Direitos do Cidadão
26 de Setembro de 2019 às 15h45
PEC que pretende incluir “autodefesa” como direito constitucional viola garantias fundamentais da própria CF de 88, destaca PFDC
Nota Técnica foi encaminhada ao Congresso Nacional para subsidiar análise da Proposta de Emenda à Constituição 100/19, que tramita na Câmara dos Deputados
Arte: PFDC
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que busca introduzir como direito fundamental o “exercício da legítima defesa e os meios a tanto necessários” é inconstitucional e fere o próprio regime de direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição brasileira.
O posicionamento é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal, e que encaminhou nesta quinta-feira (26) ao Congresso Nacional uma Nota Técnica para subsidiar os parlamentares na análise da PEC 100/2019, que tramita na Casa.
No documento aos parlamentares, a PFDC destaca que a Constituição Federal de 1988 não admite “autodefesa” no rol dos chamados direitos fundamentais, visto que o uso da força legítima é um atributo do Estado – a quem compete, também com exclusividade, a defesa do direito à vida.
“Nenhuma Constituição brasileira jamais conteve dispositivo que previsse a legítima defesa como direito fundamental. Seria absurdo supor que fosse exatamente a de 1988 que a acolhesse”, destaca a PFDC.
A observação tem como base a análise de que o texto constitucional de 1988 está fundamentado – conforme expresso em seu artigo 3º – sobre o princípio da solidariedade, que busca a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e que se propõe a erradicar a pobreza e a marginalização, bem como a reduzir todas as desigualdades.
“Não haveria, portanto, ideia mais antagônica à noção de solidariedade do que de uma sociedade de medo, de desconfiança e uso da força generalizados”, aponta a Procuradoria ao ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já tem entendimento pacificado de que a compatibilidade de novas normas com o texto constitucional depende de sua adequação com o sentido geral da Constituição.
“Os objetivos constitucionais que orientam a sociedade brasileira não permitem a convivência com a violência. É uma sociedade voltada, no seu conjunto, a promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Segurança pública e o monopólio da força pelo Estado – De acordo com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão é justamente a compreensão da solidariedade como princípio estrutural da sociedade brasileira que estabelece o tratamento constitucional à segurança pública, assegurada como direito fundamental e que mereceu um capítulo próprio na Constituição de 1988.
“As normas ali inseridas afastam qualquer possibilidade de se considerar a ‘autodefesa’ uma opção constitucional de política”.
Em seu artigo 144, a Constituição Federal afirma que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos – devendo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio ser exercida pelos órgãos de Estado listados no texto constitucional.
“A ‘responsabilidade de todos’ é uma expressão exatamente do princípio da solidariedade. Todos se reconhecem entre si como sujeitos de igual direito e consideração, afastando o recurso à violência como possibilidade relacional. Daí por que a política de segurança pública, no sentido da ‘preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio’, só possa ser exercida por meio dos órgãos ali enumerados. E o Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência consolidada no sentido de se tratar de rol taxativo, e não exemplificativo”, ressalta a Procuradoria.
A Nota Técnica também chama atenção para o investimento constitucional na capacitação das polícias para assegurar o compromisso da convivência pacífica e do monopólio da força pelo Estado.
“Organização em carreira e remuneração mediante subsídios, tal como os membros de Poder, os detentores de mandato eletivo, os ministros de Estado e os secretários estaduais e municipais. Essa polícia deve ser treinada para, em sua atuação, causar o menor dano possível. Esse é um imperativo que rege todas as ordens democráticas”.
É sob essa perspectiva que a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ressalta aos parlamentares que, se o uso da força legítima é monopólio do Estado, certamente, por razões lógicas, a “autodefesa” não pode ser um direito.
“A autodefesa está bem colocada no Código Penal brasileiro, em seu artigo 25, como exclusão de ilicitude, a depender de análise e conclusão judicial, caso a caso”, reforça o documento, que é assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat.
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