A Câmara dos Deputados aprovou, na quarta-feira (14), o projeto que trata dos crimes de abuso de autoridade cometidos por agentes públicos (PLS 85/2017 no Senado e PL 7.596/17 na Câmara). O texto foi aprovado no Senado em abril de 2017 e segue agora para a sanção da Presidência da República.
A matéria prevê mais de 30 ações (veja quadro abaixo) que podem ser consideradas abuso de autoridade, com penas que variam entre seis meses e quatro anos de prisão. Segundo o texto, essas condutas somente serão crime se praticadas com a finalidade específica de prejudicar outra pessoa ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, assim como por mero capricho ou satisfação pessoal. Já a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não será considerada, por si só, abuso de autoridade.
Conduções coercitivas manifestamente descabidas, prisão sem conformidade com as hipóteses legais e manutenção de presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento são algumas das condutas criminalizadas no projeto. O texto também prevê penas para o agente que impedir encontro reservado entre um preso e seu advogado; que fotografar ou filmar um preso sem o seu consentimento ou para expô-lo a vexame; que colocar algemas no detido quando não houver resistência à prisão; e que impedir ou dificultar, por qualquer meio, sem justa causa, associação ou agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo.
Estão sujeitos a responder pelos crimes do projeto qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Incluem-se nesse rol, portanto, os servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; e membros do Legislativo, do Executivo, do Judiciário, do Ministério Público e dos tribunais ou conselhos de contas. A nova lei será aplicada ainda a todo aquele que exercer, mesmo de forma transitória e sem remuneração, qualquer forma de vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade pública.
Polêmica
O projeto provocou polêmica ao longo de toda a sua tramitação. Muitos parlamentares manifestaram preocupação com sua influência sobre os rumos da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, e outras medidas de combate à corrupção. Já outros apontavam o texto como uma forma de evitar abusos e proteger a sociedade.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS), ressaltou que o bom profissional não tem o que temer com o projeto. De acordo com Pimenta, “esses argumentos ‘do medo’ não são para proteger os bons profissionais, são para proteger milicianos, são para proteger bandidos que, às vezes, estão dentro do serviço público, pessoas que se utilizam dos seus cargos para perseguir pessoas inocentes”.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) comemorou a aprovação do projeto, apontando que o abuso de autoridade é uma rotina no Brasil. Segundo Renan, o texto “vale do guarda da esquina ao presidente da República”. Ele aponta que as torturas na ditadura, os esquadrões da morte, o massacre do Carandiru, o vazamento de sigilos, o baculejo injustificado nas periferias, as escutas ilegais e as decisões judiciais equivocadas em abundância confirmam “o traço sistêmico do problema”. Renan disse ainda não saber se haverá veto por parte da Presidência.
— Não sabemos o que o presidente fará. Mas, diante da sua reclamação por ter sido, ele e família, alvo de devassa ilegal da Receita Federal, eu deduzo que está de saco cheio com o abuso de autoridade. Se há abusos contra o presidente da República e o STF, imagina contra o cidadão comum — argumentou Renan.
Para o relator na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), o projeto permite uma atualização do tema tratado na Lei 4.898, de 1965, que será revogada. Barros destaca que, “em geral, quem vai denunciar é o Ministério Público e quem vai julgar é o juiz, por isso não cabe dizer que está havendo uma perseguição a esses agentes públicos”.
Veto
Na votação na Câmara, deputados ligados à segurança pública disseram que vão pressionar pelo veto de pontos da proposta, como a restrição do uso de algemas e a obrigatoriedade de identificação de policial. Segundo o deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG), “estamos criminalizando a atividade policial”.
O senador Alvaro Dias (Pode-PR) defendeu o veto da matéria como um respeito à agenda da sociedade. Ele destacou que votou contra o projeto no Senado e registrou que fica a sinalização de uma tentativa de intimidação às autoridades judiciais. Alvaro também defendeu a Operação Lava Jato e pediu apoio à Polícia Federal, ao Ministério Público e à Justiça no combate à corrupção.
— Não discutimos a necessidade de uma legislação sobre abuso de autoridade. O que se discute é a oportunidade: esta não é a hora. O atropelamento insinua que há má fé — declarou o senador, que ainda cobrou a votação da proposta, de sua autoria, que acaba com o foro privilegiado e está parada na Câmara (PEC 10/2013).
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) lembrou que votou contra a aprovação, mesmo sendo o autor da proposta, porque o texto final deixou de ser uma regulação do abuso de autoridade para ser uma retaliação à atuação independente de procuradores e de outros agentes de combate à corrupção. O texto aprovado no Senado foi um substitutivo do ex-senador Roberto Requião.
— Eu espero que o presidente da República não faça veto seletivo. O projeto todo deveria ser vetado — sugeriu Randolfe.
O senador Marcos do Val (Podemos-ES) também disse esperar que o presidente “não sancione” o projeto, pois os policiais e as autoridades precisam de liberdade para fazer o seu trabalho. Ele destacou ainda que cada órgão tem sua corregedoria, para os casos que ultrapassam as questões legais.
