Na manhã do segundo dia do XIV Seminário Internacional Ítalo-Ibero-Brasileiro de Estudos Jurídicos, que acontece no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foram discutidos temas como a inteligência artificial, a relação entre direito e tecnologia e novas perspectivas para o direito e a realidade da sociedade digital.
O tema desta edição do evento, que homenageia o ministro aposentado do STJ Ruy Rosado de Aguiar, é “A sociedade digital e os novos rumos do direito”. Veja a programação .
O seminário está sendo transmitido ao vivo pelo canal do tribunal no YouTube.
Inteligência artificial
No primeiro painel desta sexta-feira (16), o ministro Villas Bôas Cueva e o professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) Roberto Corrêa de Mello abordaram o uso da inteligência artificial tanto no Judiciário quanto na advocacia. A primeira mesa foi presidida pelo professor da PUC de Campinas Álvaro Iglesias.
O ministro Villas Bôas Cueva frisou que cada vez mais processos são informatizados. Ele destacou que entre 2009 e 2017 foram protocolados no Poder Judiciário 88,4 milhões de casos novos em formato eletrônico, possibilitando maior agilidade na vista e tornando viável adotar sessões virtuais e consultas durante o julgamento.
Por outro lado, afirmou o ministro, esses mesmos processos ainda não estão totalmente na linguagem dos computadores, acarretando problemas como a digitalização de peças em imagem sem o reconhecimento de caracteres e a ausência de recursos para anexar novas mídias, como vídeos.
O ministro também ressaltou a importância da transparência e da proteção dos dados disponíveis nos processos. Ele mencionou o exemplo da França, que, em março de 2018, editou uma lei para proibir o uso de dados coletados para formação de perfis estatísticos preditivos da atuação dos magistrados e dos servidores do Poder Judiciário.
Para o magistrado, essa é uma situação preocupante para todos que se envolvem em tais questões, pois, segundo disse, “uma das características da Justiça digital, preditivas, é exatamente a possibilidade de que haja transparência no sistema e que seja possível identificar qual o perfil decisório de cada magistrado”.
Justiça preditiva
Com foco na Justiça preditiva, o professor Roberto Corrêa observou que uma alternativa possível de implementação da inteligência artificial na advocacia é na resolução de ações em massa, como ações fiscais, de cobrança e despejo.
Segundo o advogado, “a Justiça preditiva vai municiar os juízes de elementos muito claros e objetivos para que haja uma solução para aquela demanda com o mínimo de interferência dos advogados e das partes”.
O professor defendeu que o uso da inteligência artificial nesse sentido fará com que o advogado se concentre no aperfeiçoamento da inteligência e da ciência jurídica na elaboração de teses que possibilitem a vitória nos seus casos. Segundo ele, “os advogados serão mais valorizados à medida que não usem da repetitividade”.
Direito e tecnologia
Com a mediação do professor da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Fernando Mathias de Souza, coordenador científico do seminário, o segundo painel discutiu o tema “Direito e tecnologia na sociedade digital”. Os expositores foram o professor José Júlio Rodriguez Fernandes, da Universidade de Santiago de Compostela (Espanha), e o professor do UniCeub Fernando Acunha.
Rodriguez abordou o “direito dos robôs”, tema considerado “perturbador” pelo próprio palestrante. Durante seu discurso, o professor apresentou alguns pontos a favor e contra a inclusão de tais direitos dentro da sociedade digital, além de trazer questões éticas sobre esses direitos.
“No futuro imediato, haverá transumanos ou ciberpessoas, humanos que possuem parte de robôs – pernas, braços ou coração. Com isso, existirão dúvidas éticas, como, por exemplo, onde ‘termina’ a parte humana e onde ‘começa’ o robô”, ressaltou Rodriguez.
Logo após, Fernando Acunha declarou que, quando se fala de direito e tecnologia na sociedade digital, muitos são os âmbitos possíveis de análise. Além disso, afirmou que todas as categorias jurídicas estão passando por um processo de reposicionamento e que, para isso, é preciso pensar na forma como são exercidos os direitos políticos e de cidadania.
“A construção do direito contemporâneo precisa nos deixar ‘desconfortáveis’, pois, somente quando estamos em tal situação, conseguimos pensar em algo novo”, disse Acunha.
Modernização
O ministro Raul Araújo foi o mediador do painel que encerrou os debates da parte da manhã, com o tema “Novos direitos e a realidade da sociedade digital”. Os palestrantes foram o professor Luiz Garcia, diretor do Departamento de Tecnologia da Informação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e o professor da Universidade de São Paulo Juliano Maranhão.
De acordo com Luiz Garcia, é imperativa a necessidade de modernização tecnológica da Justiça brasileira. “O poder público leva tempo demasiado para assimilar inovações tecnológicas. Dessa forma, seremos sumariamente massacrados”, disse.
Ele apresentou um panorama dos projetos em andamento no CNJ e destacou que, se os esforços forem integrados, “o Poder Judiciário pode protagonizar o processo de transformação digital nos serviços públicos”.
Para Garcia, a Justiça do futuro deve ter a coragem de quebrar paradigmas técnicos, jurídicos e gerenciais, assimilando as inovações tecnológicas para eliminar a fragmentação e as duplicidades.
“O Poder Judiciário ainda concentra a maioria dos seus esforços para resolver seus problemas internos, mas ainda precisamos olhar mais o cidadão. Precisamos ter o foco no cidadão, nosso usuário final. E essa é uma colaboração exponencial. A sociedade como um todo, o Poder Judiciário, todos os esforços conjugados para obter uma transformação no sentido da melhoria da prestação jurisdicional”, afirmou.
Contraditório
O professor Juliano Maranhão apresentou o trabalho desenvolvido por ele sobre as “Fronteiras de Pesquisa em Inteligência Artificial e Direito”.
Ao mostrar exemplos de sistemas utilizados nos Estados Unidos e em países da União Europeia, o professor destacou que a sistematização de dados é fundamental para que o Judiciário possa criar redes que permitam a classificação e a organização da informação para alcançar um patamar em que os sistemas de inteligência artificial falem a mesma língua.
Segundo Maranhão, o aspecto central de um processo judicial e todas as regras sobre o processo dizem respeito ao exercício do contraditório. Se a automação começar a avançar em aspectos que terão impacto sobre a decisão final, é importante que se permita que ela seja contestada.
“A inteligibilidade e a contestabilidade das decisões são aspectos fundamentais na construção de uma argumentação jurídica. Para alcançar esse estágio de desenvolvimento não há alternativa que não seja incorporar nesses modelos de inteligência artificial evidências jurídicas com representação de conhecimento e capacidade de processamento do raciocínio jurídico e da argumentação jurídica. Essa é a fronteira atual de desafio em pesquisa em inteligência artificial e direito”, concluiu.