Situações narradas em processos seculares do acervo do Tribunal subsidiam dissertações de mestrado e teses de doutorado, entre outros trabalhos acadêmicos.
Três pesquisadores com temas de estudo para doutorado de três universidades distintas estão unidos por uma única fonte: o Arquivo Central do Tribunal de Justiça do Amazonas. Na última semana, os mestres em História: Jessyka Samya Ladislau Pereira Costa, da Universidade Estadual de Campinas (SP); Paula de Souza Rosa, da Universidade Federal do Pará, e Alan Dutra Cardoso, da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Instituto Nacional de Ciencia e Tecnologia, História Social das Propriedades do Direito de Acesso no Rio de Janeiro, estiveram realizando pesquisa no Arquivo Central do TJAM, localizado na avenida Constantino Nery, no bairro Flores.
Para o gerente do Arquivo Central, Manoel Pedro de Souza Neto, o setor é de grande importância para a memória histórica do próprio Amazonas. “O Arquivo Central do Poder Judiciário é fundamental para preservar a memória, não somente do Tribunal de Justiça, mas também da sociedade. Uma vez que aqui são guardadas as relações que o Poder Judiciário tinha, ou seja, a sociedade buscava o Judiciário para resolver os seus conflitos e aqui eram resolvidos e, ao longo dos séculos, conseguimos preservar essas relações. É muito importante também, uma vez que em 2018 tivemos a nominação da Unesco justamente para que pudéssemos identificar a preservação da memória e, ao longo do tempo, temos recebido inúmeros pesquisadores de diferentes universidades tanto do Brasil quanto fora do país”, explica.
O trabalho de pesquisa dos três historiadores ainda levará, para cada um, um período mínimo de dois anos, em que estarão acessando as informações privilegiadas do Arquivo Central. “Observamos que eles têm muito interesse em conhecer como eram as relações da sociedade amazonense em suas pesquisas; relações de trabalho; de que maneira viveu tal sociedade ao longo do tempo; como foi a questão do periodo áureo da borracha e muitas outras questões que estamos subsidiando os pesquisadores nessa trajetória nossa de preservação da memória”, informa o diretor do Arquivo Central, Pedro Neto.
A pesquisadora Jessyka Samya Ladislau Pereira Costa, que estuda na Universidade Estadual de Campinas, tem uma trajetória bem próxima ao Judiciário. “Em 2012, enquanto fazia graduação em História na Universidade Federal do Amazonas, fui estagiária no TJAM, o que foi uma experiência incrível para minha formação profissional devido ao contato com os processos judiciais e, também, pela troca de conhecimento com os funcionários do arquivo. Em 2014, iniciei o mestrado na Universidade Federal Fluminense pesquisando sobre a experiência no mundo do trabalho dos trabalhadores escravizados na cidade de Manaus entre 1850 a 1884. Os processos históricos do século XIX tinham acabado de ficar disponíveis para acesso e foi, então, quando iniciei minha pesquisa com esses documentos, que foram essenciais para o resultado final da minha dissertação”, explica.
Segundo Jessyka, desde a década de 1980 muitos historiadores começaram a demonstrar que o acesso aos processos judiciais como documento histórico, apesar de suas partes normativas, era um meio valioso para entender as complexas e dinâmicas relações sociais presentes em várias sociedades. “Seguindo essas dicas fui procurar se no acervo do TJAM existiam processos envolvendo pessoas escravizadas na cidade de Manaus. E existiam muitos! Eles me permitiram chegar mais próximo do cotidiano e da experiência de vida dessas pessoas durante esse período, possibilitando-me descrever partes do seu cotidiano de trabalho; das suas redes de sociabilidade; dos conflitos e lazeres que tinham na cidade de Manaus na segunda metade do XIX”, conta.
“Em 2017 iniciei o doutorado em História na Universidade Estadual de Campinas sob orientação do Prof. Dr. Ricardo Pirola. O objetivo da tese é analisar as formas de exploração de trabalho (livre, compulsório e escravo) a que foram submetidos escravos e indígenas na Província do Amazonas na segunda metade do século XIX. E os processos criminais têm sido de extrema importância para o percurso de escrita da tese, pois estão me permitindo debater sobre as redes de arregimentação compulsória de trabalhadores que existiam na região e que eram usadas principalmente nas áreas produtoras de borracha”, explica a doutoranda e ex-estagiária demonstrando a importância do acervo histórico do TJAM.
Até o momento, com o apoio do acervo judiciário a pesquisadores já consegui identificar a presença de agentes do Estado como arregimentadores de mão de obra compulsória para os seringais localizados às margens dos rios Madeira e Purus. Segundo ela, muitos desses agentes exerciam o cargo de subdelegados e, ao mesmo tempo, eram donos de seringais quando foram acusados de forçadamente arregimentar trabalhadores (indígenas nativos, afrodescentes, indígenas bolivianos, nordestinos). “Os processos também estão permitindo apresentar como esses trabalhadores reagiam a tais situações de experiência entre a escravidão e a liberdade. Em diálogo com uma vasta historiografia, esses aspectos nos permitem apresentar como no decorrer do século XIX em vez de uma ampliação de trabalho livre ocorreu no Império do Brasil um crescimento de formas de trabalho compulsório que atingia sobremaneira indígenas e negros”, explica Jessyka Samya.