Confira os crimes tipificados e as penas previstas no Projeto de Lei 7.596/17
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Pena: detenção de 1 a 4 anos e multa
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- decretar prisão sem observar as hipóteses legais. A pena é valida também para o juiz que, dentro de prazo razoável, deixar de relaxar a prisão manifestamente ilegal; deixar de substituir a prisão preventiva por medida cautelar ou por liberdade provisória, quando cabível; ou deixar de deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando cabível;
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- decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo;
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- executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, ou de condenado ou internado fugitivo;
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- constranger o preso ou o detento, com violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; ou produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro;
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- constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo. Vale também para quem prosseguir com o interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio ou de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público, sem a presença de seu patrono;
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- impedir ou retardar, injustificadamente, o envio de pedido de preso ao juiz competente para a apreciação da legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de sua custódia. Vale também para o juiz que, ciente do impedimento ou da demora, deixar de tomar as providências para resolver o problema ou deixar de enviar o pedido à autoridade competente;
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- manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento. Aplica-se a quem mantiver, na mesma cela, criança ou adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado, observado o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente;
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- invadir ou entrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, em imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei. Sujeita-se à mesma pena quem ameaça alguém para obter acesso; executa mandado de busca e apreensão mobilizando veículos, pessoal ou armamento de forma ostensiva e desproporcional para expor o investigado a situação de vexame; ou cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h ou antes das 5h;
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- mudar, em diligência, investigação ou processo, o estado das coisas para se eximir de responsabilidade ou deixar de responsabilizar criminalmente alguém ou aumentar-lhe a responsabilidade (mudança de cena de crime, por exemplo). Aplica-se ainda para quem pratica a conduta para se eximir de responsabilidade civil ou administrativa por excesso praticado na diligência; ou para omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletas para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo;
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- constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou empregado de instituição hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração;
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- obter prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito. Aplica-se também a quem faz uso de prova em desfavor do investigado ou fiscalizado tendo prévio conhecimento de sua ilicitude;
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- divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado;
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- dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente;
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- decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e não corrigir o erro após demonstração da parte.
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Pena – detenção de 6 meses a 2 anos e multa
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- deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal. Aplica-se ainda a quem:
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- deixar de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à autoridade judiciária que a decretou;
- deixar de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada;
- deixar de entregar ao preso, no prazo de 24 horas, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas;
- prolongar a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal;
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- fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou publicar fotografia ou filmagem de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima, sem seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento ilegal, com o intuito de expor a pessoa a vexame ou execração pública;
Obs.: não haverá crime se a fotografia ou filmagem for produzida para obter prova em investigação criminal ou processo penal ou o de documentar as condições de estabelecimento penal;
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- deixar de se identificar ou se identificar falsamente ao preso quando de sua prisão. Aplica-se também para quem, como responsável por interrogatório, deixar de se identificar ao preso ou atribuir a si mesmo falsa identidade, cargo ou função;
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- submeter o preso, internado ou apreendido ao uso de algemas ou de qualquer outro objeto que lhe restrinja o movimento dos membros quando manifestamente não houver resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso, da autoridade ou de terceiro;
Obs.: a pena será em dobro se o internado tiver menos de 18 anos de idade; se a presa, internada ou apreendida estiver grávida no momento; ou se o fato ocorrer em penitenciária;
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- submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações;
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- impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado. Aplica-se a pena também a quem impedir o preso, o réu solto ou o investigado de entrevistar-se pessoal e reservadamente com seu advogado ou defensor, por prazo razoável, antes de audiência judicial, e de sentar-se ao seu lado e com ele se comunicar durante a audiência, salvo no curso de interrogatório ou no caso de audiência realizada por videoconferência;
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- induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei;
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- requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa em desfavor de alguém sem qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa, exceto quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada;
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- prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar interesse de investigado. Aplica-se ainda a quem, com igual finalidade, omite dado ou informação sobre fato juridicamente relevante e não sigiloso;
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- estender injustificadamente a investigação em prejuízo do investigado ou fiscalizado. Aplica-se também a quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, adiá-lo de forma imotivada em prejuízo do investigado ou do fiscalizado;
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- negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa; ou impedir a obtenção de cópias;
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- exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal. Aplica-se ainda a quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para não cumprir obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido;
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- demorar demasiada e injustificadamente no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado, com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento;
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- responsável pelas investigações que, por meio de comunicação, inclusive rede social, antecipar atribuição de culpa antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação.
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Pena – detenção de 3 a 6 meses e multa
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- deixar de corrigir, de ofício ou a pedido, tendo competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento.
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Pena – detenção de 3 meses a 1 ano e multa
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- coibir, dificultar ou impedir, por qualquer meio, sem justa causa, a reunião, a associação ou o agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo.
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Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)