Em audiência pública nesta quarta-feira (14) na Comissão de Infraestrutura (CI), debatedores defenderam a aprovação do projeto de lei que expande o mercado livre de energia elétrica, permitindo ao pequeno consumidor a portabilidade da conta de luz. Os especialistas convidados elogiaram o PLS 232/2016, mas alertaram para a necessidade de uma transição controlada.
O diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Rodrigo Limp, afirmou que o projeto tem tudo para ser um “marco fundamental” na nova era do setor elétrico brasileiro. Ele destacou que 50% da expansão da matriz energética no futuro próximo virá de fontes eólicas e solares, cuja participação era zero até poucos anos atrás.
— A transformação da rede é inevitável. A legislação e a regulação devem ser facilitadoras para que as novas tecnologias entrem no setor e propiciem benefícios para a sociedade.
Para o secretário de Fiscalização de Infraestrutura de Energia Elétrica do Tribunal de Contas da União (TCU), Manoel Moreira de Souza Neto, o modelo atual do setor elétrico está “esgotado” e deve ser abandonado em favor de uma configuração moderna.
— Para o cidadão, o setor elétrico não é uma usina, um fio, uma distribuidora. É uma política pública que tem por finalidade atender o usuário com qualidade, modicidade tarifária e sustentabilidade de suprimento.
Os participantes da audiência avaliam que o novo consumidor de energia é na verdade um “prossumidor” (consumidor que produz), graças às novas tecnologias de redes elétricas inteligentes e de armazenamento que permitem uma participação mais ativa no sistema. Isso precisa ser reconhecido pela legislação e pelos marcos regulatórios, disse Limp.
— O consumidor deixa de ter papel passivo, tanto na gestão da demanda quanto na produção de energia. Com isso, é natural que demande mais liberdade de escolha dos fornecedores.
Mercado livre
Atualmente os consumidores com carga inferior a 500 quilowatts (kW) não podem fazer parte do mercado livre e só podem comprar energia da distribuidora em que estão conectados. Esse é o caso do pequeno consumidor residencial, comercial ou de pequenas indústrias, chamado de mercado cativo. Apenas os consumidores com carga igual ou superior a 3 mil kW e os com carga igual ou superior a 500 kW e inferior a 3 mil kW que compram energia junto às chamadas fontes incentivadas podem fazer parte do mercado livre.
O PLS 232/2016 altera o modelo comercial de energia elétrica no país com a intenção de, progressivamente, permitir que os pequenos consumidores possam optar em fazer parte do mercado livre, hoje restrito a grandes consumidores de energia. A ideia é que, a longo prazo, ocorra com o setor elétrico o mesmo que aconteceu com o setor de telefonia. No caso dos consumidores residenciais, por exemplo, a relação com as distribuidoras será mantida apenas para o serviço de distribuição, e a liberdade para a compra se dará no caso da comercialização de energia com a geradora.
Restrições
No entanto, os especialistas alertaram para alguns aspectos que devem ser observados na transição. Manoel de Souza Neto apontou que o modelo mais aberto requererá políticas de conscientização e educação do consumidor, além de uma reestruturação da governança que envolva a Aneel, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Também será preciso levar em consideração a possível privatização da Eletrobras.
O secretário do TCU advertiu ainda que, com mais brechas para que indivíduos deixem o mercado regulado e migrem para o livre, os consumidores que não fazem esse movimento podem ser sobrecarregados. Segundo ele, o tribunal já comprovou essa dificuldade em auditoria.
— O consumidor cativo não pode ter prejuízo em decorrência daquele que migra para o mercado livre. Embora exista essa previsão legal, a Aneel não consegue refletir isso na tarifa. Operacionalmente, ainda não conseguimos fazer essa distinção, não é algo simples.
Esse ponto também foi levantado por Rodrigo Limp, da Aneel. Ele disse que os principais empreendimentos energéticos ainda se viabilizam principalmente no mercado regulado, que suporta usinas mais caras, por exemplo. Uma debandada poderia tornar a continuidade dessa expansão “insustentável”.
Secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia, Ricardo Cyrino destacou que o Brasil tem R$ 400 bilhões contratados em investimentos até o ano de 2027. Ele também elogiou o projeto de lei que foi tema da audiência, afirmando que é a iniciativa mais completa sobre o tema da abertura do mercado de energia e endereça as questões certas. Mesmo assim, pediu “olhar atento” para que a medida não comprometa a previsibilidade dos investimentos.
Comunidade
A audiência teve a participação do presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), Mário Menel. O fórum congrega representantes de todas as etapas da cadeia energética: geração, transmissão, distribuição, comercialização e consumo. Menel também considera “imperativa” a modernização do mercado, pois o modelo atual não comporta mais as novas tecnologias que chegam em peso.
Ele elogiou as iniciativas da administração pública de realizar, desde 2016, consultas abertas sobre o tema. Essas consultas levaram à produção de dois projetos de lei distintos. Menel considera o PLS 232/2016 mais adequado porque estabeleceu prazos mais abertos para as etapas da abertura e, assim, evitou ficar defasado.
Clauber Barão Leite, especialista em energia e sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), exaltou a abertura do debate para a participação dos consumidores, que são os “atores principais” nesse processo, bem como o lado “mais frágil”. Ele sublinhou que a Aneel e o Cade devem garantir competição franca e tarifas justas na nova configuração de mercado de energia.
Senadores
O relator do PLS 232/2016 é o senador Marcos Rogério (DEM-RO), responsável também pela convocação da audiência. Para ele, o projeto é “portador de boas novas” e poderá colocar o Brasil em linha com mercados modernos de energia, como a União Europeia.
— Atualmente as distribuidoras não enfrentam concorrência. O consumidor doméstico e os pequenos e médios empreendedores são obrigados a recorrer a um único fornecedor de um insumo essencial.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) também declarou ser favorável à iniciativa, lembrando que são cada vez mais comuns as propriedades individuais que produzem energia. Ele lembra que, no caso específico do Brasil, as particularidades regionais e as dimensões do território devem ser levadas em consideração sempre.
— Favorecer modelos autônomos me parece uma necessidade. Eles serão desiguais, e a [agência] reguladora está lá para isso: proteger aqueles que, no modelo tecnologicamente possível, são os menos favorecidos.
A CI promoverá mais duas audiências públicas sobre o projeto de lei na próxima semana.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)