Geral
9 de Setembro de 2019 às 11h50
Simpósio discute quem perde com a reforma da Previdência
MPF e DHCTEM/USP apontam graves impactos da reforma para mulheres, negros, pessoas com deficiência, população LGBT e todos os trabalhadores em situação mais vulnerável
Simpósio sobre a reforma da Previdência. Foto: Ascom/MPF na 3ª Região
Quem perde com a reforma da Previdência? Para responder a essa pergunta, pesquisadores e operadores do direito reuniram-se em simpósio para analisar como essas mudanças vão impactar os trabalhadores, principalmente aqueles que ocupam postos mais precários do mercado de trabalho. O vídeo com a íntegra do simpósio está disponível na TVMPF (veja ao final da matéria).
Realizado na Procuradoria Regional da República da 3ª Região no dia 28 de agosto, o simpósio fez a abordagem sob a perspectiva dos direitos fundamentais consagrados na Constituição. E analisou como mulheres, negros, a população LGBT e pessoas com deficiência, em situação mais vulnerável e de extrema desigualdade no mercado de trabalho, serão afetados.
O encontro foi promovido pelo Grupo de Trabalho sobre Previdência e Assistência Social da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF) e o grupo de pesquisa Direitos Humanos, Centralidade do Trabalho e Marxismo da Universidade de São Paulo (DHCTEM/USP). O procurador regional da República Walter Claudius Rothenburg e o professor e juiz federal Marcus Orione Gonçalves Correia (USP) coordenaram os trabalhos.
Mulheres
“Existe uma misoginia declarada no texto da reforma (PEC 6), pois vai agravar muito a situação das mulheres no mercado de trabalho”, disse a pesquisadora Júlia Lenzi. A partir de dados do Pnad/IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), Lenzi analisou os pontos principais do texto da PEC 6/2019, em tramitação no Congresso Nacional.
A pesquisadora apontou o efeito “não é só isso”. Cada regra vai se somando a outra, o que faz prever que dificilmente uma trabalhadora vai conseguir se aposentar. A idade mínima de aposentadoria para mulheres passa a ser de 62 anos, com mínimo de 15 anos de contribuição. A proposta inicial seria de 20 anos, mas houve a redução desse tempo. Mas, a qualquer tempo, poderá haver nova alteração, por ritual legislativo muito mais simples, já que a norma perdeu o status constitucional.
O valor da aposentadoria das trabalhadoras passa a ser 60% da média dos salários de contribuição mais 2% para cada ano que exceder os 15 anos de contribuição. Apenas com 35 anos de contribuição elas receberiam aposentadoria integral, limitada ao teto da Previdência, hoje de R$ 5.839,45.
A situação torna-se especialmente penosa porque 47% delas trabalham sem carteira assinada. Em 2017, 62,8% das aposentadorias por idade foram concedidas para mulheres. Isso em razão da dificuldade que elas têm de acesso ao mercado de trabalho formal em que podem contabilizar o tempo de contribuição. Atualmente, a aposentadoria da mulher (média nacional) por idade é de R$ 1.153,00, 31% menor que a média nacional. “É a feminização da pobreza”, constatou Julia Lenzi.
No Brasil, os negros ganham, em média, pouco mais que a metade dos brancos. Com a reforma, a situação tende a piorar, afirmou a advogada Karina Lopes, ativista do movimento negro e advogada do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras, que relatou como os benefícios são fundamentais para pessoas em situação precária de trabalho.
Da mesma forma, a defensora pública Adriana Ribeiro Barbato fez um relato das dificuldades cotidianas enfrentadas por idosos e pessoas com deficiência que não têm condições de se manter e que necessitam do benefício de prestação continuada (BPC).
Um dos critérios da concessão do benefício no valor do salário mínimo é que o beneficiário não apresente “sinais exteriores de riqueza”. A avaliação, contudo, tem critérios bastante controvertidos. Ribeiro contou o caso de um casal de idosos, feirantes, de origem japonesa, que teve o benefício negado por ter em casa o cogumelo shitake. Uma casa “limpinha” também pode ser considerada indício de riqueza, contou.
A procuradora regional da República Eugenia Augusta Gonzaga mostrou o despreparo do Instituto Nacional do Seguro Social para fazer avaliações destinadas à concessão de benefícios a pessoas com deficiência.
Para abranger a diversidade de realidades, a Organização Mundial de Saúde adota como modelo a avaliação biopsicossocial da pessoa com deficiência, o que compreende uma averiguação complexa de um conjunto de condições, não apenas físicas e intelectuais, mas também o ambiente social. Entretanto, mesmo com a reforma prevendo essa forma de avaliação no caso de concessão de benefícios, a cultura do INSS é ainda da concessão do benefício por incapacidade.
O impacto da reforma sobre os direitos fundamentais dos trabalhadores, especialmente para os mais vulneráveis, levou o advogado Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/SP, a prever o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal com fundamento na vedação ao retrocesso social.
Reforma necessária?
Anunciada como necessária para “não quebrar o país”, a sétima reforma da Previdência vai resolver os problemas econômicos do país? Não, respondeu o professor da Faculdade de Direito da USP, especialista em seguridade social, Flávio Roberto Batista.
A finalidade da reforma é retirar recursos destinados à Previdência para alimentar o sistema financeiro por meio de pagamento dos juros da dívida pública, analisou. “É a ruína social”.
“É o início da era da escuridão”, afirmou o professor Marcus Orione Gonçalves Correia (USP). Para ele, não se trata apenas da reforma da Previdência, mas de um “redesenho do Estado”, no qual também se incluem as reformas das relações de trabalho, do Código do Processo Civil e a administrativa que está por vir.
Para o procurador Walter Claudius Rothenburg, a reforma da Previdência é uma fraude à Constituição de 1988, que resultou de um pacto social entre gerações. A seguridade social, ressaltou, está no DNA do texto constitucional e o seu desmonte compromete a sua própria essência centrada nos direitos sociais.
Na TVMPF
Simpósio A reforma da Previdência Social na perspectiva dos direitos humanos
Júlia Lenzi – Doutoranda em Direito do Trabalho e da Seguridade Social (USP), consultora de Direto Previdenciário e integrante da Rede Lado
Karina Lopes – Especialista em Direito Internacional (PUC-SP), advogada do Consulado Geral da República de Angola em São Paulo e do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras
Paulo Roberto Iotti Vecchiatti – Doutor em Direito (Instituição Toledo de Ensino), diretor-presidente do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, integrante da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/SP.
Adriana Ribeiro Barbato – Defensora Regional Previdenciária da DPU e integrante da Associação Nacional de Defensoras e Defensores Públicos Federais
Eugenia Augusta Gonzaga – Procuradora Regional da República, procuradora federal dos Direitos do Cidadão Adjunta
Flávio Roberto Batista – Doutor de Direito, professor de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP
Marcus Orione Gonçalves Correia – Doutor em Direito, professor associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP
Walter Claudius Rothenburg – Doutor em Direito, professor da Instituição Toledo de Ensino, procurador regional da República, relator do Grupo de Trabalho sobre Previdência e Assistência Social da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
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