A quantidade de tempo passado com a família é inversamente proporcional ao risco de um adolescente se expor a drogas como tabaco, álcool, maconha e cocaína. Essa é uma das premissas do programa que reduziu drasticamente o consumo de drogas na Islândia e que foi apresentado na manhã desta quarta-feira (4) aos senadores das Comissões de Assuntos Sociais (CAS) e de Educação (CE), em audiência pública.
Em 20 anos, o programa Youth in Iceland [Juventude na Islândia] conseguiu reduzir de 42% para 7% o consumo de álcool entre jovens de 15 e 16 anos. No período de 1998 a 2018, a redução no uso de cigarros foi de 23% para 6%, e o de maconha foi de 17% para 7%. O sucesso ultrapassou as fronteiras da ilha europeia e já chegou a 28 países, entre eles Chile, Austrália, Portugal, Espanha, França, Itália, Holanda, Bulgaria e Lituânia. Neles, o método é conhecido como Planet Youth [Planeta Juventude].
Agora, senadores querem conhecer as bases da iniciativa e avaliar o que poderia ser aplicado no Brasil.
Consumo “assustador”
O diretor do programa, Jón Sigfússon, disse na audiência que não existe uma fórmula mágica, apenas trabalhar com todos os fatores que envolvem a criança antes que ela chegue ao ponto de ter acesso à droga. Ele explicou que em 1998 o consumo na Islândia era assustador. Foi por isso que pesquisadores tentaram monitorar as circunstâncias e o comportamento dos adolescentes e relacioná-los ao consumo de drogas lícitas e ilícitas. Entre as garotas que tinham ficado bêbadas nos últimos 30 dias, 42% quase nunca tinham a companhia dos pais, e 28% raramente ficavam com eles. Apenas 10% estavam quase sempre na companhia dos pais.
— Nos fatores familiares, o tempo passado com os pais é o principal fator de prevenção do uso de substâncias.
Sigfússon contou que as autoridades se deram conta de que programas e slogans nas escolas ou fotos grotescas de pessoas doentes e pulmões ruins não estavam funcionando.
— Era preciso mudar o comportamento da juventude, não só as atitudes advindas desse comportamento. Era preciso mudar o ambiente de estilo de vida das crianças para que elas ficassem menos propensas ao risco de usar substâncias ilícitas. O foco se virou para prevenção primária, naquelas crianças ainda pequenas e, portanto, ainda sem contato com a droga.
O projeto foi então desenvolvido em três pilares: uso de evidências e pesquisas, uso de práticas locais considerando as peculiaridades de cada cidade e diálogo entre pesquisadores e formadores de políticas públicas.
Pesquisas
Na parte de evidências, pesquisas com os jovens e crianças balizam a prática do programa. As pesquisas apuram ansiedade, valores do grupo de amigos, questões psicológicas, intenção de suicídio, internet, jogos, violência, sintomas de depressão e ansiedade, delinquência etc. A partir dessa métrica encontrada nos questionários e em conversas com as crianças, a cidade trabalha, em linhas gerais, com o fortalecimento de associações e cooperativas de pais, apoio a crianças em risco dentro das escolas, apoio a atividades extracurriculares, apoio a organizações não governamentais e formação de grupos de trabalho cooperativos contra abuso de drogas.
Como resultado da atuação formal das cidades, as políticas públicas foram modificadas na Islândia: a idade mínima para comprar tabaco e álcool subiu para 18 e 20 anos, respectivamente. Além disso, a maioridade foi de 16 para 18 anos, foi banida a propaganda de álcool e tabaco e esses produtos não ficam à mostra. Os pais foram orientados sobre as horas noturnas em que os adolescentes não deveriam estar fora de casa.
Brasil
Além dos senadores, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, estava atento ao programa Planet Youth, que conheceu durante uma visita à Islândia. Ele destacou que as drogas “são a pior epidemia que o Brasil vive” e disse que a dependência química, além de ser doença incurável do cérebro, tem trazido grandes problemas sociais. Prova disso, segundo ele, é o fato de o pagamento de auxílio-doença para dependentes químicos pelo INSS ser agora três vezes maior para usuários de drogas do que para alcoólatras, que historicamente lideravam essa despesa. De acordo com ele, a explosão do crack, maconha e cocaína ocorreu a partir de 2006 e tomou uma escalada sem volta.
