Comunidades Tradicionais
22 de Agosto de 2019 às 9h9
MPF e comunidade entregam à prefeita de Ilhabela projeto de lei que cria primeiro conselho caiçara do Brasil
Entrega é resultado de dois anos de projeto realizado pelo MPF junto às comunidades tradicionais do arquipélago localizado no litoral norte de SP
Prefeita, com o projeto na mão, posa ao lado de caiçaras de Ilhabela e da procuradora Maria Capucci Foto: Marcelo Oliveira / ASCOM MPF-SP
Uma comitiva formada por 15 representantes de comunidades tradicionais de Ilhabela e pela procuradora da República Maria Rezende Capucci entregou, na manhã desta quarta-feira (21), à prefeita da cidade, Maria das Graças Ferreira dos Santos Souza, o projeto de lei para a criação do Conselho Municipal das Comunidades Tradicionais do Município de Ilhabela. Este é o primeiro projeto do gênero no Brasil envolvendo comunidades caiçaras.
O Projeto de Lei foi escrito pelas comunidades tradicionais que participaram do projeto Tribuzana da PRM de Caraguatatuba (1.34.033.000100/2017-71), lançado em 2017. Durante estes dois anos, o procedimento do MPF permitiu a formação e o fortalecimento destas comunidades. Nos últimos 5 meses, o projeto se reuniu em formato de fórum e capacitou as comunidades para a redação do Projeto de Lei.
Os caiçaras formam a principal população tradicional que habita Ilhabela e estão espalhados em várias comunidades do arquipélago. Os caiçaras estão presentes no litoral das regiões Sudeste e Sul do Brasil e, geralmente, vivem da pesca artesanal, da agricultura de subsistência, da caça, do extrativismo, do artesanato e do ecoturismo.
O projeto Tribuzana, do MPF em Caraguatatuba, é pioneiro e único até o momento a desenvolver uma ação de cidadania desta envergadura com caiçaras no litoral do Brasil. O projeto, assinado em cerimônia pública em maio de 2017, foi concebido com o objetivo de fortalecer e empoderar núcleos caiçaras de Ilhabela para a defesa de seus próprios direitos, dando visibilidade e voz a esses grupos na esfera político-administrativa.
O documento foi entregue nas mãos da prefeita Gracinha pela líder comunitária Angélica de Souza, da comunidade da Baía de Castelhanos, após uma reunião de 30 minutos com a prefeita e parte de seu secretariado. Na ocasião, a prefeita declarou que pretende fazer o possível para encaminhar o projeto de lei à Câmara de Vereadores durante os festejos relacionados ao aniversário de Ilhabela, no próximo dia 3 de setembro.
O turismo, a especulação imobiliária e as grandes obras de infraestrutura têm sido fatores de risco para as comunidades caiçaras, indígenas e quilombolas na região, sobretudo nas últimas décadas. No arquipélago de Ilhabela, restam menos de 20 grupos tradicionais, antes predominantes em todo o litoral norte de São Paulo. O avanço de empreendimentos sobre as áreas onde vivem os caiçaras causa não apenas a diminuição populacional, mas também a descaracterização da cultura, dos saberes e das tradições desses núcleos.
O direito das comunidades tradicionais de integrar os debates sobre a condução de políticas públicas é garantido por convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, pela Constituição Federal e pela legislação. Um dos princípios da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, por exemplo, é a promoção dos meios necessários para a efetiva participação desses núcleos nas instâncias de controle social e nos processos decisórios relacionados a seus direitos e interesses.
Para a procuradora da República Maria Capucci, responsável pelo procedimento do MPF em que foi realizado o projeto Tribuzana, o conselho, uma vez criado, será “a representação formal e o canal de comunicação oficial entre as comunidades tradicionais e as autoridades do município”.
Segundo a prefeita, a reivindicação das comunidades tradicionais (de criação do conselho) é “um pedido justo e necessário”. Há 100 dias no cargo, a chefe do poder executivo de Ilhabela é oriunda do movimento comunitário e militou na Pastoral da Criança. Para a prefeita, o projeto parte de uma boa ideia: “a valorização dos caiçaras e das comunidades tradicionais”.
“Temos nossas prioridades. Os conselhos nos ajudam a direcionar nossos pedidos ao poder público. Um conselho das comunidades tradicionais permitiria que fôssemos ouvidos nas questões que nos dizem respeito”, disse Wanderlei Valério, o Alemão, presidente da Amor Castelhanos.
O projeto de lei apresentado ao Executivo ( http://www.mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/projeto-de-lei-conselho-municipal-caicara/ ) prevê que o conselho terá 21 integrantes: 7 representantes do Poder Público e 14 das comunidades, sendo os representantes populares eleitos pelo Fórum das Comunidades Tradicionais do Arquipélago de Ilhabela, em assembleia que será convocada para essa finalidade. Serão convidados a participar das reuniões do conselho representantes do MPF, do MP Estadual, do Parque Estadual de Ilhabela, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e da Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Norte de São Paulo.
O conselho terá o objetivo de reconhecer, fortalecer e garantir os direitos destes povos e comunidades, inclusive os de natureza territorial, socioambiental, econômica, cultural, e seus usos, costumes, conhecimentos tradicionais, ancestrais, saberes e fazeres, suas formas de organização e suas instituições. Do ponto de vista administrativo, o órgão será permanente e autônomo e terá caráter consultivo e deliberativo, fiscalizador e articulador de políticas de promoção e desenvolvimento sustentável. O conselho estará vinculado administrativamente, no nível de direção superior, à Secretaria Municipal de Governo.
A legislação do município de Ilhabela prevê que um Conselho só pode ser criado por lei aprovada tendo como origem o poder executivo municipal, por isso o projeto foi entregue à prefeita e por ela será encaminhado à Câmara Municipal como de iniciativa do executivo. Na câmara, o projeto será analisado pelas comissões e depois, pelo plenário (podendo receber emendas ou supressões). Para aprovação, o projeto necessitará de maioria simples.
Foram parceiros do projeto Tribuzana ao longo dos dois anos de trabalho do MPF com as comunidades tradicionais, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a COOPESCA, Cooperativa dos Pescadores Artesanais do ICAPARA/Iguape, de abrangência estadual, em virtude da experiência de ambas instituições em organização social e formação em direitos de povos e comunidades tradicionais.
Veja fotos da entrega do projeto de lei no Facebook do MPF-SP
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