Atividade orientadora desenvolvida pelo projeto alcança pessoas encaminhadas pelas Varas Criminais ou pelo Juízo das Audiências de Custódia.
Em sua última palestra do mês de julho, realizada na manhã de segunda-feira (29), no auditório do Fórum Ministro Henoch Reis, no bairro São Francisco, a equipe do “Projeto Reeducar” recebeu 119 liberados provisórios, que respondem a processos em diversas Varas Criminais do Poder Judiciário do Amazonas. De acordo com a coordenação do projeto, desde de feveiro, quando teve início a progração deste ano, 1.728 reeducandos foram alcançados pela atividade orientadora, num total de 12 palestras, proferidas pelos colaboradores voluntários, bem como pelos parceiros do projeto.
A próxima palestra está programada para o dia 12 de agosto, mês de comemoração de uma década do Reeducar, que é desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Amazonas como estratégia para auxiliar na reinserção social dos reeducandos. Segundo a coordenadora do projeto, juíza titular da 11.ª Vara Criminal, Eulinete Melo Tribuzy, foi uma década de muito trabalho, mas, principalmente, de resultados importantes, como o de baixo retorno à criminalidade por parte das pessoas que foram alcançadas pelas ações da iniciativa.
“Com certeza não poderíamos chegar onde chegamos sem o apoio do próprio Tribunal, dos presidentes da Corte que nos incentivaram e apoiaram; bem como dos parceiros que são essenciais para o desenvolvimento deste trabalho de reorientação, que beneficia a própria sociedade. Estamos conseguindo nosso intento que é oferecer novas oportunidades a esses reeducandos, que não a vida no crime”, avalia a magistrada.
Uma das principais instituições colaboradora do Tribunal de Justiça no “Projeto Reeducar” é a Defensoria Pública do Amazonas (DPE-AM). O defensor público Miguel Tinoco de Alencar relembra o começo do projeto. “No início tínhamos de fazer uma divulgação praticamente boca a boca. Íamos nas Varas Criminais para mostrar o tabalho aos juízes e pedir que encaminhassem os presos liberados para as palestras do Reeducar. Com a institucionalização do projeto pelo Tribunal, inclusive através de normas internas, a vinda às palestras foi colocada como uma prioridade, sobretudo no que tange à reinserção do preso, que é fundamental para toda a sociedade. Atualmente, nos próprios alvarás de soltura e termos de compromisso, já consta a obrigatoriedade de comparecimento do liberado provisório a, pelo menos, uma das palestras do “Projeto Reeducar”. Um trabalho grandioso, incorporado pelo Poder Judiciario, pela Defensoria Publica e com o apoio de importantíssimos parceiros”, frisou o defensor público.
Miguel Tinoco destaca que todos os parceiros institucionais do projeto colaboram para a reintegração saudável do preso na sociedade e cita, como exemplo, a colaboração do Narcóticos e do Alcóolicos Anônimos que realizam um trabalho fundamental para evitar o retorno dos reeducandos ao ciclo do vício, um dos principais motivos de delitos e crimes. “O flagelo das drogas é a doença do século e está presente na maioria nos processos que acompanhamos aqui. São delitos patrimoniais, aqueles em que a pessoa é obrigada a cometer roubos e furtos para sustentar o próprio vício. Ele rouba um celular e esse celular, invariavelmente, vai parar em uma boca de fumo, vendido por um valor vil e que não paga, sequer, a dívida que aquele adicto da droga tem para com o traficante. Por isso, são importantes esses parceiros, todos oferecendo oportunidades de estudo e trabalho, com enorme número de cursos oferecidos. Abrimos, com isso, o primeiro preceito dos direitos humanos: o direito à dignidade, ao trabalho”, avalia o defensor Miguel.
Voluntariado
O projeto atua com muitos voluntários, entre eles o advogado e mestrando em Direito, Gilvan Pereira Dácio, cujo depoimento incentiva os reeducandos a mudarem o rumo da própria história. Nascido em Manacapuru (a 60 quilômetros de Manaus) e criado no beiradão, veio criança para Manaus para morar numa área de invasão da zona Leste, na década de 1980.
“Meus pais viviam indo para Manacapuru e eu acabei me envolvendo com meninos da rua. Naquele período, as ‘galeras’ eram fortes, havia mais de 40 em Manaus. As mais conhecidas eram a ‘Anjos Malditos’ e a ‘Guerreiros Selvagens’. No bairro São José havia as galeras do ‘Abelha’; do ‘Rato’; ‘Os Panteras’, entre muitas outras, e elas se encontravam na Associação do São José 1, onde hoje é o 9.º DIP, para curtir a danceteria e depois entrar em confronto. Com esses amigos aprendi que se você quer ser respeitado você tem de fazer o mal, quanto mais mal você é e faz mais as pessoas vão te temer. Então, tinha essa ideologia nas ruas, a gente tinha de aprender a se virar, ou sobrevive ou morre, e muitos dos meus amigos morreram na ponta de uma faca ou por arma de fogo”, conta o advogado, que à época tinha 13 anos.
Numa noite, o futuro advogado, foi atacado por uma galera rival, apanhou bastante e levou terçadadas em várias partes do corpo e no rosto. A família resolveu mandá-lo de volta para o interior e lá Gilvan tentou montar a própria galera, mas não conseguiu. Ainda na vida de delinquência, o adolescente conheceu uma moça de nível social diferente e se apaixonou. “Essa pessoa foi um anjo na minha vida, porque a gente se apaixonou e a família dela foi contra o namoro. Um dia, ela me disse: “Ou tu mudas ou não vai dá para ficarmos juntos”. Por ela, resolvi mudar e estudar, pois o sonho dela era fazer a faculdade de Direito. Eu não tinha expectativa nenhuma; não tinha sonho; não tinha nada e tomei aquele sonho para mim . Comecei a estudar; a correr atrás de emprego; capinava quintal; lavava e reparava carros”, conta.
Após cinco anos de namoro, Gilvan resolveu pedir a moça em casamento, mas no dia 31 de dezembro de 1999 ela foi atropelada e morta por um carro cujo motorista até hoje não foi identificado. “Minha vida mudou a partir dali, dei uma guinada. Entrei na faculdade, fiz Teologia, entrei na igreja, conheci pessoas que me apoiaram muito. A igreja abriu um leque de oportunidade pra mim, inlcusive, de falar em público, com o evangelismo, por meio do qual você aprende a falar e tocar a parte mais profunda do ser humano”, narra o advogado que, então, voltou para evangelizar na periferia de onde saíra e descobriu que muitos colegas da época estavam mortos.
Fez outros colegas dentro das galeras, iniciou um projeto chamado “Recuperar”, ensinando música e grafitagem para os garotos que vendiam drogas. Entrava nas bocas de fumo, sendo ameaçado muitas vezes. “Quando me formei em Direito, minha intenção era atuar na área eleitoral, mas os meninos do crime foram me procurando e, antes de advogar, fiz estágio no TJAM, exatamente na 11.ª Vara Criminal, com a dra. Eulinete Tribuzy. Me envolvi, então, com as atividades do Reeducar, me identifiquei muito com o projeto, com sua visão de ressocialização”, afirmou Dácio.
Sandra Bezerra
Foto: Chico Batata
Revisão de texto: Joyce Tino
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