senha, padrinho no crime e especialidade delitiva.
O cadastro servia também para acompanhar a contabilidade dos que contribuíam com a chamada “caixinha”, utilizada para financiar o tráfico internacional de drogas e também como uma espécie de previdência do crime, que serviria para momentos em que seus integrantes estivessem presos e manter o elevado padrão de vida de familiares, além de custear advogados. Em 2015, a arrecadação mensal da FDN era de cerca de R$ 100 mil.
Pela complexidade de estrutura apresentada, o MPF considerou que a facção Família do Norte reúne todas as características que tradicionalmente são apontadas como típicas de grandes organizações criminosas: estrutura hierarquizada, planejamento empresarial, núcleo jurídico próprio, objetivo de lucros, uso de meios tecnológicos avançados e medidas de contra inteligência, recrutamento de pessoas, divisão funcional de atividades, conexão estrutural ou funcional com o poder público e/ou com o poder político, oferta de prestações sociais, divisão territorial das atividades, alto poder de intimidação, conexões locais, regionais e internacionais, dentre outras. Com todo esse aparato, a FDN é considerada como uma das maiores organizações criminosas do país, ao lado do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV).
Controle e regalias
Ainda segundo as investigações, outra característica central da facção era o absoluto controle que a facção mantinha sobre o sistema penitenciário amazonense. As unidades prisionais do estado serviam como grandes bases de recrutamento de novos membros, fortalecendo ainda mais o poder da organização.
A FDN também garantia a suas lideranças a possibilidade de gozar de diversas regalias dentro dos presídios, como celas exclusivas, com televisão e videogame de última geração até uma piscina improvisada dentro das celas, sem que houvesse qualquer interferência dos agentes carcerários.
Entre o início da investigação e a sua deflagração ostensiva ocorreram cerca de 11 grandes apreensões de drogas que exemplificam a extensão do poder da FDN sobre o tráfico internacional de drogas no Amazonas: nessas apreensões, membros da facção foram flagrados com 2,2 toneladas de drogas, avaliadas em cerca de R$ 18 milhões. Armas de fogo de grosso calibre, que incluem submetralhadoras e granadas explosivas de mão e grande volume de dinheiro em espécie também foram encontrados com os réus envolvidos nessas apreensões.