Está ganhando força entre os senadores a ideia de o Senado Federal incluir os servidores públicos estaduais, distritais e municipais na reforma da Previdência Social por meio de uma segunda proposta de emenda à Constituição, uma “PEC paralela”. Essa seria a saída para não atrasar a promulgação do texto principal da reforma (PEC 6/2019), já aprovado pelos deputados e que já está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Se a proposta sofrer qualquer tipo de alteração no Senado, terá de voltar para nova análise da Câmara dos Deputados. Se o texto aprovado pelos senadores for o mesmo dos deputados, a reforma da Previdência será promulgada mais rapidamente pelo Congresso Nacional.
A presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS), e o relator da PEC, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), já afirmaram que esse deve ser o caminho a ser seguido pelos senadores. Uma PEC paralela foi mencionada como possível nos últimos dias inclusive pelos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia.
O presidente do Senado afirmou que todos os senadores serão ouvidos sobre a reforma e disse que a Casa precisa discutir a situação de estados e municípios.
— O Senado não pode se furtar desse debate, porque nós estamos aqui para isso: defender 5.570 prefeitos e 27 governadores. Faremos isso na construção dessa nova PEC — disse Davi, ao lembrar que a nova PEC precisa ser elaborada e votada em entendimento com a Câmara para que possa ser aprovada depois na outra Casa Legislativa.
Estados e municípios
A inclusão de servidores de estados e municípios nas regras já aprovadas da reforma da Previdência constava da versão original da proposta, enviada pelo Executivo, mas foi excluída na preparação do substitutivo da comissão especial. Outros pontos que poderiam constar nesse texto paralelo são o sistema de capitalização, melhorias nas regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), abono salarial e o chamado ‘gatilho demográfico’, que prevê aumento automático da idade mínima de aposentadoria com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a expectativa de vida da população brasileira.
No mesmo dia em que a reforma da Previdência chegou ao Senado, a senadora Simone Tebet avisou que é grande a possibilidade de os senadores votarem o texto aprovado pela Câmara sem alterações, ficando possíveis mudanças ou acréscimos para uma reforma paralela, a fim de não atrasar a promulgação da reforma principal.
— O sentimento da Casa não é de alterar o texto aprovado pelos deputados federais, mas de fazer as alterações necessárias por meio de um texto paralelo, podendo incluir estados, Distrito Federal e municípios — avaliou Simone.
O relator Tasso Jereissati fez a mesma avaliação. Ele concorda que o texto dos deputados deve ser confirmado pelos senadores, que formulariam essa PEC paralela para tratar de temas como a inclusão de estados, Distrito Federal e municípios nas novas regras previdenciárias, e o sistema de capitalização, pontos retirados pelos deputados federais.
— Nosso compromisso com o país e com o Senado é de que o coração da reforma não volte para a Câmara para não atrasar a promulgação. Na minha opinião, a PEC já foi bastante discutida na Câmara, é ótimo o projeto que veio da Câmara, mas a grande ausência é a questão dos estados e municípios — disse o relator.
Entretanto, pouco depois, também na semana passada, o ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Onyx Lorenzoni, afirmou que o governo pretende enviar até o fim de agosto uma nova PEC para tratar, de maneira específica e detalhada, do sistema de capitalização. Para a presidente da CCJ, o governo precisa tomar cuidado com essa questão.
— O governo tem que tomar cuidado em relação com qualquer projeto que queira mandar para o Senado ou para a Câmara neste momento relacionado à reforma da Previdência. Afinal, a Câmara já fez sua parte. Ela já recusou incluir estados e municípios, já recusou o sistema de capitalização. O governo querer colocar alguma coisa nesse sentido novamente tem uma discussão até jurídica se poderia, uma vez que a Câmara já disse não. É um embate que precisa ser feito dentro do Senado porque o Senado sim pode avançar ou não nessas questões — disse Simone à TV Senado.
Oposição
A oposição já avisou que pretende discutir e aperfeiçoar o texto da reforma. O senador Paulo Paim (PT-RS), por exemplo, disse à Agência Senado que vários senadores vão propor emendas para alterar o texto aprovado pelos deputados, mas reconhece que a vida da oposição não vai ser fácil. Ele vê necessidade de alterar regras em temas como aposentadorias especiais, BPC, aposentadoria por invalidez, entre outros.
— O normal é que as mudanças que dezenas de parlamentares estão propondo sejam apreciadas e votadas para entrar no corpo da proposta que veio da Câmara. Se ali perdermos e tivermos que ir para outra PEC, o debate continua. Mas eu acredito que, para valorizar o Senado, o Senado não pode só carimbar a proposta que veio da Câmara. O Senado deveria fazer as alterações necessárias e que a PEC da Previdência volte para a Câmara — disse Paim.
Também ouvido pela Agência Senado, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) defendeu que o Senado crie outra PEC, mas para estabelecer a obrigação de estados e municípios aprovarem suas próprias reformas previdenciárias, para que a realidade de cada ente seja levada em consideração.
