O Ministério Público Federal (MPF) expediu recomendação para que a concessão, pelo governo federal, dos benefícios do programa Bolsa Família e do Auxílio Emergencial aos indígenas do Alto Rio Negro, incluindo o município de São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros de Manaus), seja adequada ao contexto estrutural, cultural e ao modo de vida dos povos indígenas da região. O tema vem sendo debatido pelo MPF com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), pesquisadores especialistas e entidades que atuam na região.
O objetivo é garantir o acesso dos indígenas aos recursos disponibilizados pelo governo federal e evitar a disseminação do coronavírus entre os povos indígenas que precisam se deslocar à sede do município para receber os valores. O documento foi encaminhado a diversos órgãos, entre eles o Ministério da Cidadania, a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Município de São Gabriel da Cachoeira e o Exército.
Em São Gabriel da Cachoeira, em que 85% da população é autodeclarada indígena, famílias indígenas inteiras chegam a viajar por semanas até a sede do município, em canoas movidas por motor rabeta, ficando acampadas à beira do rio Negro por até três meses, sujeitas a inúmeros agravantes, risco de morte, enquanto aguardam indefinições, burocracias e a morosidade dos órgãos públicos para percepção dos benefícios.
O cenário se torna ainda mais preocupante, segundo o MPF, no contexto da pandemia, em que a situação de especial vulnerabilização social e econômica a que estão submetidos os povos indígenas e as dificuldades logísticas de comunicação e de acesso aos territórios agravam o risco de genocídio indígena. Há ainda, na região de São Gabriel da Cachoeira, povos indígenas considerados de recente contato pela Funai, para os quais os impactos da covid-19 tendem a ser potencialmente gravosos, já tendo inclusive sido registrada uma morte por covid-19 entre esses povos.
A recomendação do MPF aponta que devem ser adotadas alternativas para o pagamento aos indígenas de São Gabriel da Cachoeira e região, incluindo a garantia de pagamento nas localidades mais próximas das aldeias, assegurando a estrutura bancária necessária, utilizando como referência os pelotões de fronteira do Exército ou centros de mídia da Secretaria de Estado de Educação e Desporto (Seduc) nas comunidades e aldeias, e por meio de aplicativos que possibilitem acesso ao recurso mesmo sem conta bancária, como é o caso da iniciativa Fintech ‘Trocados Coronavoucher’.
Uma outra medida a ser adotada é a destinação dos recursos de uma parte dos beneficiários que desejarem a uma conta bancária específica – por meio de fundo específico ou por transferência direta a instituição pública ou associação indígena – cuja destinação dependerá de prévia deliberação dos grupos envolvidos, com acompanhamento dos órgãos de controle e da Funai.
Outra proposta é a instalação também de estrutura logística nos pelotões de fronteira do Exército que disponibilize caixas eletrônicos para pagamento descentralizado dos benefícios e adotação de procedimentos para apresentação de procurações simplificadas para o recebimento do Bolsa Família ou do Auxílio Emergencial, como o previsto no Decreto nº 5.209/04, mediante processos informativos com as organizações indígenas.
Prorrogação do benefício – Um dos pontos recomendados ao Ministério da Cidadania pelo MPF é a ampliação, por mais seis meses, do prazo para saque dos benefícios do Bolsa Família e do Auxílio Emergencial e o escalonamento de datas para realização do saque, fazendo com que o grupo de indígenas que deverão buscar a sede do município para receber os valores seja o mais reduzido possível a cada dia, evitando aglomerações na já precária rede bancária da localidade, a exemplo do que ocorre na maior parte do interior do Amazonas. A ampliação do prazo para saque deve ser adotada também para benefícios como o salário-maternidade e pensão por morte, por parte do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A ampliação do prazo para saque é uma medida necessária, conforme a recomendação do MPF, considerando que as dificuldades com a logística para realização dos saques do benefício ou atualizações cadastrais geram deslocamentos frequentes de famílias indígenas para a sede do município e que, conforme decreto federal, os valores não sacados no prazo de três meses são restituídos ao Programa Bolsa Família e o mesmo ocorrerá em relação ao Auxílio Emergencial.
Assistência às aldeias – A recomendação do MPF inclui também medidas para garantir a segurança alimentar dos indígenas, com o fornecimento de cestas básicas, materiais de higiene e produtos agrícolas diretamente nas terras indígenas, para evitar o deslocamento para as cidades. A entrega do material deve ser realizada a partir de articulação do Ministério da Cidadania, da Fundação Nacional do Índio (Funai), das Forças Armadas, entre outros órgãos.
A Funai deve ainda difundir informação de maneira objetiva e acessível às comunidades indígenas e tradicionais quanto à necessidade de permanência nas aldeias e comunidades, observados modos de vida e idioma próprios.