As regras de transição propostas pelo governo no texto da reforma da Previdência (PEC 6/2019) foram debatidas na manhã desta terça-feira (27) em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH). Alguns convidados criticaram a alta diferenciação entre categorias de trabalhadores, como no caso dos pedágios, que podem ir dos 17% previstos para militares até 100% de outras categorias.
Representante da Federação Nacional dos Auditores e Fiscais de Tributos Municipais (Fenafim), Célio Silva reclamou da “personalização” das regras de transição.
— Elas são injustas. O mais lógico seria acrescer o tempo de trabalho, por exemplo, em 10% ou 20% para todos.
Paulo Lino Gonçalves, presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) também considera as regras de pedágio injustas e comparou o esforço do governo na votação rápida da reforma previdenciária com a época da aprovação da reforma trabalhista.
— A reforma trabalhista não gerou um emprego sequer. Aliás, trouxe desemprego. Agora, tem muita coisa injusta nesta PEC que precisa ser discutida. O servidor que está hoje a quatro meses de se aposentar vai ter de trabalhar mais quatro anos. O trabalhador vai pagar um pedágio de 100%, o parlamentar de 30%, e o militar de 17%. Não é justo — avaliou.
Para o representante do Sinal, a progressividade nas alíquotas de contribuição previdenciária é inconstitucional e a capitalização pode voltar a rondar a PEC.
— Essa vontade de transferir a Previdência para o mercado financeiro não saiu do radar do governo ainda. Podemos esperar um novo projeto de lei ou uma PEC paralela com essa matéria — avisou.
Na mesma linha, o diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Emerson Lemes, mostrou que a Previdência não tem como ser deficitária se for bem administrada, e que o mercado financeiro tem interesse claro em gerenciar seus recursos.
— A sede dos bancos para administrar a Previdência é a prova de que ela é lucrativa. Banco não entra em negócio para perder dinheiro, mas sabe administrar bem.
Na opinião da senadora Zenaide Maia (Pros-RN), o que castigou a Previdência foi a Desvinculação de Receitas da União (DRU) e renúncias fiscais, entre outros. Ela disse que é preciso arrecadar de quem verdadeiramente precisaria pagar. Lembrou da MP 795/2017, que anistiou em R$ 1 trilhão, na forma de renúncias fiscais e por 25 anos, todos os impostos das grandes petroleiras.
— Desde janeiro de 2018, elas não pagam, não geram emprego e não alavancam a economia.
Segundo o governo, a reforma da Previdência trará economia de quase R$ 1 trilhão nos primeiros dez anos de vigência das novas regras.
Para o advogado André Luiz Bittencourt, a gestão previdenciária é ineficiente e os brasileiros não têm maturidade suficiente para trabalhar apenas com o sistema privado de previdência. Ele avalia que faltam regras de controle que dão à população ciência e segurança sobre o investimento e como ele será recebido no futuro.
— Pouco se gasta para mostrar para a população como investir seu dinheiro — afirmou Bittencourt.
O advogado apontou que no atual texto da reforma não está previsto benefício para os idosos que nunca atingirão os critérios de aposentadoria e que ficarão à margem do sistema previdenciário, mesmo tendo contribuído por um tempo antes de ficarem incapacitados para o trabalho.
Ele comparou a situação com a da Colômbia, onde quem não completa a carência mas completa a idade mínima pode ter um benefício parcial vindo de um fundo próprio.
— É uma camada de desalentados que fizeram a contribuição, mas não podem se aposentar. Por isso, recebem um benefício a partir dos 60 anos.
Lucimara Rosa Jimenez, advogada especialista em direito previdenciário, previu que, sem esse auxílio e sem acesso a benefícios de prestação continuada, os “inaposentáveis” correm o risco de estar abaixo da linha da pobreza.
— Daqui a dez anos o Brasil vai ser um país de velhinhos miseráveis — previu.