— Você não pode tratar estados tão diferentes de forma igual. Tem estado que tem 500 anos de existência, tem estado que não tem nem 50 anos de existência. Obviamente que a solvência do sistema previdenciário desses estados é totalmente diferente. Receitas e despesas são diferentes. Quanto à capitalização, acho que é uma discussão que dá para ser feita, é um modelo novo que pode ser discutido no Senado, mas sem pressa. Acho que é preciso aprovar o que veio da Câmara, dar a resposta que o país precisa, e, esses outros assuntos, discutir no momento certo, no foro adequado — afirmou Marcos Rogério.
Análise minuciosa
O senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) disse recentemente em Plenário que o Senado não será um mero “carimbador” da reforma da Previdência e que os parlamentares irão se debruçar a respeito do mérito de cada item para que o texto “esteja adequado ao que se pretende para o país”. Opinião parecida tem a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), para quem o Senado tem que analisar item por item do texto aprovado pela Câmara.
Do mesmo modo, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) rejeitou a possibilidade de o Senado apenas carimbar o texto da Câmara. Entre os pontos que precisam ser modificados no texto aprovado pelos deputados, na avaliação do senador, está o dispositivo que limita a concessão do BPC. Ele também defendeu a inclusão dos estados e municípios na reforma.
Em entrevistas recentes à Rádio Senado, outros parlamentares comentaram a situação. O senador Rogério Carvalho (PT-SE) afirmou que a inclusão de servidores de estados e municípios na reforma ou em uma PEC paralela depende muito do interesse de governadores e prefeitos e que a ideia tem que ser debatida pela Casa. Já a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) disse querer retomar o pagamento do BPC para quem ganha meio salário mínimo e do abono salarial para o limite de dois salários.
— Se você constitucionaliza, você passa por cima de uma jurisprudência que estabelece até meio salário mínimo para ter direito ao BPC. Com essa alteração indo para a Constituição, nós vamos cair para um quarto de salário mínimo. Isso na verdade é um retrocesso. Quem vive com até meio salário mínimo está em uma condição de pobreza — disse Eliziane.
Na manhã desta segunda-feira (12), a Comissão de Direitos Humanos (CDH) debateu a reforma da Previdência com representantes do governo e de sindicatos. Na ocasião, o presidente da comissão, Paulo Paim, disse estar preocupado com a possibilidade de o Senado apenas confirmar o texto dos deputados sem mudanças.
De acordo com Paim, isso aconteceu com a reforma trabalhista em 2017, na aprovação da Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos) em dezembro de 2016 e deve acontecer também com a MP da liberdade econômica (MP 881/2019), que tornou-se um texto amplo, com propostas de mais modificações em regras trabalhistas e do fim do e-Social.
— Se o Senado só carimbar a PEC 6, vai estar dando um tiro no pé, porque essa reforma da Previdência sem dúvida nenhuma trará prejuízo para todos os trabalhadores, do campo e da cidade, aposentados, pensionistas ou não — disse Paim.
Previdência estadual
Em junho, a Instituição Fiscal Independente (IFI) publicou um estudo sobre a situação dos regimes previdenciários estaduais. O documento identificou quadros graves em estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, onde o sistema consome cerca de 30% da receita líquida.
O desequilíbrio decorre em grande medida de regras favoráveis aos segurados, como aposentadoria precoce e benefício em valor muito próximo ao da remuneração do servidor ativo. O problema dos estados é agravado pelo fato de cerca de metade dos seus servidores pertencerem a categorias que têm tratamento especial, notadamente professores e militares.
PEC paralela
O recurso da ‘PEC paralela’ não é inédito, já foi usado na reforma previdenciária de 2003, quando o Senado analisava a proposta que se tornaria a Emenda Constitucional 41. Aquela reforma extinguiu a aposentadoria integral no serviço público e a paridade de reajustes para servidores aposentados, além de instituir cobrança de contribuição previdenciária sobre o valor recebido por servidores já aposentados.
Na ocasião, senadores da base do governo que eram críticos do texto firmaram um acordo para não promover alterações sobre a proposta principal, de modo a permitir a sua promulgação rápida. Em troca, apresentaram uma segunda PEC sobre o mesmo assunto, que alteraria os pontos polêmicos. Ela foi chamada de “paralela” porque tramitou no Senado ao mesmo tempo que a PEC que continha as regras que ela mudaria. Enquanto o texto original foi mandado à promulgação, o paralelo seguiu para a Câmara, onde viria a ser aprovado.
A PEC paralela de 2003 foi apresentada uma semana depois da aprovação do texto principal da reforma na comissão especial do Senado. Promulgada em 2005, ela se transformou na Emenda Constitucional 47, que, entre outros pontos, garantia a integralidade e a paridade para servidores ainda na ativa e instituía regras de transição.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)