Descontrole do fluxo fluvial poderia acarretar “contaminação em massa”, diz medida liminar, que suspende por 72h exigência prevista em MP da Presidência da República
Uma liminar concedida na noite desta segunda-feira (23/03) pela Justiça Federal, a pedido da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) e da Defensoria Pública da União (DPU), manteve a vigência do Decreto nº 42.087, do Governo do Amazonas, determinando a paralisação do fluxo de passageiros em transporte fluvial no estado. A ordem anula trecho da Medida Provisória (MP) assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, que condiciona a um “parecer técnico” da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a restrição de passageiros em rodovias, portos e aeroportos.
A liminar assinada pela juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe impôs prazo de 72 horas para que o decreto do Governo do Amazonas siga em vigor, até a manifestação da União e do Ministério Público Federal, e posterior julgamento do mérito. Enquanto não houver as manifestações, “prevalecerá o inteiro teor do Decreto do Governador do Estado do Amazonas, que restringiu o transporte fluvial de passageiros, com as devidas restrições em casos de urgência, prestação de serviços e transporte de mercadorias”.
De acordo com a magistrada, a população do Amazonas está em vias de sofrer “contaminação em massa” se não for controlado pelo governo estadual o fluxo fluvial. “A continuar a omissão da manifestação técnica da Anvisa, negando até mesmo as recomendações do Ministro da Saúde, não haverá mais tempo para contenção do tráfego do vírus Covid-19”, diz.
A Ação Civil Pública com pedido de liminar afirma que o Decreto nº 42.087/2020, do Governo do Amazonas, leva em conta as peculiaridades regionais e atende a determinação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do próprio Ministério da Saúde, ao suspender o serviço de transporte fluvial de passageiros. Informa, ainda, que a ordem estava sendo fiscalizada pela Marinha do Brasil, antes da MP de Bolsonaro.
“Ocorre que, em 20 de março de 2020, a Presidência da República publicou a Medida Provisória 926/208, que altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020”, estabelecendo que a “restrição excepcional e temporária” em rodovias, portos ou aeroportos se dará apenas com a recomendação técnica e fundamentada da Anvisa.
“Em decorrência da medida de âmbito federal e no sentido de demonstrar a correspondente obediência, a Marinha do Brasil passou a entender que não deveria mais atender ao que fora determinado no mencionado Decreto nº 42.087/2020 (do Governo do Amazonas) e decidiu por autorizar o livre fluxo de passageiros no estado. A partir disso, as empresas do setor de embarcação já se preparam para retomar a rotina de navegação, especialmente aquelas que prestam o serviço de transporte de passageiros”, informa trecho da ação.
A DPE-AM e a DPU alegaram que não há UTIs no interior e, em caso de disseminação do coronavírus, o deslocamento dos munícipes para a capital Manaus é extremamente difícil. “O Amazonas possui peculiaridades regionais (grandes distâncias e dificuldade de transporte rápido e economicamente viável num momento de crise) e um verdadeiro deserto em UTIs no interior, de modo que, acaso não contido o fluxo de pessoas para essas pequenas e desguarnecidas cidades, a tragédia humana será de grandes proporções”, afirmam as Defensorias.
Conforme a ação, “o único trunfo” para evitar que o ritmo de contágio também seja em escala exponencial no interior do Amazonas é o isolamento geográfico. “Essa arma, hoje, encontra-se fragilizada pela possibilidade de deslocamento irrestrito de pessoas advindas de Manaus. Aliás, a necessidade de suspender o tráfego de pessoas não previne apenas a população que vive no interior do estado. Isso porque, sendo a Covid-19 uma doença que se transmite em escala exponencial, é interesse de todas as pessoas no Amazonas que haja leitos disponíveis”, acrescenta.
A Ação Civil Pública foi apresentada nesta segunda-feira (23/03) à Justiça Federal e é assinada pelo defensor geral do Amazonas, Ricardo Paiva; o subdefensor geral, Thiago Nobre Rosas; o defensor público federal regional de Direitos Humanos do Amazonas e de Roraima, Luís Felipe Cavalcante; e os defensores Enale Coutinho, Gabriela Gonçalves, Gabriel Herzog, Luiz Gustavo Cardoso e Rafael Lutti.