O avanço no número de casos de estupros, exploração sexual, feminicídios e uso de mulheres pelo tráfico de drogas em zonas de fronteira da Região Sul e de Mato Grosso do Sul com países vizinhos tem preocupado as autoridades dos quatro estados. Para debater o problema, a Comissão de Relações Exteriores (CRE) reuniu nesta quinta-feira (11) especialistas ligadas ao Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul (Codesul). A entidade reúne esforços conjuntos dos quatro governos estaduais na condução de políticas públicas.
— Dados oficiais de 2019, consolidados até a semana passada pelas secretarias de Segurança Pública dos quatro estados mostram que, nas zonas de fronteira, tem havido uma média de dois estupros e um caso de feminicídio por dia. Também tem havido cerca de 30 lesões corporais e 60 ameaças diretas contra mulheres a cada dia — disse a delegada de polícia em Santa Catarina e integrante da Comissão de Segurança do Codesul Patrícia Zimmermann, que alertou para a probabilidade de os números estarem subnotificados.
Segundo ela, parte dessa violência se dá pela facilidade de evasão dos criminosos, que em questão de poucos minutos podem cruzar a fronteira e escapar de investigações ou eventual punição. O objetivo das parcerias que vêm sendo negociadas é incrementar a colaboração com as nações vizinhas, evitando que a impunidade prevaleça.
Ainda de acordo com Patrícia Zimmermann, tem se generalizado o uso de mulheres e meninas menores de idade em redes de prostituição e tráfico humano por quadrilhas organizadas. Ela disse que esse quadro se dá por características sociais peculiares nestas áreas, marcadas por fazendas de extensão considerável e pouca presença de forças policiais.
— Tem chamado a atenção o aumento de crimes sexuais, especialmente de menores de idade. Os agressores estupram inclusive meninas que são parentes — contou a policial.
Ela disse que no ano passado foram registrados 243 casos como esses na zona fronteiriça do Paraná, 77 na de Santa Catarina e 367 na do Rio Grande do Sul. Este ano, até a semana passada, já haviam sido notificados 96 casos no Mato Grosso do Sul, 86 no Paraná, 41 em Santa Catarina e 150 no Rio Grande do Sul.
A delegada ainda informou que em batidas policiais em São Miguel do Oeste (SC) encontrou mulheres argentinas e paraguaias exploradas sexualmente em casas noturnas por gangues ligadas ao crime organizado.
Tráfico
A coordenadora do projeto Codesul Fronteiras e secretária de Cidadania de Mato Grosso do Sul, Luciana Azambuja, ressaltou que tem aumentado o uso de meninas como “mulas” do crime organizado ligado ao tráfico de drogas.
— No estado como um todo, os casos de estupro caíram em 11%. Mas na fronteira, cresceram 8%. Também temos constatado a exploração sexual, o turismo sexual e o tráfico de meninas numa idade cada vez mais tenra — disse.
Luciana Azambuja explicou que há um intenso convívio e fluxo populacional entre as 18 cidades sul-matogrossenses na zona fronteiriça e os municípios vizinhos no Paraguai e na Bolívia, que têm problemas semelhantes. Por isso, ela defendeu uma articulação maior e um planejamento conjunto de ações para toda a região.
— Precisamos interiorizar as políticas públicas para estas cidades e humanizar o atendimento especializado às mulheres vítimas de violência. Precisamos focar em autonomia econômica e social para elas — disse.
Propostas
O presidente da CRE, Nelsinho Trad (PSD-MS), informou que estabelecerá articulações com o Ministério das Relações Exteriores, governos estaduais e embaixadas de países vizinhos para combater os casos graves de violência verificados na fronteira sul.
Também integra a iniciativa o Parlamento Feminino da Fronteira, uma associação de vereadoras de cidades sul-matogrossenses. Segundo a coordenadora da entidade, Ana Espínola, que é vereadora em Ponta Porã (MS), uma proposta oficial será encaminhada ao Itamaraty em agosto, detalhando estratégias de cooperação plurinacional do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul com as nações vizinhas.
— A proposta trará dados sobre ações em curso conduzidas por municípios brasileiros e [apontará] de que forma as cidades dos outros países podem incrementar estas políticas públicas — disse.
Representantes das embaixadas do Uruguai, Paraguai e Bolívia que participaram da audiência manifestaram apoio e iniciaram os primeiros contatos com as secretarias de Segurança Pública de Santa Catarina e de Mato Grosso do Sul, que também estavam presentes.
O encarregado policial da embaixada da Bolívia, coronel Nelson Vilther, apresentou dados demonstrando que a violência contra as mulheres também atingiu um ponto crítico nas cidades do país que fazem fronteira com o Brasil.