O artista plástico dessana Jaime Diakara apresenta, na primeira Mostra de Arte Indígena de Manaus – Nosso Povo, que ocorre no hall do Palácio Rio Branco, Centro, quatro obras inspiradas no grafismo indígena. A exposição integra o conjunto de eventos e ações comemorativas do aniversário de 352 anos de Manaus, aberta ao público até 25/10. O evento é realizado pela Prefeitura de Manaus, por meio do Conselho Municipal de Cultura (Concultura) e da Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos (Manauscult).
Para o presidente do Concultura, Tenório Telles, a exposição é uma oportunidade para os artistas indígenas apresentarem suas criações e, com isso, construírem um diálogo com a sociedade em torno de seus referenciais culturais.
A mostra faz parte do programa de valorização da cultura e dos conhecimentos indígenas, implementado pelo prefeito David Almeida desde o início de sua gestão. A exposição reúne dez artistas, que têm a missão de mostrar, por meio da pintura, os traços materiais e imateriais de seus povos, e vai marcar a reabertura da galeria pública, com acesso controlado e uso de máscara obrigatório.
“Essa iniciativa se insere no contexto de resgate da memória ancestral da cidade, que faz parte do projeto da Prefeitura de Manaus de revitalização do centro histórico de nossa cidade”, comenta Tenório.
O grafismo dessana (ümũrĩ mahsã – gente do universo) é um traço forte e uma linguagem especial que expressa um conjunto de pressupostos sobre o mundo, os seres e as coisas. Conforme a cosmologia dessana os símbolos são obtidos por artesãos divinos e transmitidos pelos antepassados às futuras gerações de benzedores, conhecedores dos saberes ancestrais dos povos originários da região do Alto Rio Negro.
Jaime não assina seus quadros por acreditar que esse conhecimento e concepção dos traços não são criação sua, e sim dos seus antepassados. Ele explica que sua arte é uma linguagem de perspectiva antropológica, construída e comunicada a partir da leitura de como os indígenas conceberam seus grafismos a partir de sua cosmologia.
“Não são apenas traços aleatórios, mas sim uma expressão das formas da vida com suas cores e sentidos que retratam o universo, a terra, os rios e tudo que nela vive, humanos e não humanos”, explica.
Acessórios
Os indígenas usam esses grafismos para proteção contra os seres invisíveis durante os rituais e as doenças que surgem ao longo do tempo, como agora, a Covid-19. “Por isso, durante o período da pandemia, apliquei os grafismos de proteção nas máscaras da mesma forma que nossos antepassados usavam os grafismos para se protegerem das ameaças invisíveis”, observa.
Foi incentivado pela mulher e filha, que viu nas máscaras de proteção uma oportunidade de mostrar a arte numa tela ambulante nos rostos das pessoas. “Além de proteger contra a Covid-19, mostramos que existe uma cultura diversificada”, diz.
A ideia para a exposição surgiu com as máscaras produzidas pelas artesãs da Associação das Mulheres Indígenas Saterê-Mauê (Amism) que levam alguns traços dos grafismos pintados por Jaime. Ele conta que quebrou um tabu da cultura dessana, casando-se com uma indígena saterê-mauê, quando a regra no Alto Rio Negro determina o casamento com uma mulher do povo tukano.
Exposição
Uma outra coleção de grafismos foi produzida para camisetas, utilizando símbolos de proteção para o corpo. “Temos grafismo de proteção para todas as partes do corpo: rosto, tronco e membros”, explica.
A primeira tela representa a ligação entre o universo e os elementos e seres terrestres, tudo por meio dos grafismos; a segunda tela mostra a “canoa de transformação”, a representação com o desenho da cobra-grande. “A memória ancestral conta que os povos do Alto Rio Negro vieram de uma longa viagem, por meio da canoa de transformação. Vou mostrar a riqueza e a diversidade da cosmologia, por meio do grafismo da cultura do povo dessana”, informa.
Jaime vai apresentar na mostra quatro telas pintadas em tinta acrílica, com as narrativas de origem do seu povo e sobre os conhecimentos em torno da constituição do cosmos e seus habitantes, humanos e não humanos.
Formação
A terceira e quarta telas mostram as formas de sociabilidade entre os seres do cosmos, retratados nas cerimônias rituais do grupo, bem como o tema da vida e da morte, e, por fim, os modos de convivência na maloca e o lugar da figura feminina.
O artista Jaime Diakara é mestre e doutorando em antropologia social pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e graduado em pedagogia intercultural pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA). Seu objeto de estudo do mestrado foi a importância e a história do gaapi (ayauasca) para o povo dessana.
“Meu pai Américo Castro Fernandes Diakuru (falecido) foi o autor e narrador dos livros Mitologia Sagrada do Povo Dessana e Bueri kãdiri Maririye: os ensinamentos que não se esquecem, em que faz o relato de toda a nossa cultura ancestral”, informa. A obra faz parte da coleção “Narrativas do Alto Rio Negro”.
Texto – Cristóvão Nonato / Concultura
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Foto – Altemar Alcântara / Semcom
Mostra de arte indígena, organizada pela prefeitura, destaca o grafismo dessana Prefeitura Municipal de Manaus.