Lucimara mostrou supostas incoerências do sistema proposto para aqueles que precisam do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Uma delas é a possibilidade de a propriedade de imóvel do Minha Casa, Minha Vida ser critério de exclusão do cadastro do BPC de alguém que precisaria do benefício.
Servidores
A aposentadoria dos servidores públicos foi o foco da exposição de alguns convidados. Auditor de Controle Externo e professor especialista no regime próprio dos servidores (RPPS), Alex Sertão comentou que a lógica da reforma é que o servidor contribui mais e por mais tempo para receber menos, por menos tempo.
— Ele vai receber menos no benefício porque o cálculo de média é de 70% do resultado, após 25 anos de tempo mínimo de contribuição, somado a 2% para cada ano a mais de contribuição que ultrapasse 20 anos. Será considerado para o cálculo 100% do período contributivo desde julho de 1994.
Por outro lado, trabalhando mais tempo, o servidor receberá o benefício por menos tempo porque, com o aumento da idade mínima de aposentadoria, sua expectativa de sobrevida após aposentado já é menor, já que se aposentará mais perto da morte.
Uma das principais reclamações de Sertão é sobre paridade e integralidade na PEC 6/2019. Ao extinguir as regras do artigo 6º da Emenda 41, e do artigo 3º da Emenda 47 dos critérios anteriores para aposentadoria dos servidores públicos, a reforma cria como regra de transição básica a contagem de pontos.
— Aquele somatório de contribuição e idade que você não alcança nunca. A regra do pedágio de 100% bem poderia ter sido 50%.
Contribuições Extraordinárias
Outro ponto bastante criticado por Sertão foi o fato de as alíquotas dos servidores públicos serem progressivas e estarem previstas contribuições extraordinárias. Décio Bruno Lopes, presidente do Conselho Executivo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) previu que elas levarão a uma situação de penúria, tanto servidores quanto os trabalhadores vinculados ao Regime Geral da Previdência.
— O Senado precisa suprimir do texto a possibilidade de contribuições extraordinárias.
Décio referiu-se ao acordo que está sendo costurado com o relator da reforma, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), no sentido de as emendas feitas no Senado serem apenas supressivas — ou seja, que retirem, mas não acrescentem, ao texto aprovado pela Câmara. Dessa forma, a PEC seria modificada, mas promulgada sem devolução para os deputados.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) não concorda com a possibilidade de se aprovar a reforma apenas como emendas supressivas.
— Se tiver de voltar o texto modificado para a Câmara, então que ele volte. Nós não somos carimbadores, e o Senado não pode se apequenar diante desse assunto — declarou o senador.
Para Décio, o problema maior da Previdência está na função arrecadatória, e, para ele, a situação dos órgãos fiscalizadores está dificultada.
— É preciso fortalecer as receitas mas, para isso, é preciso fortalecer os órgãos de fiscalização.
Aposentadorias Especiais
Vários convidados criticaram a mudança nas aposentadorias especiais, que passam a exigir idade mínima do beneficiário, mesmo mantendo o tempo de contribuição mais baixo.
Emerson Lemes, do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciários (IBDP), citou o caso hipotético de uma pessoa do setor gráfico, que tem aposentadoria especial garantida, mas que por causa da idade mínima, vai trabalhar cerca de sete anos a mais para atingir o critério de idade, e, ainda que se aposente, ganhará como benefício 16,5% a menos do que o previsto na regra atual.
— Quem trabalha 25 anos numa gráfica numa coisa não sabe fazer outra. O cara vai trabalhar dez anos a mais para atingir a idade mínima no mesmo local. Num país com 13 milhões de desempregados esse gráfico vai arrumar outro emprego? Tem sobrando? — indagou.
A senadora Zenaide concorda que a aposentadoria especial não pode ter idade mínima.
— Isso é cruel. Além disso, o pedágio é injusto e a pensão por morte penaliza a família — resumiu.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)