Criado em 1891 no contexto da implantação da República no País, o Judiciário Estadual, ao longo desses 130 anos, ampliou sua capilaridade – conta hoje com 61 Comarcas e um Termo -, e modernizou-se para garantir o acesso à Justiça aos cidadãos da capital e do interior.
Em 10 de abril de 1891 – quando já se passavam 41 anos da elevação do Amazonas à categoria de Província, em 1850, e o Brasil vivia os ares da República, proclamada três anos antes, em 1889 -, o governador do Estado, Eduardo Ribeiro, baixou o Decreto n.º 95, que complementava as disposições contidas no artigo 58 da recém-promulgada Constituição Estadual, e instituia o primeiro código de organização da Justiça do Amazonas. No dia 4 de julho daquele ano, em um prédio público de propriedade do Município de Manaus (anexo à antiga Câmara Municipal), que funcionava na rua Visconde de Mauá, área central da cidade, foi oficialmente instalado o Superior Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, denominação primeira do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), que no último dia 4 deste mês completou 130 anos de história.
A instalação do Poder Judiciário do Amazonas ocorreu em sessão solene conduzida pelo vice-presidente (vice-governador) da Província, no exercício da presidência, Guilherme José Moreira, o Barão do Juruá. Na mesma ocasião, como registra o livro “O Poder Judiciário na História do Amazonas – 3.ª edição”, da historiadora Etelvina Garcia, foram empossados os primeiros desembargadores da Corte e realizada eleição e posse dos primeiros presidente e vice-presidente efetivos do Tribunal. “A década em que se institui o Superior Tribunal de Justiça do Amazonas coincidiu com os primeiros momentos de apogeu da economia da borracha. (…) Era o tempo dos grandes investimentos em urbanização e infraestrutura de serviços básicos que fizeram da pequena cidade do rio Negro, a Paris dos Trópicos”, registra a historiadora na publicação, que integra o “Projeto Memória” do TJAM.
Conforme o artigo 54 da Constituição do Estado de 1891, o Poder Judiciário passaria a ser exercido por um Tribunal Superior de Justiça, com Sede na capital, bem como por juízes de Direito e juízes Municipais. No artigo 55, a Carta estabeleceu que a magistratura do Estado seria formada por duas instâncias, sendo a primeira composta dos juízes de Direito e Municipais e pelo Júri; e a segunda de desembargadores com assento no Superior do Tribunal de Justiça.
Em abril de 1894, o governador Eduardo Ribeiro assinaria o contrato para a construção do Palácio da Justiça, no local de maior destaque da avenida do Palácio – a principal da cidade. Com a troca de governo, a obra se estenderia até 1900, quando o monumental prédio público que até hoje marca a paisagem da área central da capital amazonense foi inaugurado pelo governador Ramalho Júnior. Por 105 anos, o Palácio foi a Sede do Poder Judiciário no Amazonas. Palco de julgamentos históricos – como a “Caso Ária Ramos”; o “Caso Atabírio Indio de Maués”; o “Caso Delmo” – que movimentaram a Manaus antiga e, também, de eventos tensos associados ao cenário político local.
Um deles, em junho de 1931, quando o então interventor federal do Amazonas Álvaro Botelho Maia – nomeado pelo presidente Getúlio Vargas sete meses antes – simplesmente dissolveu a mais alta Corte de Justiça do Estado. O motivo fora um habeas corpus concedido pela Corte em favor de um cidadão colombiano acusado pelo Ministério Público do crime de defloramento. Conforme a decisão, não ficaram caracterizados os crimes de violência carnal, defloramento e estupro definidos nos artigos 267 a 269 do Código Penal da República. Seguida de protestos populares, a decisão desagradou o interventor, que determinou a dissolução do Tribunal e a aposentadoria de todos os seus membros, empossando, cinco dias depois, seus substitutos. O ato arbitrário resultou, dois meses depois, no afastamento de Álvaro Maia pelo presidente da República. Coube ao novo interventor anular a dissolução e reintegrar os membros da Corte anteriormente aposentados por Maia.
Três décadas depois, em 1964, também em circunstância envolvendo a tramitação de um pedido de habeas corpus, dessa vez em favor do ex-governador Plínio Coelho, o Judiciário Estadual voltou a ser alvo do arbítrio. Após conceder o pedido da defesa do ex-governador, preso ilegalmente por determinação de Arthur Reis (governador à época), o Tribunal passou a contar, em sua Sede, com soldados da Polícia Militar postados diante de seus portões, exigindo a carteira de identidade de todos que buscassem ter acesso ao prédio, inclusive de magistrados e funcionários. Seguiram-se outros eventos que agravaram a crise entre o Executivo e o Judiciário e, para enfrentá-la, no final de dezembro daquele ano a Corte baixou uma portaria – publicada em todos os jornais e emissoras de rádio – determinando a suspensão da atividade judicante da magistratura em todo o Estado “até que voltem ao Judiciário as garantias constitucionais que amparam a Justiça”.
