A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que é válida a previsão de garantia fidejussória (fiança) em contrato de cessão de crédito que tem por cessionário um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).
A controvérsia analisada pelo colegiado teve origem em embargos à execução opostos por sócia de um grupo empresarial, após ter sido incluída no polo passivo de processo movido por um FIDC contra a empresa da qual era fiadora para receber crédito no valor de R$ 99.643,52. O contrato de cessão de crédito estabelecia que, se os títulos não fossem pagos pelos devedores da empresa, teriam de ser recomprados pela empresa e por sua sócia.
Em sua defesa, a sócia afirmou que o grupo empresarial, devedor principal, encontra-se em recuperação judicial, tendo sido suspensos todos os débitos. Alegou também que, ainda que não se reconheça a tese da suspensão, de qualquer forma, o valor executado foi novado em vista da recuperação, e suspendeu-se a execução das garantias, estando os fiadores exonerados do cumprimento das obrigações.
Ponderou, ainda, que a relação jurídica existente entre ela e o grupo empresarial tem origem em uma operação de cessão de títulos de crédito, sendo o regresso contra o devedor solidário ilegal e abusivo, pois o FIDC já cobra considerando os riscos inerentes às suas atividades, não tendo direito a obter garantia fidejussória nas operações de cessão dos recebíveis.
Recurso especial
O juízo de primeiro grau acolheu as alegações, houve apelação, e a sentença foi mantida. O fundo de investimentos interpôs recurso especial no STJ sustentando divergência jurisprudencial e violação aos artigos 286, 295, 296, 297 e 298 do Código Civil (CC).
Em sua argumentação, o recorrente disse que o voto divergente no tribunal de origem considerou que o FIDC adquire, a título oneroso, os direitos creditórios do cedente, tornando-se dele titular e podendo, com base no direito cambiário e no disposto no artigo 296 do CC, exigir do cedente o crédito em caso de insolvência do devedor, se houver cláusula contratual nesse sentido.
Afirmou que o outro voto divergente entendeu que esse tipo de operação realizada pelo fundo não se confunde com factoring, nada havendo que afaste os efeitos e a validade da disposição prevista no contrato de cessão, e que a oposição de embargos à execução torna evidente a desnecessidade de ser oferecida a recompra à fiadora.
Por fim, assegurou que o acórdão recorrido não diferencia o factoring da securitização de recebíveis, atividade realizada pelos FIDCs.
Condomínio
Em seu voto, o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, destacou a natureza de condomínio dos FIDCs e a evolução da legislação relacionada ao tema, que passou a possibilitar, por exemplo, a oferta de cotas por investidores não qualificados e a exclusão de valores de investimentos mínimos.
“Parece mesmo ser a intenção do legislador, em harmonia com as disposições infralegais do órgão público supervisor, estabelecer a natureza de condomínio, visto que, em atenção à ausência de personalidade jurídica, para o caso específico dos fundos imobiliários, definiu no artigo 2º da Lei 8.668/1993 que se constitui condomínio. Em vista da natureza de condomínio, o artigo 6º dispõe que os bens dos fundos imobiliários são adquiridos pelo administrador, em caráter fiduciário.”
Institutos distintos
Em relação à forma de atuação, o ministro ressaltou que os FIDCs operam mediante securitização de recebíveis e não se confundem com os escritórios de factoring, que não são instituição financeira.
“A securitização caracteriza-se pela cessão de créditos originariamente titulados por uma unidade empresarial para outra unidade, que os deve empregar como lastro na emissão de títulos ou valores mobiliários, colocados junto a investidores com escopo de angariar recursos ordinariamente para o financiamento da atividade econômica.”
Salomão ressaltou também que o artigo 2º, II, da Instrução CMV 356/2001, com a finalidade de dar mais segurança às operações por esses fundos de investimento, passou a “prever que a cessão dos direitos creditórios é a transferência pelo cedente, credor originário ou não, de seus direitos creditórios para o FIDC, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional”.
A própria recorrida, conforme destacou o relator, reconhece na petição inicial que “se fosse desconto bancário, seria possível o estabelecimento de garantia na cessão de crédito”.
Sobre esse ponto, o ministro assinalou que nos FIDCs há captação de poupança popular dos próprios cotistas, e pela eficiência da “engenhosa estrutura” envolvendo a operação dos fundos, em que não há intermediação, o deságio pela cessão de crédito é menor do que nas operações de desconto bancário, embora ambas sejam semelhantes. Por isso, não se justificaria a nulidade da garantia, em prejuízo dos condôminos do fundo de investimento.
Instituições financeiras
O relator ponderou que, de acordo com as disposições da Lei 4.595/1964, não há dúvida de que os FIDCs são considerados instituições financeiras, já que fornecem crédito mediante captação da poupança popular, com administração de instituição financeira.
Destacou que se equiparam às instituições financeiras as pessoas físicas que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, a intermediação ou a aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros, como previsto no referido diploma legal.
“Também se subordinam às disposições e disciplina desta lei, no que for aplicável, as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações ou de quaisquer outros títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.”