O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas pediu à Justiça Federal que determine a aplicação de multa diária à União por não prestar apoio operacional, por meio das forças de segurança, para garantir a integridade física e moral dos povos indígenas isolados do Vale do Javari – localizado no extremo oeste do Amazonas – e dos servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) que atuam nas Frentes de Proteção Etnoambiental localizadas na região. A medida foi determinada por decisão judicial, mas não foi cumprida.
A decisão também indicou que o Ministério Público Federal estava autorizado a requisitar o apoio da Polícia Federal, do Exército Brasileiro, da Polícia Militar e da Força Nacional de Segurança para as frentes de proteção, o que foi solicitado pelo MPF por meio de ofício. Apesar da decisão e da manifestação do órgão, ainda não houve resposta por parte da União.
O novo pedido do MPF à Justiça estabelece que a multa diária deverá ser calculada a partir da data de intimação da decisão judicial que determinou o apoio às bases da Funai. O MPF também requer que a União comprove o cumprimento de outra decisão, referente à reestruturação das frentes de proteção, proferida em dezembro de 2018, mediante a apresentação de cronograma que contemple os mecanismos de repasse orçamentário para tanto.
No pedido, o MPF ainda requisitou à Justiça que seja estipulado prazo limite para cumprimento de ambas as decisões judiciais, tanto em relação à reestruturação das bases quanto sobre o apoio emergencial, com imediata aplicação da proibição de veiculação de publicidade institucional da União, exceto em situações emergenciais como epidemias em saúde, em caso de violação do prazo estabelecido.
De acordo com informações repassadas pela Funai, o Ministério da Defesa ainda não emitiu ordem de serviço ou autorização formal para que o Exército apoie a ação das bases de apoio do Vale do Javari. A Polícia Federal ou o Ministério da Justiça também não mobilizaram efetivamente esforços para tanto. O MPF considera imprescindível a atuação do Exército para dar continuidade ao monitoramento, bem como dos demais órgãos da União que atuam no âmbito da segurança pública.
Diversos ataques ocorreram este ano nas bases de proteção da região do Vale do Javari, inclusive com assassinato de servidor da Funai que atuava nas bases, ocorrido no município de Tabatinga (a 1.108 quilômetros de Manaus).
O pedido do MPF já foi protocolado na Justiça Federal e aguarda decisão judicial.
Proteção a povos isolados – As Frentes de Proteção Etnoambiental da Funai, ligadas diretamente à presidência do órgão, atuam junto aos índios isolados e de recente contato, por meio de política específica que impõe à Funai o dever de proteger, sem necessariamente contatar os grupos, preservando sua cultura e respeitando sua autonomia.
Documento assinado por servidores da Funai esclarece que “os ‘povos isolados’ são aqueles grupos indígenas com ausência total ou parcial de contato direto e/ou indireto com a sociedade nacional envolvente, seja esta constituída regionalmente por outros povos indígenas ou segmentos populacionais não-indígenas. O Brasil é o país que concentra o maior número conhecido de povos indígenas isolados do mundo, com 114 registros reconhecidos pelo Estado em toda a Amazônia Legal, dos quais 28 registros são confirmados. Indígenas Isolados são povos ou fragmento de povos que optaram por diferentes estratégias de ‘isolamento voluntário’, em geral, fundamentadas pelas experiências traumáticas de contato no passado, comumente marcadas por processos de violência física e cultural que não raramente incorrem em genocídio e/ou etnocídio”.
A fragilidade na proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato, em razão da desestruturação das Frentes de Proteção Etnoambiental da Funai no Amazonas, levou o MPF a ajuizar ação civil pública, em outubro do ano passado. Nela, o MPF requer a readequação das frentes, ligadas diretamente à presidência da Funai e responsáveis pelas medidas de proteção aos índios isolados e de recente contato, por meio de política específica que impõe à Funai o dever de proteger, sem necessariamente contatar esses grupos, preservando sua cultura e respeitando sua autonomia.
Em três decisões liminares, a Justiça Federal no Amazonas atendeu a pedidos feitos pelo MPF na ação, determinando que a Funai realizasse a reestruturação física dessas frentes e a contratação de pessoal para atuação nos locais, com a obrigação de convocar e nomear os aprovados excedentes do concurso realizado pelo órgão em 2016.
Orçamento – O MPF defende, na ação civil pública ajuizada no ano passado, que a crise financeira não pode ser justificativa para a omissão da União na proteção dos grupos indígenas isolados e de recente contato. O orçamento da Funai, conforme descrito na ação, passou de R$ 192,8 milhões em 2012 para R$ 107,9 milhões atualmente, o que representa redução de 44% nos valores.
Entretanto, segundo dados divulgados pela Secretaria Especial da Comunicação Social do Governo Federal, em 2017, foram gastos mais de R$ 100 milhões – praticamente o mesmo valor do orçamento da Funai – apenas com a campanha publicitária em favor da reforma do sistema de Previdência.