Além disso, foram enviados telegramas ao presidente da República – general Castello Branco –, ao ministro da Justiça e ao presidente do Supremo Tribunal Federal relatando os fatos e pedindo providências, inclusive, a intervenção federal, a fim de garantir o exercício da magistratura amazonense. Em janeiro de 1965 – com a chegada de um emissário do governo federal ao Amazonas – a crise institucional foi superada, com as restauração das garantias constitucionais que haviam sido subtraídas do Poder Judiciário. A Corte, então, por unanimidade, decidiu restabelecer as atividades judicantes.
Salto tecnológico
Nestes 130 anos, o Poder Judiciário do Amazonas ganhou capilaridade, estando hoje presente em todos os municípios do Estado, com 60 Comarcas e um Termo. Para atender às demandas da sociedade e fazer funcionar toda essa estrutura, conta com um corpo de 26 desembargadores e desembargadoras atuando na Segunda Instância; 184 juízes e juízas no 1.º Grau e 2.215 servidores e servidoras; além de 729 estagiários e estagiárias. Na capital, está a Sede do Poder – que hoje funciona no Edifício Arnoldo Péres, construído no bairro do Aleixo, zona Sul da cidade e inaugurado em 2005, pois o centenário palácio do Centro da cidade não mais comportava a estrutura jurídico-administrativa do Tribunal –, onde funciona a Segunda Instância; e a estrutura de atendimento conta, ainda, com cinco fóruns, além de unidades descentralizadas.
O Tribunal também investiu fortemente na modernização tecnológica para, inclusive, amenizar as dificuldades logísticas características da região amazônica, e hoje tem o seu acervo 100% digitalizado, na capital e no interior – com a tramitação dos processos ocorrendo em meio eletrônico, através dos sistemas SAJ (capital e comarca de Iranduba) e Projudi (demais municípios), tendo sido o primeiro Tribunal Estadual do País a ter o seu acervo totalmente digitalizado. Foi um desafio gigantesco, sobretudo no interior do Estado, sem internet, o que exigiu a busca por parcerias institucionais, como a que foi firmada com o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), do Ministério da Defesa, e altos investimentos.
Essa guinada rumo à modernização tecnológica ocorreu a partir do início da década de 90 e ganhou força na primeira década dos anos 2000, notadamente a partir de 2007, quando foi implantado o Processo Judicial Digital (Projudi) em seis Juizados Especiais do interior do Estado. Em 2011, todas as novas ações de Primeiro Grau na Comarca de Manaus passam a tramitar em meio digital e iniciou-se o processo digital do Segundo Grau de jurisdição. Em 2013, finalizou-se a implantação do sistema Projudi em 59 das 61 comarcas do interior do Amazonas.
A aposta na modernização tecnológica – e na permanente atualização dos sistemas utilizados – permitiu que o Tribunal de Justiça do Amazonas pudesse enfrentar o período da pandemia de covid-19, iniciado no primeiro trimestre de 2020 no País e ainda em curso, com suas atividades jurisdicionais ativas, mediante a adoção do sistema de home office; a realização de suas sessões de julgamento da Segunda Instância em modo virtual e parte das audiências das unidades de 1.º Grau em curso normal por videoconferência.
Projeto Memória Oral
Como parte das comemorações pelos 130 anos de instalação do Poder Judiciário do Amazonas – completados no último dia 4 de julho –, o Tribunal de Justiça do Amazonas lança nesta quinta-feira (8) o “Projeto Memória Oral”. Idealizado pela equipe do Arquivo Central da Corte e executado em parceria com a Divisão de Divulgação e Imprensa do Tribunal, o projeto tem o objetivo de resgatar a história do Judiciário, por meio do relato de experiências de magistrados (as) e servidores (as) aposentados (as) do órgão, em entrevistas gravadas em vídeo, as quais serão disponibilizadas no canal do TJAM na plataforma YouTube.
Já foram entrevistados, nesta fase inicial do projeto, a desembargadora aposentada Marinildes Costeria de Mendonça – primeira mulher a assumir a presidência da Corte –; os desembargadores aposentados Manuel Neuzimar Pinheiro, Luís Wilson Barroso e Hosannah Florêncio de Menezes, também as servidoras aposentadas Ecyr Socorro Alcântara Dias e Helena Vitória da Silva Cruz Gadelha. A entrevista com a desembargadora Marinildes será a primeira a ir ao ar, neste dia 8, e os próximos depoimentos serão publicados semanalmente, às quintas-feiras, a partir das 14h (horário de Manaus), no YouTube.
“Estamos realizando um sonho antigo, o do resgate da memória oral, contada por membros e servidores aposentados do Poder Judiciário do Estado. Eles têm muito a colaborar com preservação da memória do Judiciário, pois além de (re) contar a história do TJAM, através da oralidade, trazem vivências, experiências, casos e o sentimento carregado de quem muito contribuiu nos anos que atuou na prestação jurisdicional. É uma forma de arquivarmos permanentemente essas histórias de vida, que se entrelaçam com a história do Tribunal”, afirmou Pedro Neto, gerente do Arquivo Central do TJAM, destacando que todo o material do projeto constará no Repositório Digital (RDC-Arq), que está sendo instalado.
Arte: Igor Braga
Revisão de texto: Joyce Tino
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