Paula de Souza Rosa, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará, está realizando o projeto de pesquisa intitulado: “Casamento e Relações Familiares na Formação das Elites no Rio Madeira (c.1850 – c.1900)”. De acordo com ela, o trabalho tem por objetivo pesquisar a ocupação do rio Madeira, a partir dos grupos de elites no período que compreende a segunda metade do século XIX, período de expansão da fronteira extrativista e da econômica da borracha em toda a região amazônica. “Nos propomos investigar as alianças matrimoniais e de compadrio, as redes de comércio e os vínculos de amizade entres os múltiplos indivíduos que ocuparam essa região (portugueses, bolivianos, nordestinos e inúmeras pessoas oriundas do baixo Amazonas). Para isso, a utilização de documentos históricos, mais precisamente de Processos Judiciais Criminais; Habilitações de Casamento; Habeas Corpus; Inventários e demais documentos disponíveis no Acervo do Arquivo Central do Tribunal de Justiça do Amazonas”, explica Paula Rosa. Ela aponta que os processos são fundamentais para a pesquisa e conclusão do referido doutorado, mais especificamente o fundo que diz respeito à localidade de Humaitá (distante a 560 quilometros de Manaus), com informações recentemente agregadas ao Arquivo Central do TJAM.
“A informação acerca da disponibilidade desses documentos foi possível mediante a divulgação que a equipe do Arquivo do TJAM fez em seu site sobre o processo de resgate desses documentos. Vale salientar, ainda, que toda a equipe de profissionais do referido arquivo é extremamente dedicada na garantia do acesso à informação aos pesquisadores, ademais nos proporcionam ambiente estrutural impecável para a realização dos projetos; bem como organização do acervo, principalmente no que diz respeito ao século XIX está inventariado, sendo possível ver no catálogo online o que tem e, assim, solicitar o documento correspondente, ou seja, uma facilidade enorme para o acesso. Quero expressar meus sinceros agradecimentos aos profissionais do Arquivo do TJAM, em especial ao Juarez, pela atenção e por seu profundo conhecimento do material disposto no arquivo”, finaliza a pesquisadora da Universidade do Pará.
O pesquisador carioca Alan Dutra Cardoso, da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Instituto Nacional de Ciencia e Tecnologia, História Social das Propriedades do Direito de Acesso no Rio de Janeiro, conta que chegou ao acervo do TJAM por meio do desdobramento da própria pesquisa sobre o Império no Brasil. “Foi um desdobramento da minha pesquisa de mestrado, onde eu discuti a politica imperial para as fronteiras do norte do Pais. A minha aproximação do Amazonas se deu pelo próprio refinamento da pesquisa, entender como o Amazonas foi ocupado historicamente, como se deram os projetos de construção de colônias agricolas, dentro das discussões do império do seculo XIX”, explica Alan Cardoso.
Alan conta que iniciou o contato com os proecessos de segunda instância e está em fase de levantamento das fontes para em seguida realizar a pesquisa detalhada. “Eu tinha um projeto inicial para tentativa de discussão se as leis de terras do período do Império foi aplicadas no Amazonas dentro do contexto da definição de fronteiras, isso inclui o estudo das comarcas do interior e percebo que, naturalmente, a pesquisa está tomando uma nova forma em razão das problemáticas detectadas em contato com as fontes até agora”, explica Alan.
Para o pesquisador, o acesso às informações conservadas pelo TJAM são de enorme riqueza na atualidade. “Em um momento como este que a gente está vivendo no País, em que não somente a história, mas a própria Amazônia e o Amazonas são atacados de maneira tão forte, ter pessoas engajadas em defender a história e a memória da região é muito gratificante. Estar aqui dentro desse contexto e, quem sabe, poder contribuir em alguma coisa para as pessoas conhecerem um pouco mais a História do Amazonas. Eu que sempre fui um estrangeiro, até mesmo, dentro do Rio de Janeiro, nunca me reconheci no meu espaço e talvez tenha sido essa uma das motivações de sair de lá, de ser um estrangeiro dentro do próprio Pais e querer conhecer essas regiões, que para as pessoas de outros estados são regiões muito distantes”, explica Alan.
O pesquisador afirma que tem como perspectiva no doutorado a obrigação de oferecer uma disciplina no curso de História. “Quero levar a historiagrafia do Amazonas pra lá, tentar dar um curso só de intelectuais do Amazonas porque a gente passa a graduação sem saber que essa região existe, que este Estado existe e tentar levar um pouco da história tão rica que esse Estado tem para a população do Rio de Janeiro”, finaliza o pesquisador.
Sandra Bezerra
Fotos: Chico Batata
Revisão de texto: Joyce Tino
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