Professora reuniu talento das estudantes para produzir o curta vencedor de concurso da Câmara dos Deputados
“Precisamos pensar em casos de violência contra a mulher para participar de um concurso”. Foi com essa proposta que a professora de Artes, Ivane Mariano, da Escola Estadual José Bernardino Lindoso, na zona norte de Manaus, descobriu que muitas alunas eram vítimas de violência física e psicológica por seus parceiros. A estudante Lúcia (nome fictício) teve coragem de fazer seu relato em sala de aula e, a partir dele, foram criados poemas, músicas e o vídeo “Dona de mim”, vencedor do 7º Concurso de Vídeos Curtos sobre a Lei Maria da Penha, promovido pela Câmara dos Deputados, que vai representar a região Norte.
Mary Lene Oliveira, 17, conta que é engajada nas causas sociais e, com a indicação da professora Ivane, buscou colegas que pudessem contribuir para o projeto. É ela quem vai representar os alunos na premiação em Brasília. “Eu acho que ninguém concorda com essa violência, ou não deveria concordar. A gente queria passar informação para outras pessoas, para meninas da nossa idade que passam por isso, para que elas saiam dessa vida, e eu pus isso no poema”, explica a jovem, que também foi responsável pela narração de “Dona de Mim”.
Na busca por alguém que pudesse fazer a ilustração do vídeo, Miryan Souza, 16, entrou em cena e sugeriu um curta que mesclasse desenhos e um stop motion, que é um tipo de animação feito com fotografias. O resultado ficou tão bom que a estudante produziu outro vídeo, mas ele foi desclassificado na penúltima etapa do concurso. A adolescente disse que tem muito a melhorar, porém está feliz com o seu trabalho. “É bem legal chegar tão longe”, admite.
O curta da EE José Lindoso concorreu com outros 1.812 vídeos. Depois de algumas peneiras, chegou à final, realizada a partir do voto popular em redes sociais. Ela concorria com outra unidade de ensino, também da rede estadual. A escola, inclusive, estava vencendo na contagem de votos, mas as alunas e o corpo docente pediram votos de amigos e familiares e conseguiram virar o placar.
A professora Ivane conta que a expertise das alunas foi o diferencial. “Eu procurei o talento de cada uma. Uma escreve muito bem, outra canta e tem ótima oratória, a outra eu já tinha visto desenhar”, comenta. A professora diz que a mobilização em prol do concurso motivou os alunos a estudarem mais e serem parceiros uns dos outros. Muitos deles entraram para o grupo de teatro coordenado por ela e passaram a ser mais presentes na escola.
“É muito importante participar dos concursos, porque estimula os alunos a discutir os assuntos. A gente os vê assim e nem imagina o tanto de experiência por que eles já passaram, ou que têm tanta bagagem. Depois do relato da Lúcia, outras alunas nos procuraram para falar que também passam por alguma violência, e a gente busca aconselhar, esclarecer e dar todo o apoio que elas precisam” frisa a docente.
Depoimento – Lúcia (nome alterado para proteger a vítima) tem 17 anos e é mãe de uma bebê de 1 ano e 8 meses. Ela e o namorado tinham um relacionamento que, aos olhos dela, era de parceria, mas que foi mudando com o passar do tempo. Todos em volta percebiam. Menos ela.
“O tema está muito presente nas redes sociais, então a gente sempre lê a respeito. Eu sempre fui uma pessoa muito atenta a essas coisas e aconselhava minhas amigas, quando elas passavam por isso, só que quando foi comigo eu fechei meus olhos e não via o que estava se passando. A minha mãe dizia que eu estava em um relacionamento abusivo, me aconselhava, até que um dia que consegui ver. Eu sofria violência psicológica e física. Eu me sentia um lixo. Tinha vezes que ele diz ‘Ai, tu tá muito feia’ (sic), ‘Tu tá muito gorda’ (sic) e eu tentava ‘melhorar’. Uma vez ele disse que meu cabelo estava estranho e eu cortei o meu cabelo, que era enorme. Cortei curtinho e fui perguntar para ele se estava melhor, se ele tinha gostado, e ele não fez um comentário bom”, relembra a jovem.
“Todo mundo me dizia para eu abrir os olhos, e eu não conseguia ver pelo o que eu passava. Eu tive forças pra sair por causa da minha filha e pelo apoio da minha mãe. Foi difícil quando eu decidi me separar porque ele me seguia, ameaçava. Quando a professora disse que precisava de uma história para a peça de teatro, eu só fui falando, nem pensei muito na hora. Eu entendo que fui vítima e não tenho culpa nenhuma”, assegura a estudante.
Premiação – Mary Lene Oliveira e a professora Ivane embarcariam para Brasília nesta segunda-feira (16/03), mas a viagem foi suspensa pelo Governo Federal em virtude das políticas de combate ao Covid-19. Quando as viagens forem liberadas, as duas representantes vão participar de um workshop de vídeos curtos e receber a premiação na Câmara de Deputados, em Brasília. Em seguida, elas vão a São Paulo para conhecer a sede do Facebook e os estúdios de Maurício de Sousa, criador da “Turma da Mônica”.
Fotos: Eduardo Cavalcante