Escritores Márcio Souza, Zemaria Pinto e Jan Santos falam sobre a relação com o patrimônio
Cerca de 250 mil obras compõem o acervo da Biblioteca Pública do Amazonas. São livros, jornais antigos, revistas em quadrinhos, mapas, plantas de prédios históricos, CDs e DVDs que ajudaram diferentes gerações em pesquisas, estudos e na produção intelectual do estado. Neste domingo (17/5), o patrimônio completa 150 anos desde a lei de criação, em 17 de maio 1870, até o início dos trabalhos no edifício-sede, situado na rua Barroso, no Centro, em 1910, onde permanece atualmente. O espaço é administrado pelo Governo do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa.
O escritor e dramaturgo amazonense Márcio Souza foi um dos que teve a Biblioteca Pública como influência em sua formação. Ele conta que foi no espaço que adquiriu o gosto pela leitura, ainda na infância.
“Meu pai trabalhava próximo ao local e nos deixava, eu e meu irmão, no setor infantil da Biblioteca. No início achávamos chato, mas com a ajuda de uma bibliotecária, passávamos a manhã lendo e, com o tempo, fomos conquistados”, comenta. “O acervo, que contém obras raríssimas, e a riqueza arquitetônica de nossa Biblioteca Pública é de causar inveja a outros estados. É um tesouro tão rico quanto o Teatro Amazonas e merece ser preservado”, frisou.
O poeta Zemaria Pinto relata que começou a frequentar assiduamente o espaço nos anos de 1970, quando ainda estava se formando no ginásio e queria expandir seus conhecimentos sobre a literatura amazonense. “Tenho um carinho muito grande pela Biblioteca. Usei muito para pesquisar sobre a literatura do século 19 e início do século 20, já que a biblioteca onde eu estudava estava defasada. Foi lá que também entrei em contato com autores do Clube da Madrugada, pois os livros não eram encontrados facilmente. Conheci Jorge Tufic, Luiz Bacellar e outros grandes escritores pela Biblioteca Pública”, ressalta.
Escritores da nova geração também já veem na Biblioteca Pública um lugar de encontros com leitores, além atividades culturais que formam novos públicos e trazem novos frequentadores ao espaço. Jan Santos, escritor que integra o coletivo de literatura fantástica Visagem, iniciou uma relação mais próxima com a Biblioteca em 2016, quando lançou seu segundo livro, “A Rainha de Maio”.
“Desde então, iniciei uma parceria que dura até hoje e que é muito importante para mim, assim como para outros escritores, porque podemos realizar ações não apenas em relação a lançamento de livros, mas também de formação, como oficinas”, disse. “A equipe da Biblioteca sempre se mostra muito aberta e receptiva a nos atender, dando a estrutura necessária. Com o advento da tecnologia, a gente teme como o público vê a utilidade de espaços como esse, mas fico feliz de ver que a Biblioteca não é só um lugar para pesquisa, mas um centro cultural, com atividades extensas, que atraem o público”.
Visita Virtual – Com a recomendação do isolamento social a fim de impedir a propagação do novo coronavírus, a Biblioteca Pública do Amazonas está fechada, mas quem se interessar pode visitá-la virtualmente por meio da aba “Cultura Sem Sair de Casa”, no Portal da Cultura (cultura.am.gov.br), da Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas.
Na visita, o espectador é levado a conhecer os salões Genesino Braga, onde ficam as obras raras e de temática “Amazônia”; Thalia Phedra, com um acervo de obras gerais; Lourenço Pessoa, onde ficam os jornais antigos; e o salão Maria Luíza Cordeiro, com acervo de literatura regional, brasileira, estrangeira e infantil.
O espectador também pode ver a escada de ferro que veio de Glasgow, na Escócia; a bela pintura de Aurélio Figueiredo, que representa a Lei Áurea no Amazonas; a claraboia de telhas de vidro inglês; além das efígies gravadas no estuque de gesso do teto, que representam Teixeira de Freitas ( o “Jurisconsulto do Império”), Antônio Gonçalves Dias (romancista brasileiro que criou o indianismo romântico), Antônio Carlos Gomes (maestro e compositor brasileiro) e Johannes Gutenberg (criador do processo de impressão com tipos móveis).
