O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça Federal, em ação civil pública, que determine medidas de comando e controle para contenção do desmatamento causado por infratores ambientais – madeireiros, garimpeiros, grileiros, dentre outros – nas dez áreas de maior incidência do crime na Amazônia. As ações devem ser adotadas conjuntamente pela União, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Em maio deste ano, decisão liminar atendeu a pedido de tutela de urgência do MPF, anterior à ação civil pública. A liminar foi suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), mas o MPF já recorreu da decisão proferida na segunda instância.
As áreas de maior incidência de desmatamento na região, que devem ter a fiscalização intensificada, foram identificadas pelo Ibama como hotspots de desmatamento, concentrados na tríplice fronteira entre o sul do Acre, norte de Rondônia e sul do Amazonas (Amacro); no norte do Mato Grosso, nas fronteiras com o sul do Amazonas e com o Pará; e no estado do Pará, nas regiões das rodovias federais BR-163, BR-230 e BR-158.
Dentre as medidas apontadas na ação estão a implementação de mecanismos permanentes de repressão a ilícitos ambientais nesses dez pontos críticos da Amazônia, conforme previsto no Plano Nacional Anual de Proteção Ambiental (PNAPA 2020), do Ibama. Esses mecanismos devem pressupor a mobilização de equipes interinstitucionais formadas, ao menos, por forças de comando e controle suficientes para contenção dos ilícitos ambientais e socioambientais de cada região, como fiscais do Ibama e do ICMBio, Força Nacional, militares das Forças Armadas e das polícias militares ambientais, policiais federais e servidores da Funai, a depender das características e necessidades de cada um desses pontos.
A ação civil pública requer também a apresentação, em juízo, de planejamento e cronograma rápido para implementação de bases e mecanismos permanentes de contenção de infratores ambientais, incluindo o efetivo mobilizado e as ações estratégicas, repressivas e investigativas, previstas para cada base. Outro pedido está relacionado à adoção de mecanismos de barreiras sanitárias e expulsão de invasores nas terras indígenas situadas nas áreas críticas de desmatamento e demais infrações ambientais.
O MPF ainda pediu o bloqueio de toda e qualquer movimentação de madeira no Sistema Nacional de Controle da Origem Florestal (Sinaflor/DOF) nos municípios que integram os hot spots do desmatamento e a suspensão de todos os postos de compra de ouro vinculados a distribuidoras de títulos e valores mobiliários e de todos os estabelecimentos comerciais de compra e venda de ouro nestes mesmos municípios, durante o período da pandemia.
Pedidos finais – Ao final do processo, o MPF quer a condenação dos réus à implementação imediata, por meio de articulação da União, das ações de comando e controle para contenção de infratores ambientais, mencionadas no pedido de tutela de urgência. Em razão dos danos causados ao meio ambiente por omissão e insuficiência na adoção de medidas de proteção ao ecossistema amazônico no contexto da pandemia de covid-19, relacionadas à contenção de infratores ambientais atuantes na Amazônia, a ação pede a condenação dos réus ao pagamento de mais de R$ 350 milhões.
O pagamento mínimo de R$ 10 milhões – por cada um dos hotspots (pontos de maior incidência de desmatamento) identificados pelo Ibama – aos povos ou comunidades que ali vivem e sejam impactados pela omissão e insuficiência na adoção de medidas de proteção à sua vida e saúde no contexto da pandemia de covid-19, especialmente relacionadas à contenção de infratores ambientais atuantes na Amazônia, também é um dos pedidos finais da ação ajuizada pelo MPF.
Desmatamento e fiscalizações – No documento, assinado por 24 procuradores da República, o MPF ressalta que o ano de 2019 foi o que teve o maior índice de desmatamento dos últimos dez anos, conforme as medições do Sistema Prodes. O período compreendido entre agosto de 2018 e julho de 2019 (último mês avaliado pelo Prodes) registrou um aumento de 30% na área desmatada em relação ao ano anterior, atingindo 10.300 quilômetros quadrados de área desmatada na Amazônia Legal.
Apesar do claro aumento no índice de áreas desmatadas da Floresta Amazônica, acentuado a partir de 2019, nos últimos anos houve um afrouxamento da atividade federal de fiscalização, conforme aponta o MPF na ação. Um dos indicativos disso é a redução nos autos de infração lavrados pelo Ibama por ilícitos ambientais na Amazônia: em 2019, lavraram-se menos de três mil autos de infração pela primeira vez em vinte anos na região.
O MPF reforça, ainda, que o Estado brasileiro deve implementar ações mais efetivas no combate aos ilícitos ambientais, com a adoção de medidas que vão além da realização de operações de Garantia de Lei e Ordem (GLO) pelas Forças Armadas. A ação ressalta que, entre 24 de agosto e 24 de outubro de 2019, durante os sessenta dias em que perdurou decreto de Garantia da Lei e da Ordem, o desmatamento, em si, continuou em alta, em relação aos mesmos meses dos anos anteriores, apesar de haver redução do número de queimadas na Amazônia Legal. As informações são do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Em maio de 2019, durante o período em que as Forças Armadas foram novamente deslocadas, os desmatamentos registrados foram superiores em 12% em relação ao mesmo período de 2019, tratando-se do pior resultado para o mês dos últimos cinco anos. Em relação a abril de 2020, quando as Forças Armadas não estavam em campo, o crescimento foi superior a 100%.
“Os dados relativos ao avanço do desmatamento no mês de maio de 2020 confirmam ser necessária uma atuação do Estado Brasileiro que vá além da GLO e que se traduza efetivamente em redução dos ilícitos ambientais, sob pena de estar-se a implementar uma política pública custosa e pouco eficaz”, afirma o MPF na ação.
Risco sanitário para comunidades – A alta do desmatamento alcançou, de modo especial, terras indígenas e unidades de conservação, que são áreas protegidas na Amazônia. Dados do sistema Prodes mostram a maior taxa de desmatamento em terras indígenas dos últimos dez anos, com crescimento superior a 74% de 2018 para 2019. No caso das unidades de conservação na Amazônia, segundo o Instituto de Pesquisas da Amazônia, o desmatamento saltou de 441 quilômetros quadrados em 2018 para 953 quilômetros quadrados em 2019, um aumento superior a 110%, considerando o período de janeiro a setembro de cada ano.
Além do aumento do desmatamento, outro aspecto apresentado pelo MPF para a necessidade urgente de ações de fiscalização é o risco sanitário que a presença dos infratores na floresta representa para as populações amazônicas, em especial para povos e comunidades tradicionais, sem prejuízo de danos também para as populações urbanas.
“As populações amazônicas – dentre as quais indígenas, ribeirinhos, quilombolas, extrativistas, seringueiros, pequenos agricultores – já são historicamente vulneráveis às ameaças e violências perpetradas por grileiros, madeireiros, garimpeiros e toda sorte de infratores ambientais, responsáveis pela invasão e depredação da floresta e dos meios de subsistência de seus povos. No atual cenário, esses infratores representam também uma gravíssima ameaça sanitária, na medida em que, violando normas sobre isolamento social, podem tornar-se vetores de disseminação do vírus Sars-Cov-2, atingindo regiões onde o tratamento médico já é deficitário e onde a estrutura de saúde é precária”, afirmam os procuradores da República que assinam a ação.
A ação tramita na 7ª Vara Federal do Amazonas, sob o número 1007104-63.2020.4.01.3200.