Resolução Cremerj n° 293/2019 proíbe que médicos assinem documento que registra vontade da gestante
Para os órgãos, a resolução do Cremerj contraria, dentre outros, o princípio bioético da autonomia, impedindo a tomada de decisões pela gestante/parturiente quanto a seu próprio corpo, sobre sua pessoa e a de seu bebê; infringe o direito personalíssimo ao próprio corpo, um dos corolários diretos do princípio da dignidade do ser humano; infringe o princípio da legalidade ao inovar indevidamente o panorama jurídico da assistência ao parto pela via do poder regulamentar, criando direitos e deveres não previstos em lei; viola o princípio da proporcionalidade, uma vez que seus meios – restrição da autonomia sobre o próprio corpo e proibição do plano de parto – são excessivos, inadequados e ilegítimos frente aos objetivos perseguidos – preservação da liberdade profissional; além de contrariar a regra de prevalência da vontade e do consentimento da gestante nas decisões sobre seu corpo e sua pessoa, conforme os artigos 22 e 24 da Resolução CFM n° 2.217/2018 do Código de Ética Médica.
Recomendação – Antes de judicializar a questão, o MPF e a DPU recomendaram, no final de julho, ao Cremerj a revogação da resolução. Os órgãos argumentaram que a norma cria restrição ilegal e inconstitucional à autonomia de vontade da mulher quanto ao próprio corpo, proibindo que o médico observe e respeite o plano de parto, documento no qual a gestante registra suas preferências em relação a todo o processo de parto.
A recomendação, assinada pelo procurador da República Alexandre Ribeiro Chaves e pelo defensor público Federal Thales Arcoverde Treiger, aponta a necessidade de adequação da resolução à Constituição Federal, à Lei Estadual 7.191/2016, que assegura o plano de parto no Estado do Rio de Janeiro, ao Código de Ética Médica e às Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto do Ministério da Saúde bem como às recomendações da Organização Mundial de Saúde para assistência ao parto.
O Cremerj não atendeu a recomendação.
O parto no Brasil – O Brasil é considerado um país onde predomina o modelo intervencionista de parto, com índice de cesarianas que representa 55,5% dos nascimentos, chegando a 84,6% na rede de saúde suplementar. O modelo interfere mais do que o recomendável nos processos de parturição, produzindo abusos, desrespeito e maus-tratos que impactam na vida das mulheres e bebês – sendo que, de acordo com os dados do inquérito nacional Nascer no Brasil, realizado pela Fiocruz, apenas 5% das brasileiras conseguem ter um parto natural (sem intervenções) e que intervenções dolorosas como episiotomia, manobra de Kristeller, uso de ocitocina, litotomia (posição ginecológica), entre outras são realizadas em número bem maior do que o recomendado pela OMS.
A Portaria MS/SAS nº 353/2017 lista procedimentos que não devem ser adotados como rotina durante o parto, como lavagem intestinal, raspagem dos pelos pubianos, rompimento precoce de bolsa, aplicação não indicada de ocitocina, entre outros – questões normalmente abordadas no plano de parto.