Meio Ambiente
16 de Setembro de 2019 às 17h40
Para PGR, lei que trata de regularização fundiária e ocupação de terras na Amazônia é inconstitucional
Em parecer encaminhado ao STF, Raquel Dodge retifica posicionamento da PGR em considerar procedente ADI que impugna a Lei 13.465/2017
Foto: Antônio Augusto/ Secom/PGR
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, reiterou ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedido pela procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.771, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, em 2017, contestando a Lei 13.465/2017. No parecer, Dodge refuta o posicionamento do Congresso Nacional, que considerou que a petição inicial “impugnou de maneira genérica e abstrata” o dispositivo que trata da regularização fundiária rural e urbana, além da ocupação de terras da União na Amazônia Legal. A norma, fruto de conversão de uma medida provisória, modifica mais de uma dezena de leis ordinárias, muitas delas com mais de uma década de vigência e elaboradas com ampla participação popular. Para o MPF isso é “usurpação da função legislativa ordinária e democrática do Congresso Nacional”.
Por promover complexa reestruturação dos regimes de regularização fundiária rural e urbana, na avaliação da PGR, a lei “reforça a desigualdade social e consolida danos ambientais decorrentes de desmatamentos e ocupações ilegais de terras públicas e privadas”. Raquel Dodge salienta que “o novo regime legal contribui para a concentração de terras e, portanto, caminha no sentido oposto aos objetivos fundamentais da República, relacionados à construção de sociedade livre, justa e solidária ao desenvolvimento nacional e à erradicação da pobreza, à redução das desigualdades sociais e regionais”, sustentou.
No parecer enviado ao STF, Dodge destaca que a norma impugnada demonstra evidente renúncia de receita, ao definir ausência de prévia realização de estudo de impacto orçamentário e financeiro, exigida pelo artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT); além de desrespeitar a autonomia municipal para dispor sobre ordenamento urbano, uma vez que a lei federal sobre regularização fundiária deve se limitar a aspectos gerais, “pois cabe a cada município adequar o ordenamento legal à sua realidade”. A PGR diz, ainda, que “a regularização fundiária deve ser orientada pelo interesse público e pelos preceitos constitucionais que versam sobre a matéria. Não pode significar a privatização da cidade por meio da distribuição de títulos de propriedade”, ponderou.
Para a procuradora-geral, a lei 13.465/2017 encontra-se desarticulada também de normas urbanísticas e ambientais: ao não estipular lapso temporal mínimo para caracterização da área como núcleo urbano informal consolidado; ao admitir a Regularização Fundiária Urbana (Reurb) independentemente de avaliação acerca da existência de loteamentos e do cumprimento das exigências da Lei de Parcelamento do Solo Urbano; ao revogar a obrigatoriedade de divulgação em site eletrônico pela Secretaria do Patrimônio da União, da relação de todas as áreas ou imóveis de propriedade da União, identificados, demarcados, cadastrados ou registrados naquele órgão e por ele administrados; entre outros pontos prejudiciais. O parecer também considera problemática a criação do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis, proposto pelo dispositivo legal, por interferir nas “funções registrais e notariais, que são atividades estatais de interesse público, destinadas a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”.
Além disso, o documento é contrário à aplicação das normas de regularização fundiária nas ilhas oceânicas e costeiras – estando em descompasso com o dever de proteção ambiental e possibilitando a privatização de terras, o parcelamento do solo, a criação de condomínios em territórios especialmente protegidos – o que afronta diretamente, segundo a PGR, o dever de proteção do meio ambiente, previsto no artigo 225 da Constituição Federal. “A possibilidade de alienação de imóveis e de regularização de ocupações no arquipélago de Fernando de Noronha, por exemplo, resultará em mitigação da preservação da fauna, da flora e dos recursos naturais ali existentes”, afirmou Dodge.
Alteração em leis consolidadas – Ao modificar dispositivos legais que versam sobre o conceito de exploração direta do imóvel rural, como é caso da Lei 11.952/2009, a PGR considera que a norma impugnada não compatibiliza com preceitos que regem a política agrícola, a distribuição de terras públicas em áreas rurais e a reforma agrária. “Isso porque beneficia com condições diferenciadas de pagamento pessoas com presumido poder econômico, que invadiram terras públicas em área de relevante interesse ambiental para a exploração econômica, fomentando a grilagem de terra e o desmatamento”, explicou.
No caso das alterações à Lei 8.629/1993, que regulamenta dispositivos sobre reforma agrária, Dodge sustenta que elas dedicaram-se tão somente a garantir titulação de terras, principalmente ao desonerar o Poder Público do implemento de “condições básicas necessárias à concretização da reforma agrária, da política agrícola e da função social da propriedade rural, nos moldes em que delineados pela ordem constitucional”.
A ADI é fruto de representação encaminhada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e pela Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos do Ministério Público Federal (1CCR/MPF). A lei também é questionada por 61 entidades de defesa do meio ambiente, que protocolaram na PGR pedido de inconstitucionalidade, por considerarem que a norma poderá dar causa à ampla privatização das terras públicas, florestas e ilhas federais na Amazônia e na zona costeira do Brasil.
Íntegra do parecer na ADI 5.771
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