Ideia é aproveitar madeiras de reflorestamento da região para o cultivo de cogumelos nativos
O primeiro cultivo de cogumelo comestível da espécie Lentinula raphanica, em escala experimental, no mundo, foi realizado por pesquisadores no Amazonas, com o intuito de gerar um produto alimentício a partir da biodiversidade da floresta amazônica.
Com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), a pesquisa científica pioneira apontou que essa espécie de cogumelo pode ser uma alternativa economicamente viável, com grande potencial de uso na indústria alimentícia, e pode se tornar uma nova fonte de produção e renda aos futuros fungicultores do estado.
O projeto “Produção de Lentinula raphanica, um cogumelo comestível da Amazônia, utilizando substratos regionais” foi desenvolvido no laboratório de Microbiologia de Alimentos, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), na Coordenação de Biodiversidade, por meio do Programa de Apoio à Fixação de Doutores no Amazonas (Fixam/AM), edital Nº 022/2013.
A coordenadora do projeto, Ruby Vargas-Isla, explica que, entre as diversas possibilidades de utilização dos fungos, o cultivo de cogumelos (fungicultura), tem sido considerado uma ótima alternativa alimentar de alto valor nutricional, gastronômico e econômico.
Método – Para o estudo, primeiro os pesquisadores coletaram, identificaram, selecionaram e isolaram o fungo da espécie Lentinula raphanica. O segundo passo foi produzir um substrato, utilizando uma formulação a partir de resíduos agroflorestais regionais (serragem de madeira) enriquecidos com farelo de arroz e cascas de frutos da região.
Em seguida, os pesquisadores retiraram um fragmento do interior do cogumelo (contexto) e adicionaram esse fragmento ao meio de cultura estéril, com o objetivo de acelerar o crescimento e avaliar as condições de crescimento.
O fungo necessita dessa matéria orgânica, que é o substrato a base de resíduos agroflorestais, para desenvolver-se. A partir da junção do substrato com o fungo isolado, dá-se a origem à produção da semente-inóculo, que é o primeiro passo para o cultivo de cogumelos comestíveis.
A produção desse composto é inoculada (introduzida) em vários furos feitos previamente nas toras de madeira de reflorestamento de castanheira-do-brasil (Bertholletia excelsa), que servem como substrato ou matéria prima para o experimento.
Após a inoculação, impermeabilização e incubação, as frutificações de cogumelos ocorrem geralmente num período de colonização entre sete e oito meses.
A metodologia utilizada para o cultivo da espécie Lentinula raphanica é baseado na inoculação da semente-inóculo do fungo em toras de madeiras é o mesmo método utilizado para cultivar outra espécie de fungo comestível como a Lentinula edodes (shiitake), espécie cultivada em escala industrial e em climas temperados.
Consumo – A comestibilidade dos cogumelos de algumas espécies de ocorrência natural da Amazônia foi registrada nas décadas de 1970 e 1980 pelos botânicos Oswaldo Fidalgo e Guillean Prance. Entretanto, a L. raphanica não havia sido registrada por estes pesquisadores.
Segundo a pesquisadora, apenas em 2016, na publicação do livro dos alimentos do povo indígena Yanomami (Sanöma), foi relatado o consumo de L. raphanica entre as 16 espécies de cogumelos comestíveis consumidos, e agora comercializados por comunidades da região do Awaris, no extremo noroeste de Roraima. Estes relatos indicam que L. raphanica apresenta potencial de uso como alimento da floresta dos trópicos.
Em Manaus, existe mercado para a produção desses cogumelos da espécie L. raphanica. A pesquisadora explica que a produção foi destinada a chefs de dois restaurantes da cidade para testes e estes receberam bem a novidade.
“A produção foi vendida aos estabelecimentos pelo proprietário do sítio onde parte do experimento foi realizado. A atividade é um dos primeiros passos para iniciar a prática da fungicultura no estado do Amazonas”, explicou.
Importância do estudo – O projeto contribuiu para avançar nos estudos de implantação de uma nova atividade produtiva, a fungicultura da espécie L. raphanica de ocorrência natural no estado do Amazonas, utilizando toras de madeira de reflorestamento, bem como na divulgação da espécie comestível principalmente no campo da gastronomia na busca de novos sabores da Amazônia.
De acordo com a pesquisadora, integrante do Grupo de Pesquisas Cogumelos da Amazônia, foi realizada também a implantação do Fungário no Museu da Amazônia (Musa) como parte da divulgação para a sociedade sobre a biodiversidade dos fungos e para mostrar algumas espécies comestíveis encontradas no Jardim Botânico Adolpho Ducke.
“No entanto, ainda há muitos pontos a serem melhorados para se chegar a uma produção autossustentável pelo produtor rural, e outros trabalhos devem ser realizados para dar continuidade à produção de cogumelos como, por exemplo, avaliar a produtividade em grande escala; realizar estudos sobre os danos causados por insetos ‘pragas’ das madeiras e dos cogumelos frutificados; estudos de pós-colheita; análises bioquímicas do cogumelo e dos substratos, entre outros”, disse Ruby.
Fixam – O programa visa estimular a fixação de recursos humanos com experiência em ciência, tecnologia e inovação e/ou reconhecida competência profissional em instituições de ensino superior e pesquisa, institutos de pesquisa, empresas públicas de pesquisa e desenvolvimento, empresas privadas e microempresas que atuem em investigação científica ou tecnológica. Objetiva ainda propiciar o fortalecimento dos grupos de pesquisa existentes e a criação de novas linhas de pesquisa de interesse regional, mediante a contínua integração entre os setores acadêmico, científico e o Estado.