A utilização de agrotóxicos no Brasil foi tema de debate, nesta segunda-feira (16), em comissão geral pelo plenário da Câmara dos Deputados. O tema divide as opiniões no Parlamento. Atualmente, tramitam na Câmara propostas tanto para simplificar a liberação dessas substâncias (PL 6299/02) quanto para restringir a localização de uso, além de aumentar o rigor na liberação de registros (PL 6670/16).
Para o presidente da comissão geral, deputado Luiz Nishimori (PL-PR), o uso de agroquímicos e de defensivos na produção agrícola do país precisa passar por extenso debate e amadurecimento. Segundo Nishimori, somente no ano de 2019, quase 300 substâncias já foram liberadas para a comercialização. “Isso representa um aumento de aproximadamente 30% em relação ao ano anterior e configura o maior crescimento em números absolutos dos últimos anos”, disse.
O parlamentar ressaltou, contudo, que “o fato de que aproximadamente 32% dos produtos liberados este ano já são proibidos na União Europeia não pode ser menosprezado pelas autoridades brasileiras e pelo Poder Público”.
Nishimori é o relator do PL 6299/02, que autoriza a liberação de novos pesticidas, mesmo sem testes conclusivos dos órgãos ambientais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Essas substâncias teriam registro temporário, desde que possuam especificações idênticas em pelo menos 3 dos 37 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Economia
O professor do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Universidade de São Paulo (USP), Mauro Osaki, apresentou dados sobre a importância econômica do tratamento da produção por meio de estudo que analisou três safras agrícola, entre 2014 e 2017, em 14 estados.
“Para realizar o tratamento o setor da soja, por exemplo, gasta-se em torno de R$ 19 bilhões só com defensivos agrícolas”, apontou Osaki. O estudo indicou que a ausência do tratamento provocaria a redução em 30% da produção de soja e para manter o preço dos produtos agrícolas seria necessário investimento de R$ 47 bilhões em subsídios federais.
Também integrante do estudo, o professor do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP, Lucílio Alves, ressaltou que uma praga gerar um impacto de R$ 8 bilhões por ano à produção agrícola.
“Na prática, se o produtor hoje não cuidar da doença, ele perde em produtividade, mas tem um aumento de preços, porém ele ainda teria resultados negativos em termos de rentabilidade. Então por que o produtor cuida das suas lavouras e aplica defensivos agrícolas? Exatamente para que ele mantenha a rentabilidade dos seus investimentos”, explicou.
Para o diretor de Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Carlos Goulart, não há insegurança alimentar com o uso de agroquímicos e de defensivos na produção agrícola.
“Não existe essa questão de insegurança do alimento, como se tenta pregar. O mundo inteiro, observando essa guerra, não deixaria isso passar incólume; já teria observado e, se isso fosse verdade, detectado e restringido diversas exportações nossas. Mais de 160 países recebem produtos agrícolas brasileiros”, argumentou.
Segundo Goulart, as leis brasileiras na área estão ultrapassadas. “A nossa legislação tem 30 anos. Completou 30 anos agora, em julho último. A indústria da inovação nesse setor avançou extraordinariamente, em descompasso com essa legislação”, afirmou. “O Ministério da Agricultura vê com bons olhos a revisão da legislação atual. Legislações precisam ser adequadas à necessidade de uso da economia, de atividades econômicas”, acrescentou.
Zonas de uso restrito e livres de agrotóxico
Na tentativa de restringir a liberação de agrotóxicos, o Projeto de Lei 6670/16, estabelece a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos. O relator da matéreia, deputado Nilto Tatto (PT-SP) propõe, entre outras medidas, a criação de zonas de uso restrito e até zonas livres de agrotóxicos, como áreas próximas a escolas e residências. Também proíbe o uso de produtos considerados extremamente tóxicos e prevê a revalidação dos registros a cada dez anos.
“Aquele que produz sem utilizar o veneno não tem dinheiro, não tem assistência técnica, não tem apoio para fazer com que o produto dele chegue para os trabalhadores terem acesso. Hoje, quem quer comer um produto orgânico paga caro no supermercado, porquê? Porque aquele que produz de forma orgânica não tem o subsídio para fazer com que esse produto chegue para os mais pobres”, avaliou Nilto Tatto.
Para a representante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Juliana Acosta Santorum, a sociedade “não quer mais venenos na sua comida”. A sanitarista construiu a plataforma Chega de Agrotóxicos, petição online que já reúne 1,7 milhão de pessoas a favor da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos e contrárias ao PL 6299/02.
“Se perguntarmos para qualquer família se prefere um prato de comida, uma fruta ou um copo de água com ou sem veneno, a resposta é óbvia. Por mais que tentem ocultar o risco, a sociedade já percebeu que agrotóxicos são substâncias perigosas”, argumentou.
A apresentadora Bela Gil ressaltou a necessidade de construção de políticas públicas que apoiem produções agrícolas que dispensem o uso de agrotóxicos. “O que estamos pedindo aqui não é um milagre da noite para o dia. Não estamos dizendo que a agricultura convencional tem que acabar agora, parar tudo e começar do zero, o que estamos pedindo, isto é, só queremos saber por que não existe nenhum movimento para que isso se torne realidade um dia”, disse.
Edição: Denise Griesinger