20/08/19 14h04
Empresa usa nanotecnologia para produzir remédios que podem ser borrifados em alimentos e dissolvidos em bebidas
Jornal da USP
A dificuldade do idoso em engolir medicamentos levou uma startup de Ribeirão Preto (SP), em parceria com a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo e o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HC-RP), a desenvolver novos tipos de remédios por meio da nanotecnologia. A empresa será lançada oficialmente no mercado ainda nesta semana, e acaba de receber a licença da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para desenvolver alimentos, remédios e cosméticos em versão nano. A iniciativa é financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com investimento de R$ 1 milhão.
O Jornal da USP no Ar, com a participação do jornalista Ferraz Júnior, conversou com o criador da startup, Gustavo Cadurim, farmacêutico formado pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP e especialista em nanotecnologia. Ele conta mais sobre as origens do trabalho que desenvolve atualmente: “A história começa há 15 anos, com o primeiro contato que tive com uma classe de substâncias encontradas nas membranas das nossas células, chamadas fosfolipídeos. Eu me encantei com esse tema e logo passei a trabalhar com um grupo alemão que desenvolve esse tipo de molécula, mas ainda sentia muita dificuldade em aplicar isso no Brasil. Foi daí que surgiu a ideia de fundar uma empresa que pudesse usar esse tipo de tecnologia para desenvolver produtos inovadores, principalmente voltados às indústrias farmacêutica e alimentícia”.
O uso da nanotecnologia na área da saúde vem se expandindo desde a década de 1960. “Um dos primeiros desafios enfrentados com esse tipo de recurso foi a nutrição de pacientes com óleos, de forma a evitar efeitos colaterais provenientes do uso exclusivo de glicose no tratamento. Nesse sentido, foram desenvolvidas emulsões de lipídeos de uso injetável, mas que precisavam ser administradas em quantidades pequenas para não causar embolia, por exemplo, e é aí que a nanotecnologia ajudou”, conta o pesquisador. Hoje, o uso da nanotecnologia segue esse mesmo princípio, usando uma máquina que trabalha com alta pressão para reduzir o tamanho da molécula do princípio ativo de um medicamento. Submetida a esse procedimento, a substância fica 1 bilhão de vezes menor e pode ser misturada na água ou no suco, facilitando a ingestão pelo paciente. Segundo os pesquisadores, a absorção das partículas pelo organismo chega a ser dez vezes maior do que a obtida com o uso de cápsulas.
Um dos principais recursos produzidos pela startup é um tipo de ômega 3 hidrossolúvel, cujo aproveitamento nutricional é maior que os convencionais. O chamado hidrômega foi pensado para auxiliar não só na questão da dificuldade de ingestão de cápsulas, mas também para conter o efeito indesejado de refluxo, comum após a digestão de óleos, pois eles não são dissolvidos imediatamente no estômago. “Com a nanotecnologia, conseguimos proteger os nutrientes que estão no ômega 3 e torná-lo hidrossolúvel, ou seja, a partir do contato com água ou com qualquer outro meio líquido ou semissólido, ele pode ser facilmente ingerido – podemos borrifá-lo em uma salada, por exemplo. Melhoramos assim a aplicação e também a absorção, que, nesse caso, aumenta em 70%, o que contribui para que o processo também seja mais sustentável, com aproveitamento maior da matéria-prima que usamos no nosso produto”, explica Cadurim.
O uso de nanotecnologia também se mostra benéfico no desenvolvimento de medicamentos de uso tópico (como protetores solares e cosméticos em geral), e pode amenizar inclusive os efeitos colaterais de tratamentos com anti-inflamatórios, por meio da proteção da membrana do estômago, e até com quimioterápicos. O farmacêutico conta que esses recursos visam a “mudar a experiência do uso de medicamentos”, buscando torná-la menos invasiva – o que pode beneficiar principalmente os idosos. Além de servir como suplementos alimentares por meio de alimentos e bebidas, os pesquisadores da startup também recorrem a técnicas internacionais que se valem dos mesmos princípios tecnológicos. É o caso de um colírio que pode ser aplicado de olhos fechados. “Aplicamos um procedimento de patente alemã para desenvolver esse colírio, cujas partículas são tão pequenas que aderem às pálpebras, quando borrifado, e lubrificam o olho mesmo que ele esteja fechado.”
A tecnologia está se tornando cada vez mais viável, inclusive economicamente. O lançamento oficial da empresa acontece em breve e, de acordo com Cadurim, sua proposta é a de “sermos um fabricante nacional de produtos 100% naturais, voltados para a área de alimentos, especificamente com suplementos alimentares e cosméticos. Também pretendemos produzir medicamentos, produtos veterinários e agroquímicos, e então transferirmos a tecnologia para outras empresas produzirem”.