DANIEL MONTEIRO
DA REDAÇÃO
Nesta quarta-feira (21/08), a Comissão de Saúde, Promoção, Trabalho e Mulher realizou audiência pública para debater a violência obstétrica praticada contra mulheres nas redes pública e particular de saúde. Iniciativa da vereadora Juliana Cardoso (PT), o encontro contou com a participação de representantes do Executivo, Poder Judiciário, universidades, entidades de acolhimento na área da saúde e movimentos organizados da sociedade civil.
O foco da audiência foi a orientação emitida em maio pelo Ministério da Saúde, pedindo que fosse evitado o uso do termo “violência obstétrica” em documentos oficiais de políticas públicas. Conforme entendimento do ministério à época, a expressão se referia ao uso intencional da força e, portanto, não seria aplicável a todos os incidentes da gestação ou do parto. E também da fase chamada de puerpério, que se refere ao período pós-parto e até que os órgãos reprodutores femininos voltem ao estado anterior à gravidez.
De acordo com o documento, a expressão foi considerada imprópria pelo ministério porque, nos momentos de atendimento à mulher, “tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas não tinham a intencionalidade de prejudicar ou causar dano”. Contudo, após pressão social e orientação do Ministério Público Federal, a orientação foi revista, e o termo voltou a ser reconhecido.
Durante a audiência, a postura inicial do Ministério da Saúde foi criticada por Elizabeth Franco Cruz, docente do curso de Obstetrícia da EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) da Universidade de São Paulo. “Isso chocou a todos os envolvidos… pesquisadores, ministério público e movimentos feministas. A tentativa de deslegitimar o uso da expressão violência obstétrica é um retrocesso na luta histórica para obter reconhecimento de nossos direitos enquanto mulheres”, afirmou a professora da USP.
A opinião da obstetra foi seguida pela presidente da Associação de Alunos Egressos do Curso de Obstetrícia da USP, Mayara Custódio. “Pensando em um país onde uma em cada quatro mulheres grávidas relata sofrer violência obstétrica, como aceitar que o termo seja suprimido? É preciso fazer uma reflexão a cerca do todo, desde o acolhimento, passando pelo atendimento e culminando no tratamento dado à mulher. É necessário enxergar todo o sistema para tentar mudá-lo e, assim, diminuir a violência praticada”, enfatizou Mayara.
Representante do MPF-SP (Ministério Público Federal de São Paulo), a procuradora Ana Carolina Previtalli Nascimento contestou as justificativas dadas pelo Ministério da Saúde. “Mesmo que os médicos não ajam dolosamente, eventualmente eles podem praticar alguma violência”, avaliou. Isso ocorre quando não são seguidos os protocolos de atendimento ou acolhimento, disse a procuradora, o que também caracterizaria violência obstétrica.
Na audiência pública, Ana Carolina elencou algumas ações do MPF-SP para proteger os direitos das mulheres. Um dos pontos destacados foi a divulgação do documento “Prevenção e Eliminação de Abusos, Desrespeito e Maus-tratos Durante o Parto em Instituições de Saúde”, emitido em 2014 pela OMS (Organização Mundial da Saúde), agência da ONU (Organização das Nações Unidas) para a área da saúde.
Outras ações de enfrentamento ao problema foram apresentadas na audiência. Sônia Raquel Wippich Coelho, responsável pela área técnica de Saúde da Mulher da Secretaria Municipal de Saúde, informou que São Paulo possui 41 maternidades na rede pública. Desse total, 19 estão sob a gestão do município – e nove atenderiam integralmente aos protocolos de proteção contra a violência obstétrica. Nas demais unidades, o protocolo está em processo de implantação.
Sônia informou ainda que em 2018 foram realizadas 840 mil consultas de pré-natal na cidade. E atualmente 56 mil gestantes realizam pré-natal nos equipamentos municipais de saúde.
Além disso, 52% dos partos são feitos nas maternidades municipais. “Estamos implementando diretrizes de atendimento à mulher grávida com foco na captação precoce de gestantes. Hoje, 84% das mulheres realizam as sete consultas ou mais de pré-natal graças a esta iniciativa”, disse a representante da secretaria.
Segundo Sônia, a secretaria também disponibiliza exames, transporte e a aplicação de vacinas. Outra iniciativa importante, segundo ela, é a garantia da realização do parto na maternidade de referência, ou seja, na unidade mais próxima da residência da gestante.
“Realizamos abordagens individuais ou em grupo, com o objetivo de informar as mulheres e reduzir o número de partos indesejados, principalmente de adolescentes. E oferecemos o DIU [dispositivo intrauterino] ou o implante subcutâneo de contraceptivo, sempre focando o empoderamento da mulher”, destacou Sônia.
Presidente da Comissão de Saúde, Promoção, Trabalho e Mulher, a vereadora Edir Sales (PSD) ressaltou a importância da discussão realizada na audiência. “Discussões como essa servem para mostrar que a violência não é somente física, é emocional, moral, psicológica… É uma realidade que precisa ser combatida”, concluiu a vereadora.
Para a vereadora Juliana Cardoso (PT), o principal aspecto da audiência foi a pluralidade do debate. “Esse evento foi extremamente representativo, com diferentes atores se debruçando na resolução do problema. Só dessa forma conseguiremos vencer os muros que são erguidos e vencer os retrocessos que estão surgindo em relação à violência obstétrica”, disse Juliana.
Também participaram da audiência os vereadores Noemi Nonato (PL) e Milton Ferreira (PODE).
Estiveram presentes ainda a doula Fermina Silva Lopes, representante do Movimento de Saúde da Zona Leste; Carmen Simone Grilo Diniz, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP; Amanda Meskaukas Melkunas, coordenadora administrativa da Casa Ângela; Lúcia Helena de Azevedo, assistente-técnica de Saúde da Mulher da Secretaria Municipal de Saúde; e Simone G. Diniz, docente da Faculdade de Saúde Pública da USP.