O Superior Tribunal de Justiça (STJ) teve nesta sexta-feira (20) mais um dia de debates sobre os desafios na implementação dos direitos da pessoa com deficiência. A reabertura dos trabalhos do 1º Encontro Nacional de Acessibilidade e Inclusão, que começou na quinta-feira (19), contou com a participação da ministra Nancy Andrighi; do secretário-geral da presidência do STJ, Zacarias Carvalho Silva; do desembargador Ricardo Tadeu Fonseca, do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, e do juiz do Trabalho Eduardo Baracat, do Paraná.
O encontro de dois dias, promovido pelo STJ por meio da Comissão de Acessibilidade e Inclusão, celebra o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência (21 de setembro).
O secretário-geral do tribunal falou sobre a Resolução 230/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Esta norma deve ser adotada como regra geral entre órgãos da administração, porque é bastante detalhada e norteia muito bem as ações que devem ser implementadas para que todos tenham a acessibilidade assegurada pela Constituição Federal”, afirmou.
Para ele, o artigo 9º da resolução resume grande parte dos anseios da sociedade em relação ao acesso das pessoas com algum tipo de limitação aos órgãos públicos. O normativo determina que os tribunais adotem medidas para remoção de barreiras físicas, tecnológicas, arquitetônicas, de comunicação e, acima de tudo, atitudinais, para promover o amplo e irrestrito acesso de pessoas com deficiência.
“Ao vermos um cadeirante que não consegue acessar a rua, porque a guia da calçada é muito alta e do outro lado não existe uma rampa, estamos testemunhando uma pessoa sendo impedida de exercer seu direito mais básico: o de ir e vir. Quando se fala em remoção de barreiras atitudinais, penso que deveríamos nos indignar mais, cobrar mais, pensar mais, agir mais, para que essas situações não se tornem normais”, avaliou Zacarias Carvalho Silva.
Tirar do papel
O desembargador Ricardo Fonseca apresentou palestra sobre inovações trazidas pela Resolução 230 do CNJ, que orienta o Judiciário a adequar suas atividades e seus serviços às determinações da Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência. Segundo ele, um dos grandes avanços observados na norma foi a instituição de comissões permanentes de acessibilidade e inclusão nos órgãos públicos. Entretanto, ainda existem limitações nessas unidades quanto a autonomia, independência, pessoas e recursos financeiros.
O desembargador falou também de dificuldades, superações e preconceitos em sua trajetória pessoal e profissional, até se tornar o primeiro membro cego da magistratura brasileira. “Antes, ninguém se responsabilizava; a deficiência era objeto de assistência social e cuidados médicos, por questões culturais”, lembrou. Depois surgiu a “fase da integração”, na qual, em sua avaliação, houve conquistas sociais, principalmente com relação ao mercado de trabalho.
Ricardo Fonseca acrescentou que, após a convenção da Organização das Nações Unidas (ONU), houve uma verdadeira “virada” jurídica. “Não se trata de uma norma feita para um pequeno grupo, mas para uma sociedade mais justa”, frisou.
Em seguida, o juiz Eduardo Baracat frisou a importância dos tribunais na concretização dos princípios estabelecidos pela convenção da ONU. De acordo com Baracat, “sem a calibragem do Poder Judiciário, essas regras, que foram tão bem construídas, ficam vazias. É fundamental que os tribunais exerçam seus papéis constitucionais”, concluiu.
Acessibilidade tecnológica
O terceiro painel do dia teve como moderadora Karin Kassmayer, coordenadora do Senado Federal. Os painelistas foram os servidores do STJ Luiz Anísio Vieira Batitucci, assessor de Inteligência Artificial, e Valfran Santana de Almeida, coordenador de Desenvolvimento de Soluções de Software; a juíza do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) Cláudia Bastos; a diretora da Coordenação de Acessibilidade da Câmara dos Deputados, Adriana Jannuzzi, e Edmundo de Andrade, da mesma instituição.
Valfran e Luiz Anísio apresentaram o projeto Ocerização de Processos no STJ (utilização da tecnologia OCR). O TRF2 trouxe o projeto Promoção de mudanças arquitetônicas e de equipamentos para permitir a plena acessibilidade na biblioteca. Cláudia Bastos destacou as condições de acesso oferecidas pela biblioteca às pessoas com deficiência.
Para finalizar, a diretora da Coordenação de Acessibilidade da Câmara dos Deputados detalhou o projeto Acessibilidade Web. “Sites, portais e aplicações web devem ser projetados de modo que todos os usuários possam entender, navegar e interagir de maneira efetiva com as páginas, independentemente de suas limitações individuais e das ferramentas utilizadas”, explicou Adriana Jannuzzi. Segundo Edmundo de Andrade, a Câmara também faz campanhas de conscientização para desenvolvedores de soluções para web, voltadas para a acessibilidade digital.
Avaliação biopsicossocial
Izabel Maria Loureiro Maior, primeira pessoa a comandar a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, destacou a importância de se ter uma avaliação biopsicossocial da deficiência, em que o enfoque seja na funcionalidade e não nos impedimentos da pessoa com deficiência.
“O enfoque biopsicossocial parte do modelo social. Entende-se que a deficiência está fora da pessoa e resulta das barreiras à participação social. Esse modelo é uma evolução do modelo biomédico, que trata a deficiência como atributo biológico da pessoa”, afirmou.
Ela ressaltou a necessidade de se avaliar de forma individual a pessoa com deficiência, a fim de que se conheçam melhor sua realidade de vida e suas necessidades específicas, possibilitando, assim, a melhor aplicação de políticas de ação afirmativa que visam a equiparação de oportunidades para essas pessoas. “A avaliação deve ser feita por uma equipe de profissionais, e não apenas por médicos”, ponderou a especialista.
Avanços
Izabel citou ainda os avanços trazidos pela criação do Índice de Funcionalidade Brasileiro e pela promulgação da Lei 13.146/2015 – Lei Brasileira de Inclusão, que alinha a política brasileira de inclusão à política internacional sobre o tema.
A palestra contou ainda com a participação da assistente social e coordenadora do STF sem Barreiras, Fernanda Oliveira Vieira, que destacou que no Supremo Tribunal Federal (STF) os servidores com deficiência já são avaliados segundo o modelo biopsicossocial e que o órgão conta com profissionais de diversas áreas para atuar na defesa dos direitos desses servidores.
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