Trinta e seis mulheres contaram suas histórias de vida, as dificuldades enfrentadas em suas carreiras e no dia a dia devido ao gênero, e mostraram a força e a alegria encontradas na superação, durante a realização do Encontro sobre a Condição da Mulher na Pós-Modernidade, evento promovido pela Escola Superior da Magistratura do Amazonas (Esmam) na última quinta-feira (12/3), em Manaus. Os depoimentos emocionaram o público presente.
Integrante da lista de palestrantes convidadas, a Procuradora-Geral de Justiça Leda Mara Nascimento Albuquerque citou dados de um levantamento feito pelo Ministério da Saúde e divulgado no final do ano passado, no qual apontava o registro de 145 mil casos de violência contra a mulher (física, sexual, psicológica e outros) em 2018 no Brasil. Ela falou ainda sobre o feminicídio e que a mulher tinha um papel transformador da sociedade.
O encontro, uma homenagem da escola pela passagem do Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, foi aberto pelo diretor da escola, desembargador Flávio Pascarelli, que deu boas-vindas ao público em geral e às palestrantes convidadas, pertencentes a diversas áreas: jurídica, comunicação, saúde, militar, política, educação e empresarial. “O objetivo desse encontro é, a partir das reflexões, tentar estabelecer uma linha de pesquisa que investigue a situação jurídica das mulheres, avançando para melhorar sua condição nessa era de incertezas”, explicou Pascarelli.As atividades foram iniciadas por volta das 14h40 e encerradas às 20h20. Todos os trabalhos foram presididos pela desembargadora Graça Figueiredo, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), que lembrou a necessidade de um maior avanço no que se refere à participação feminina em muitas carreiras, principalmente a jurídica. “A Corte de Justiça amazonense possui mais de 120 anos de existência e apenas duas mulheres presidiram o Tribunal em todo esse tempo. A OAB, instituída em 1930, nunca teve uma mulher como presidente da entidade nacional. As mulheres precisam ter participação mais ativa em todas as carreiras, estudar e lutar para liderar. A história não está na diferença de gênero, está em nossas mãos”, completou a magistrada.
A secretária-geral e executiva da Esmam, Márcia Levi, disse que era um privilégio participar do evento e ressaltou o art. 5º da Constituição Federal de 1988, no qual o legislador estabeleceu que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
Veja o que disseram algumas das palestrantes convidadasA desembargadora Carla Reis, do TJAM, que foi a primeira magistrada titular do 1º Juizado Especializado no Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, na Zona Leste de Manaus, também conhecido como Juizado “Maria da Penha”, lembrou uma triste estatística brasileira – que o Brasil está entre os dez países com maior número de mortes de mulheres no mundo.Outra palestrante convidada, a desembargadora Nélia Caminha Jorge, do TJAM, comentou que as mulheres vêm buscando o aprimoramento em suas carreiras e que já ocorreram avanços importantes no País, porém, não deve se acomodar, sobretudo no item educação. Recordando experiências na Justiça Eleitoral, disse que sentiu a “resistência e o lado machista da política”.A juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), destacou os direitos humanos. “Somos privilegiados e se temos alguma dificuldade, temos de observar aqueles que precisam de apoio para sair da invisibilidade. Se há uma bandeira que eu considere mais bonita no Direito, eu diria que é a dos direitos humanos. Não vamos avançar em nenhuma pós-modernidade se fecharmos os olhos para o nosso semelhante”, frisou.
A juíza Naira Norte, do TJAM e professora da Esmam, enfatizou que a educação é a “pedra fundamental” para a mulher, principalmente, se posicione de maneira mais firme em todas as suas decisões. Acrescentou que a docência enriqueceu a sua função enquanto juíza. “Força de vontade e garra, nós, mulheres, temos de sobra”, completou.
A desembargadora do Trabalho Francisca Rita Alencar Albuquerque, do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (TRT11), em uma participação bem-humorada, lembrou que foi professora da Esmam e lecionou sobre a prática e as sentenças trabalhistas para os alunos da segunda turma da escola. E falou que a humanidade atual padece, principalmente, de dois grandes males, a miséria e a desigualdade.
A juíza Lúcia Viana, do TJAM, citou a mãe, Raimunda Corrêa Viana, que faleceu há quase um mês, para destacar a dedicação das mães no crescimento dos filhos enquanto cidadãos e profissionais. Durante sua fala, ela comentou um pouco de sua experiência de vida e enalteceu as mulheres presentes.
