14:31 – 14/02/2020
FOTOS: CLÓVIS MIRANDA/DPE-AM
DPE-AM realizou mutirão de atendimentos à população local em paralelo ao casamento coletivo. Barreiras geográficas e questão financeira dificultam acesso aos direitos
Intervenções para registro de nascimento tardio e a garantia de benefícios previdenciários foram as principais demandas de Tikunas e Kokamas atendidos pela Defensoria Pública do Estado (DPE-AM) no mutirão feito pelo órgão, nesta semana, em comunidades indígenas de Benjamin Constant (a 1.118 km de Manaus). Cerca de 200 pessoas foram atendidas, ao longo de três dias, nas localidades que foram sede das cerimônias do casamento coletivo que formalizou o matrimônio de 806 casais indígenas.
O agricultor Osinei Araújo Souza, 58, esteve entre as dezenas de pessoas que buscaram atendimento e orientação jurídica da Defensoria durante a ação itinerante que ocorreu em paralelo à realização do casamento coletivo. Morador da comunidade de Niterói, a duas horas de barco da sede de Benjamin Constante, ele está em busca da aposentadoria, após 45 anos trabalhando na agricultura familiar.
“O que corre na minha veia é sangue de agricultor”, disse. “Mas chegou a hora de se aposentar”, comentou. Osinei Souza receberá assistência da DPE/AM para alcançar o benefício.
Defensores públicos que atuam no Polo do Alto Solimões, com sede em Tabatinga, foram os responsáveis pelos atendimentos aos indígenas.
“Uma questão chamou muito a nossa atenção. Várias pessoas que nos procuraram não tinham registro público e elas estavam procurando a primeira via de um registro tardio. Nesse caso, não se trata de direitos que essas pessoas poderiam acessar, mas de existirem juridicamente para o Estado e, a partir do reconhecimento dessa existência, acessar direitos. Para a Defensoria Pública foi bastante válida a visita para detectar essa questão e criar meios para que esse registro público chegue a comunidades mais isoladas”, afirmou a defensora pública Elânia Cristina do Nascimento, coordenadora do Polo do Alto Solimões.
Tríplice fronteira – Localizada na região da tríplice fronteira (Brasil-Peru-Colômbia), Benjamin Constant concentra 16 mil indígenas entre Tikunas e Kokamas, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai). De lancha, as comunidades Filadélfia, Feijoal, Porto Espiritual e Guanabara 3, que receberam o atendimento, ficam entre 15 e 50 minutos distantes da sede do município.
“Pelas barreiras encontradas, tanto pelas distâncias, quanto pela barreira financeira, há a impossibilidade de registro e, por consequência, de exercer direitos básicos, como matrículas em escolas, cartões de vacina e, porventura, outros relacionados a benefícios sociais, como Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada (BPC). Tudo isso é impedido pela falta da certidão de nascimento”, lamentou Elânia.
Mais do que uma certidão de casamento – Indígenas Tikuna e Kokama formalizaram o matrimônio em um casamento coletivo, nesta semana, com 806 casais em Benjamin Constant. As celebrações aconteceram entre terça (11/02) e quinta-feira (13/02). O casamento foi organizado pela Defensoria Pública do Estado em parceria com a Funai, a Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), a Prefeitura de Benjamin Constant e o Governo do Estado do Amazonas, por meio da Sejusc.
Os casais vivem em 35 comunidades e foram divididos para quatro cerimônias, que aconteceram nas comunidades Feijoal, Filadélfia, Guanabara 3 e São Leopoldo. As celebrações respeitaram as tradições culturais dos indígenas, que, com a iniciativa, conseguiram oficializar o casamento civil de maneira gratuita.
A professora Aneda Geraldo Araújo, 35, uma das noivas Tikunas do terceiro dia de casamento coletivo, deixou claro que os indígenas querem e vão em busca de outros direitos, além do casamento civil. Investimento e acesso à educação de qualidade estão na lista de prioridades.
“Queremos escola padrão, educação de qualidade, saúde de qualidade e também internet para que nossos adolescentes tenham acesso à globalização, à era digital. É isso que (nossa) sociedade precisa. Porque muitos jovens estão, em pleno século 21, se matando no alcoolismo, ‘mexendo’ com drogas”, comentou.
Ela também fez menção à dificuldade de acesso a documentos básicos e disse que os indígenas não têm condições de pagar os custos de um casamento civil, por exemplo. “Esse projeto (nos) abraçou e deu à sociedade indígena acesso a um direito constitucional, como sociedade, como cidadão brasileiro”.
Laços indígenas – Segundo o acadêmico de Letras Izaías Curico Hayame, 41, que também foi um dos noivos do casamento coletivo, o evento é um momento que marca a sociedade Tikuna do Alto Solimões. Para ele, a formalização da união fortalece os laços das famílias indígenas e garante herança aos filhos com o patrimônio construído pelos pais ao longo da vida.
“A gente deve manter a nossa origem, a nossa cultura, a nossa tradição. E que o mundo possa ver que nós existimos, que temos história, que temos raízes”, disse. “Nós queremos instituições que acatem nossas demandas, porque nós temos nossos direitos. A constituição rege tudo isso: nosso direito de nos casar, de ser feliz, igual aos não indígenas. Eu estou muito feliz. Vou ser exemplo pra minha família. Tenho seis filhos e isso fica na memória”.
O casamento coletivo também contou com o apoio do Exército Brasileiro, da Marinha do Brasil, do Batalhão de Polícia Militar de Tabatinga e do Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Solimões (DSEI-ARS). As instituições deram suporte logístico e de estrutura para a realização das cerimônias, que ocorreram em locais de difícil acesso.
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