“Esta foi uma forma do público continuar próximo de nossos espaços durante esse período de isolamento social. É também uma oportunidade para aqueles que nunca visitaram a Biblioteca Pública de conhecer esse patrimônio tão importante”, afirma o secretário de Cultura e Economia Criativa, Marcos Apolo Muniz.
Ponto de encontro – Diretor de Bibliotecas da Secretaria de Cultura e Economia Criativa há 12 anos, Sharles Costa ressalta que a Biblioteca Pública se manteve atual, oferecendo informação em diversos suportes, desde o livro físico até audiobooks, e-books, CDs e DVDs entre outros. Ele afirma que o local é um facilitador de informação e de troca de experiências entre as pessoas.
“Além de se adaptar às novas tecnologias, a programação da Biblioteca também se estende a seminários, colóquios, feiras de trocas de livros, encontros de clubes de leituras e assim foi se aproximando mais do público”, comenta o diretor. “Isso foi nosso trabalho de difundir o espaço e quebrar a distância que alguns ainda têm do prédio da Biblioteca. Então, o espaço não apenas guarda conhecimento, mas também proporciona essa troca de experiências”.
Bibliotecário há sete anos no local, Davi Carvalho destaca o sentido histórico do patrimônio como preservador da memória intelectual do estado e, também, como um ponto de encontro.
“Muitos historiadores e escritores estudaram na biblioteca para os trabalhos que desenvolveram durante a vida. Era o único lugar que eles tinham para pesquisar, então, faz parte da memória afetiva e intelectual do estado. Hoje as bibliotecas se transformaram e seguimos essa tendência que é ser um lugar de interação das pessoas, dando oportunidade de aprender além dos livros, com o aprendizado da interação”, disse.
Breve história e curiosidades – Apesar de ter sido criada em 1870 como uma sala de leitura, foi instalada apenas no ano seguinte, em 1871, no Liceu da cidade. Foi inaugurada como Biblioteca Pública Provincial em 25 de março de 1883, instalada na ala oriental do Consistório da Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição. Em 1884, seu acervo contabilizava em torno de cinco mil volumes formado por doação, livros da antiga Biblioteca do Liceu e compra de obras valiosas oriundas da Europa.
O edifício-sede na rua Barroso foi inaugurado em 1907, mas a Biblioteca iniciou os trabalhos somente em 1910. A Assembleia Legislativa também ocupou o prédio, no andar superior, a partir de 1913, e foi nesse andar que aconteceu o incêndio de 1945. As chamas destruíram parte da estrutura do prédio e cerca de 30 mil volumes, além de obras de arte de valor incalculável. Salvaram-se apenas 60 obras, que estavam emprestadas para uma exposição fora da Biblioteca no dia.
Genesino Braga, o diretor do local na época, iniciou uma campanha de doação que mobilizou a cidade para renovação do acervo. Nomes como Álvaro Maia, Adriano Jorge e Alfredo da Matta doaram de suas coleções particulares. A campanha arrecadou dois mil volumes.
Em 1947, a Biblioteca Pública foi reinaugurada e já contava com cerca 40 mil volumes. Desde então, passou por diversas reformas, sendo a última em 2007 que durou até 2013, quando foi reaberta ao público novamente. O acervo conta com obras raras, como o manuscrito original de São Bernardo, de Graciliano Ramos, entre outros; jornais que datam de 1860; álbuns de fotografias da antiga Manaus; além de plantas de prédios históricos e até de construções que nem chegaram a ser iniciadas por governos anteriores.
“Nada se compara a estar dentro de uma biblioteca e a experiência de buscar conhecimento dentro do espaço. Nunca antes ela foi tão importante em meio a tanta desinformação. Esperamos reabrir, assim que tudo isso passar, para recebermos nossos visitantes e leitores”, declara Sharles Costa.