A desembargadora do Trabalho Márcia Nunes da Silva Bessa, do TRT11, contou que nesta Corte, o número de mulheres na segunda instância é maior. “Dos 14 desembargadores do Trabalho, nove são mulheres. E temos muitas mulheres em cargos de gestão. No Brasil, a maioria da população é mulher, então por que ela ainda se cala diante de abusos, de violências?”, questionou a magistrada.A desembargadora aposentada do TJAM Liana Mendonça, que fará 88 anos no final deste mês, encerrou a apresentação da primeira mesa de debates. Ela registrou avanços conquistados pela mulher ao longo das décadas e também citou o art. 5º da Constituição Federal de 1988.
A jornalista e advogada Luziane Figueiredo abordou a questão dos rótulos impostos à mulher pela sociedade, que muitas vezes são “destrutivos” e desencorajam o “empoderamento” feminino. Ela também fez críticas à sociedade que ainda pressiona definições de como a mulher deve ser, se comportar e o que fazer.
A delegada Juliana Puma também foi uma das palestrantes convidadas no encontro sobre a condição da mulher na pós-modernidade. Ela destacou que a maior dificuldade que enfrenta, como mulher, seja no cargo de delegada, em cargo de liderança ou estando na linha de frente em qualquer atuação, “são os estigmas, os tabus”. “Muita vezes nos deparamos com pessoas nos julgando por ser mulher, achando que você não é capaz, justamente por ser do sexo feminino”, disse.
A dentista Bruna Muniz contou a história da sua avó, que queria muito estudar, mas a família, muito arraigada com velhos conceitos de que a mulher não deveria educar-se, chegou a raspar a sua cabeça para que ela tivesse vergonha e não fosse à escola. Sua história inspirou a neta Bruna, que se formou em Odontologia e foi para Harvard estudar harmonização facial.
O sonho de ser médica impulsionou as decisões mais duras de Dária das Neves. “Não foi fácil estudar e enfrentar tantos obstáculos. Acreditei nos meus méritos”, comentou. “As portas não devem ser fechadas, mas se isso acontecer, você vai lá e abre”, completou. Em sua fala, Dária agradeceu a contribuição e inspiração de outras grandes médicas do Amazonas, dentre elas, Ione Brum e Adele Benzaken.
A comandante da Ronda Maria da Penha da Polícia Militar do Amazonas, ten. PM Adriane Silva de Oliveira, também participou do encontro. Ela ressaltou as grandes dificuldades que as mães enfrentam para conciliar carreira e filhos, sobretudo quando estes são bebês. E citou a importância da família falar sobre o respeito a qualquer pessoa, de passar esse valor às crianças.
Ana Carolina Messias, presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas (OAB-AM), reforçou o estereótipo imposto sobre a mulher negra no Brasil. Elas recebem os salários mais baixos e, segundo a advogada, em relação ao encarceramento no Brasil, mais de 60% das mulheres presas são negras. E apenas 2% das mulheres negras ocupam o Parlamento.
A procuradora Antonina do Couto Valle, do Ministério Público Estadual, abordou os desafios enfrentados pelas mulheres na carreira jurídica, especialmente no interior do Estado. Ela destacou que a mulher exerce um papel fundamental, com um olhar diferenciado no cotidiano e mais aprofundado. A mulher, segundo ela, é imprescindível para a mudança social.
A defensora pública Larisse Oliveira (DPE-AM) apresentou o último levantamento feito entre as Defensorias Públicas de todo o País, que revelou um equilíbrio no número de mulheres e homens nos quadros das instituições. “A pesquisa mostrou que 49% dos defensores são mulheres e 51% homens. Mas esse equilíbrio não se reflete nos cargos de chefia e direção, que ainda são mais ocupados por homens”, disse.
A vereadora Mirtes Sales, presidente da Comissão de Defesa e Proteção dos Direitos da Mulher da Câmara Municipal de Manaus, em um relato emocionante, contou sua história de vida e as dificuldades enfrentadas para concretizar seus sonhos. Em vários momentos, teve medo de passar fome. Em 2004, foi a terceira vereadora mais votada de Manaus e na última eleição, retornou ao parlamento municipal.
Texto editado do release da Assessoria de Comunicação da ESMAM, escrito por Acyanne Do Valle
Fotos: Raphael Alves