Em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH) nesta terça-feira (24), participantes levantaram problemas e conquistas do Programa Mais Médicos. Entre as dificuldades citadas, estão falhas de gestão, falta de financiamento e maior concentração de médicos nas capitais e regiões metropolitanas. Entre as conquistas, estão o avanço no provimento de médicos nos municípios, a construção de mais unidades básicas de saúde e a redução, nos municípios que aderiram ao programa, das internações por falta de atenção básica à saúde.
A audiência, solicitada e presidida pela senadora Zenaide Maia (Pros-RN), teve o propósito de subsidiar a avaliação que a CDH fará do Mais Médicos. O programa foi a política pública escolhida pelos senadores da comissão para ser avaliada neste ano.
De acordo com Zenaide, o Sistema Único de Saúde (SUS) está com baixo financiamento, especialmente devido à Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos), que colocou limites aos gastos públicos. Ela afirmou ser favorável ao programa porque ele beneficia a atenção básica à saúde.
— Sempre fui a favor do Mais Médicos, porque era uma causa emergencial. O governo tinha o medicamento, mas não tinha quem prescrevesse. E sempre tive uma ideia e a certeza (porque no meu estado do Rio Grande do Norte visitei muitos médicos de outros países) que o que faltava neles, por falta de condições na formação em tecnologia, sobrava em algo que jamais vai ser substituído na medicina: a história do paciente e o exame clínico — disse a senadora, que também é médica.
Críticas
O presidente da Associação Médica Brasileira, Lincoln Lopes Ferreira, expôs sua crítica ao programa. Para ele, o Mais Médicos ataca as consequências, e não as causas da má distribuição de médicos no país. De acordo com Ferreira, o SUS é um avanço, mas o financiamento é baixo e o Programa Mais Médicos, além de ser provisório, alocou a maioria dos profissionais em capitais, não resolvendo o problema das péssimas condições de trabalho nos municípios do interior e das fronteiras.
— Essa questão realmente nos fala muito fundo, posto que perdemos mais uma chance histórica (…). Era para estarmos celebrando, neste momento, depois de oito anos de programa, uma verdadeira modificação no status quo da saúde pública deste país — disse.
O representante do Ministério da Saúde, Otávio Pereira D’Ávila, levantou vários problemas de gestão do programa. Segundo ele, que é diretor do Departamento de Saúde da Família do ministério, o processo seletivo é frágil e tem sofrido várias liminares judiciais. Além disso, o vínculo dos profissionais é precário, sem nenhuma perspectiva de fixação no país e com contrato temporário; os médicos de fora ainda não têm diploma reconhecido no Brasil; houve mais vagas para as capitais e menos vagas para o interior; e há inconsistência no cadastro de médicos, entre outras falhas, apontou.
D’Ávila explicou que hoje há mais de 15 mil médicos no programa e, com um edital encerrado semana passada, deve entregar mais 700 profissionais. Entre os médicos do programa, mais de 10 mil são brasileiros e quase 5 mil são estrangeiros. De acordo com ele, o governo quer redistribuir melhor os médicos e vai destinar mais recursos à atenção básica de saúde.
— Um programa só não vai resolver os problemas de atenção primária do Brasil. Provimento é necessário. Não vai se resolver com o Mais Médicos ou Médicos pelo Brasil os problemas de atenção primária do país. Outras ações devem ser feitas. Um financiamento que induza melhoria da qualidade da atenção primária, que nos permita melhorar nossa execução do orçamento da Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde. É importante, e nós já estamos fazendo essa discussão — concluiu.
Conquistas
Na avaliação de Francisca Valda da Silva, integrante do Conselho Nacional de Saúde, o Mais Médicos teve êxito em seus objetivos até meados de 2018. Nesse período, avançou o provimento de médicos em municípios de alta vulnerabilidade e o programa ampliou a cobertura da atenção básica à saúde, inclusive para a população indígena. Segundo dados do conselho, foram 63 milhões de brasileiros beneficiados.
Professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB), Leonor Pacheco Santos citou uma pesquisa da universidade que mostra que, em 12 meses de programa, 3.390 médicos foram alocados em municípios onde havia comunidade quilombola certificada, reduzindo de 18% para 2,4% o número de municípios com menos do que 1 médico por mil habitantes na Região Norte.
A pesquisa estudou 32 municípios com baixa densidade de médicos das 5 regiões do Brasil. Segundo a pesquisa, os usuários, de modo geral, relataram aumento de satisfação com a atenção básica à saúde, e muitos declararam que tiveram acesso a uma consulta médica pela primeira vez na vida.
— As narrativas de usuários mostraram a satisfação com a atenção e disponibilidade dos médicos, sua sensibilidade, respeito e tratamento humanizado, ou seja, dignidade no cuidado — afirmou.
A pesquisa também levantou que o custo anual do programa por médico foi de R$ 14.922,50 por mês, o que pode ser considerado moderado, segundo a professora, em comparação com os benefícios potenciais para a saúde da população. Em relação às internações, nos municípios que aderiram ao programa, houve redução de 44,9%, em 2012, para 41,2%, em 2015.
Para o ex-ministro da Saúde e professor da Escola Paulista de Medicina Arthur Chioro, o Brasil ainda possui pouca quantidade de médicos por habitantes: 1,8 por mil habitantes. Ele considerou preocupante que o programa, que tinha um eixo importante em relação à condução dos residentes em medicina da família para as cidades mais necessitadas, tenha deixado de ser conduzido dessa forma, desde 2016. Chioro afirmou ainda que é preciso considerar as experiências acumuladas — como os indicadores de satisfação dos pacientes e a efetividade — para reavaliar e aperfeiçoar o programa.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)