O ministro lembrou que o Brasil é o país com maior área de fronteira com os grandes produtores de cocaína do mundo e que a cada dia chegam toneladas de drogas ao território brasileiro. De acordo com Osmar Terra, cerca de 99% da cocaína do mundo é feita na Bolívia, no Peru e na Colômbia.
— Nós não somos só o território de passagem da droga, nós temos recordes de consumo: somos o maior consumidor de crack do mundo e o segundo maior de cocaína, e a maconha é a droga mais consumida no Brasil.
Osmar Terra refutou as notícias de que ele teria impedido a divulgação de uma pesquisa da Fiocruz que nega a existência de uma epidemia de drogas no Brasil.
— Eu fiz uma crítica à metodologia, mas nunca proibi a pesquisa. Até porque ela não era da minha alçada, mas do Ministério da Justiça, e o Ministério da Justiça disse que a pesquisa não obedecia aos critérios do edital e, portanto, poderia não ser paga.
Médico e pesquisador com mestrado em neurociências, Osmar Terra criticou o uso de perguntas diretas e a falta de anonimato dos entrevistados. Para ele, o viés foi dizer à população que a questão das drogas não é grave, nem há perigo na legalização de algumas substâncias.
— Está a serviço do movimento pró-liberação de drogas. Agora a Anvisa pode liberar a plantação de maconha e há um movimento orquestrado para a liberação de drogas com o apoio da grande imprensa. Mas eu tenho dados de como a liberação é prejudicial.
O representante da Polícia Federal na audiência, delegado Marcos Pimentel, concordou com o ministro. Ele contou que a produção e o consumo de drogas como maconha e cocaína aumentou no país, e que o Brasil já tem pelo menos cinco laboratórios para síntese de drogas.
— É um mercado de consumo em expansão. Nosso desafio é até tecnológico, para detectar novas moléculas que os traficantes usam para driblar a lista de controle que classifica aquela substância específica como ilícita.
Pimentel reconheceu que, caso a maconha seja liberada para uso medicinal, o controle será muito difícil. Ele admitiu que já existe dificuldade de controle da Cannabis que entra no Brasil por ordem judicial, na forma de remédios como canabidiol e similares.
Na audiência, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) criticou a glamourização da maconha no Brasil, que surge a partir da queda no consumo de cigarro.
— Há um assédio da indústria de maconha para substituir o mercado do tabaco.
Aplicabilidade
Uma das questões que permeou o debate do Planet Youth no Senado foi justamente a diferença colossal entre Islândia e Brasil. A ilha tem cerca de 400 mil habitantes e um índice de desenvolvimento humano (IDH) bem superior ao brasileiro. Mas, para Osmar Terra e para o próprio Jón Sigfússon, isso não é impeditivo.
Sigfússon contou que o programa foi adotado por países bem maiores e com características diferentes da Islândia. O importante é que na pesquisa são levados em conta apenas os dados locais da comunidade em que a criança e o jovem estão inseridos, disse. Osmar Terra afirmou que a diferença no tamanho da população não importa, porque o programa seria instalado nos municípios, que têm populações menores mesmo. O segredo é começar a prevenção em locais pequenos.
O senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), que presidiu a audiência, disse que no Brasil as coisas deixam de acontecer por causa do tamanho do território e da população, mas é preciso começar numa escola, num bairro, e expandir. Ele, contudo, reconheceu os problemas sociais que envolvem a implantação de projetos contra drogas em comunidades carentes.
— Estamos falando de crianças que não têm a figura do pai, cuja família vive com muito pouco, que são os aviões que levam e trazem drogas dentro das comunidades. Convoque uma reunião de pais na escola e veja se aparece um. É preciso mudar as famílias para implantar isso.
Chile
Diretor do Planet Youth no Chile, o psiquiatra Mariano Montenegro mostrou como funciona a iniciativa no país vizinho. Ele contou que o programa foi implementado completamente baseado em informações de quem são os adolescentes e as crianças e em que contexto social e familiar vivem. Isso foi trabalhado pelos prefeitos em conjunto com os órgãos de esporte, cultura, educação, saúde, segurança pública e habitação.
A audiência foi acompanhada por representantes dos Ministérios da Saúde e da Educação, que expuseram os esforços para combater o uso de drogas em escolas por meio de palestras, jogos, rodas de conversa, filmes e séries, produção de teatro, música e projetos desenvolvidos pelos próprios adolescentes sobre o tema.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)