Direitos do Cidadão
18 de Setembro de 2019 às 20h40
PGR recorre de decisão do Supremo Tribunal Federal que autorizou terceirização de atividade-fim
Embargos de declaração propostos por Raquel Dodge objetivam garantir segurança jurídica e evitar fraudes nas relações de trabalho
Foto: João Américo/Secom/PGR
A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apresentou, na última terça-feira (17), embargos de declaração contra trechos considerados obscuros da decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em que decidiu-se pela licitude da terceirização de todas as atividades empresarias, sejam elas finalísticas ou atividades-meio. Para Dodge, alguns pontos do acórdão precisam ser elucidados a fim de garantir maior segurança jurídica na aplicação futura da decisão, que tem efeitos vinculantes. O recurso foi apresentado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324, de autoria da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) contra decisões proferidas na Justiça do Trabalho e decorrentes da aplicação da interpretação judicial da Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Para Dodge, a fim de se evitar a prática de fraudes nas relações trabalhistas, são necessárias alterações na redação da tese firmada pela Corte, além do que é preciso delimitar o alcance dos julgados do STF em matéria de terceirização empresarial e conceder os efeitos modulatórios somente após o julgamento dos embargos de declaração, ressalvando-se os efeitos consolidados dos atos jurídicos perfeitos e da coisa julgada. Defende ainda a necessidade de observância de procedimentos administrativos e extrajudiciais – como repactuação de termos de ajuste de conduta – e de ajuizamento de ações próprias previstas em lei, como as rescisórias, revisionais e anulatórias.
Em agosto do ano passado, ao final do julgamento da ADPF 324, o Supremo firmou tese que, em seu item 1, estabelece: “É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada”. Ao analisar o trecho, Dodge, frisa que deve ser rechaçada a terceirização praticada com o propósito de fraudar direitos dos trabalhadores, ou cujo resultado seja esse. Defende ainda a delimitação do acórdão para fins de aplicação da respectiva tese jurídica, na medida em que, eventual interpretação literal do dispositivo permitirá que uma situação de abusividade no uso da terceirização se mantenha blindada à apreciação judicial.
“O STF reputou constitucionalmente autorizada a terceirização nas atividades finalísticas das empresas, mas isso não valida em precedente vinculante a generalização de fraude, de intermediação de mão de obra (marchandage) – diametralmente distinta da descentralização de atividades, vedada por princípio de Direito Internacional do Trabalho (o trabalhador não é mercadoria, não se vende mão de obra), em detrimento da proteção constitucional destinada aos trabalhadores”, alega Raquel Dodge. Para esclarecer esse ponto, sugere-se a alteração do item 1 para: “É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando, em tese, relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada, pela simples aferição da atividade principal daquela, ou dos serviços específicos por esta prestados”.
Terceirização no setor público e “pejotização” – Por ocasião do julgamento da ADPF 324, o Supremo apreciou a terceirização de atividades empresariais, que pressupõem duas relações jurídicas bilaterais, uma delas de natureza trabalhista. No entanto, não houve discussão ou deliberação sobre a situação das relações no cooperativismo, em que a relação bilateral da pessoa física com a cooperativa não é empregatícia. O mesmo se diga em relação à “pejotização”, em que o sócio ou a pessoa jurídica individual, ambos autonomamente, exercem o trabalho em benefício do tomador final de serviços e sem uma relação empregatícia.
“Em nenhum momento, por ocasião do julgamento da ADPF 324/DF e do RE-RG 958.252/MG, [o STF] tratou atenta e especificamente da terceirização no âmbito da Administração Pública, com as suas peculiaridades e a incidência de princípios constitucionais jurídico-públicos próprios e normas constitucionais e infraconstitucionais especiais incidentes”, acrescentou a PGR. Por isso, prossegue Raquel Dodge, impõe-se a delimitação do alcance dos julgados do STF somente em matéria de terceirização empresarial, principalmente para que não se permita o seu elastecimento indevido e oportunista.
Modulação dos efeitos – Mesmo com as alterações promovidas pela Lei 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, com o objetivo de “modernizar” a normatização das relações trabalhistas para contemplar a realidade de flexibilização do mercado de trabalho, não foi possível, em termos práticos, ao TST revogar, ou alterar o enunciado 331 de sua Súmula para adequar sua jurisprudência ao decidido pela Suprema Corte.
Nesse sentido, argumenta Dodge, a decisão do Supremo não se mostra suficiente para assegurar a segurança jurídica nas relações trabalhistas. “Nesses termos, impõe-se a modulação dos efeitos do acórdão, consoante o disposto no art. 11 da Lei 9.882/1999, de modo que a decisão e a tese dela decorrente tenham eficácia pro futuro, a partir do julgamento destes declaratórios, em qualquer hipótese, ressalvando-se expressamente os efeitos consolidados dos atos jurídicos perfeitos e da coisa julgada (Constituição, art. 5º-XXXVI), bem como a necessidade de observância de procedimentos extrajudiciais (repactuação de termos de ajuste de conduta), administrativos, ou de ajuizamento de ações próprias (rescisórias, embargos à execução, revisionais, anulatórias) previstas em lei para a desconstituição de atos ou negócios jurídicos e para a relativização da coisa julgada”.
Íntegra da manifestação na ADPF 324
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