Criminal
30 de Julho de 2019 às 17h20
Encontro em SP promove aproximação de autoridades e especialistas no enfrentamento do tráfico de pessoas
Lançamento de publicação sobre o tema teve participação de membros do MPF
O procurador da República Daniel de Resende Salgado durante o evento no TRF3. Foto: Diego Mattoso – MPF/SP
O enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil somente avançará quando houver maior diálogo entre as instituições responsáveis pelo enfrentamento a esse tipo de crime e a sociedade civil, com a integração entre os eixos repressivos, preventivos e de assistência à vítima. A avaliação é comum entre autoridades e estudiosos do assunto, muitos deles reunidos nesta terça-feira (30) no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, para o lançamento da edição especial da Revista do TRF3, dedicada ao tema. O encontro lembrou o Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, celebrado anualmente em 30 de julho.
O tráfico humano movimenta mais de US$ 30 bilhões ao ano no mundo. Estima-se que, entre as modalidades de crime organizado, o delito perca apenas para o comércio de drogas e armas em lucratividade. Anualmente, milhões de pessoas são aliciadas para deixarem os locais onde vivem com destino a outras regiões ou países onde são exploradas sexualmente, obrigadas a trabalhos forçados ou submetidas à extração de órgãos para a venda. No Brasil, mulheres jovens, transexuais e travestis são os principais alvos dos criminosos, que tornam o tráfico de pessoas uma prática cada vez mais frequente, trazendo estrangeiros ou enviando brasileiros ao exterior.
Apesar do cenário alarmante, o combate ao crime no país ainda é tímido e enfrenta uma série de desafios. Dados da Câmara Criminal do Ministério Público Federal indicam que, em relação ao tráfico internacional de pessoas, os processos que tramitam na Justiça Federal não chegam a uma centena, e o número de investigações em andamento é ainda menor. Neste contexto, a necessidade de fortalecimento e maior sinergia entre as instituições não deve se limitar ao aperfeiçoamento de estruturas físicas e de pessoal para o enfrentamento ao problema. As soluções dependem também de outras medidas, como a revisão de conceitos e da interpretação das leis.
Uma das preocupações refere-se à questão do consentimento da vítima. O procurador da República Daniel de Resende Salgado, autor do artigo intitulado “Tráfico de seres humanos para fim de exploração sexual: o abuso e a manifestação de vontade em um contexto de vulnerabilidade”, que compõe a revista, explica que a legislação brasileira não previu expressamente a condição de vulnerabilidade como fator viciante à vontade da vítima, como o fez o Protocolo Adicional à Convenção de Palermo e algumas legislações, como a espanhola. Uma aplicação mais restritiva do artigo 149-A, do Código Penal, afirmou ele, acaba eximindo traficantes da autoria dos crimes por desconsiderar outras formas recorrentes de aliciamento.
“Muitos traficantes se aproveitam da vulnerabilidade da vítima, em seus diversos aspectos, para aliciá-las. Isso vicia a manifestação de vontade, ainda que a pessoa não tenha sido forçada por métodos violentos ou enganadas, por métodos fraudulentos”, disse Salgado durante o evento. “Ou seja, é preciso que os operadores do direito passem a considerar que o aproveitamento da condição de vulnerabilidade da vítima pelo criminoso também constitui abuso e é suficiente para atribuir a prática delitiva ao autor. Somente assim poderemos ampliar o leque de proteção às vítimas”.
A opinião é compartilhada pela procuradora regional da República Adriana Scordamaglia, também presente no lançamento da revista. “Essa questão [da forma como a lei estabelece a violação da vontade das vítimas] deve ser revista. Membros do MPF, da Justiça e de outras instituições que enfrentam o tráfico de pessoas precisam olhar para isso com mais flexibilidade. Senão não teremos mais condenações no Brasil”, destacou.
O encontro permitiu a aproximação não só entre autoridades que lidam com esse tipo de crime, mas também com especialistas e acadêmicos que se dedicam ao estudo do tema. Entre elas, a integrante do Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos (Diversitas) da USP, Anália Belisa Ribeiro Pinto, e a professora de Direito Constitucional e Direitos Humanos da PUC-SP Flávia Piovesan. Elas abordaram, entre outras questões, o tráfico de pessoas enquanto causa e consequência de graves violações de direitos humanos e os efeitos do preconceito e da discriminação sobre o problema.
Ao lado de autores e de membros do Ministério Público e da Justiça Federal, participaram do lançamento da publicação representantes da Polícia Federal, das Defensorias Públicas Estadual e da União e integrantes de entidades da sociedade civil que se dedicam ao acolhimento de vítimas do tráfico de pessoas. Além de celebrar a data e marcar a divulgação da revista, o evento destacou a importância da campanha “Coração Azul contra o tráfico de pessoas”, estampada nas dependências de prédios de vários órgãos públicos por meio de peças gráficas com informações sobre o tema.
O encontro foi coordenado pela desembargadora federal Inês Virgínia Prado Soares, junto à juíza federal Louise Filgueiras, que organizou a edição especial da Revista do TRF3. A publicação está disponível online, no endereço http://www.trf3.jus.br/revista/.
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