Criminal
5 de Setembro de 2019 às 14h55
Operação Vagatomia: MPF quer investigação de servidores do MEC por fraudes na Universidade Brasil
Apesar de vários alertas da Procuradoria, pasta foi omissa na fiscalização do curso de medicina em Fernandópolis (SP) e no combate a irregularidades
Operação Vagatomia apura fraudes em matrículas do curso de medicina da Universidade Brasil (foto: universidadebrasil.edu.br)
O Ministério Público Federal requisitou a instauração de um inquérito policial para apurar a responsabilidade de servidores do Ministério da Educação (MEC) por omissões que contribuíram para as fraudes cometidas pela Universidade Brasil. A instituição de ensino privada é alvo de investigações e ações da Procuradoria da República em Jales (SP) por irregularidades na criação e no preenchimento de vagas no curso de medicina em Fernandópolis. Nesta terça-feira (3), 20 pessoas, entre elas dois dirigentes da universidade, foram presas quando deflagrada a Operação Vagatomia, conduzida pelo MPF em parceria com a Polícia Federal.
O MPF destaca que a falta de fiscalização das matrículas e a recusa do MEC em colaborar com as apurações sobre a Universidade Brasil são fatores que possibilitaram as fraudes. De acordo com os investigadores, as brechas permitiram que pessoas com alto poder aquisitivo comprassem vagas no curso de medicina e tivessem os estudos financiados irregularmente pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) do governo federal, destinado a alunos de baixa renda. O esquema só foi viabilizado graças à omissão do MEC e de outros órgãos responsáveis por atestar a veracidade das informações dos alunos inseridas no sistema do Fies.
Desde o ano passado, quando o MPF passou a apurar denúncias de fraudes desse tipo, o MEC tem demonstrado pouco empenho em combatê-las. Em abril de 2018, por exemplo, a Procuradoria comunicou à pasta o caso de uma aluna do curso em Fernandópolis cujos estudos eram financiados irregularmente com recursos do Fies e indicou que outros matriculados da Universidade Brasil poderiam estar na mesma situação. Na ocasião, o MPF requisitou que o Ministério prestasse informações sobre as medidas que seriam tomadas para coibir a prática. Até hoje, no entanto, o MEC não se manifestou.
“Este fato e outros revelam indícios suficientes de que a organização criminosa atuava com servidores do MEC para evitar que a apuração de ilicitudes envolvendo a Universidade Brasil tivesse andamento”, declarou o procurador da República Carlos Alberto dos Rios Junior, responsável pelas investigações do MPF. O inquérito sobre a conduta dos agentes ligados à pasta vai averiguar a possível prática dos crimes de obstrução de justiça, sonegação de informações e desobediência.
Estima-se que o esquema de venda de vagas na Universidade Brasil tenha gerado um rombo de R$ 500 milhões aos cofres públicos, consideradas as fraudes não só no Fies, mas também em ingressos por meio do Programa Universidade Para Todos (Prouni). As investigações incluem ainda matrículas em cursos relativos ao exame de revalidação de diplomas de medicina expedidos no exterior (Revalida) e transferências de alunos de medicina de outros países para estudar na instituição do interior paulista.
Na terça, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, chegou a celebrar a deflagração da Operação Vagatomia nas redes sociais. “Obrigado Sérgio Moro! A Polícia Federal prendeu 20 pessoas por fraudes de R$ 500 milhões no Fies, Prouni e Revalida. Todos ricos que, tiraram vagas de quem precisava, para comprar imóveis e aeronaves. Com o PR Bolsonaro, a festa acabou e tigrada vai para a cadeia, enjaulada”, escreveu o titular da pasta no twitter.
Devido a declarações públicas como essa, que indicam a disposição do ministro para apurar crimes ocorridos na pasta – apesar do histórico de omissão do MEC quanto à Universidade Brasil –, o MPF encaminhou diretamente a Weintraub um ofício comunicando o pedido de instauração do inquérito e solicitando a ele a indicação de um servidor da pasta, de sua confiança, para participar de uma reunião em Jales no dia 16 de setembro. O encontro na Procuradoria da República no município tratará da situação da instituição de ensino e de possíveis medidas para a reversão dos prejuízos causados.
O MPF quer que o MEC viabilize as condições para que pais e alunos beneficiados pelas fraudes possam realizar o ressarcimento voluntário dos danos, caso se arrependam das práticas ilegais. A devolução dos valores reduziria as sanções em eventuais processos penais por estelionato majorado e inserção de dados falsos em sistema público informatizado, que podem resultar em penas de até 18 anos de prisão.
Curso inflado – O MPF ressalta que as fraudes no preenchimento de vagas estão diretamente ligadas ao crescimento irregular do número de matrículas do curso oferecido em Fernandópolis nos últimos anos, o que também se deve à falta de fiscalização pelo MEC. Embora a Universidade Brasil tenha permissão para a abertura de até 205 vagas anuais na graduação de medicina, documentos apresentados pela própria instituição demonstram que, hoje, só no segundo ano do curso, há, no mínimo, 403 alunos matriculados. Os números comprovam também o excesso de estudantes nas turmas de terceiro, quarto e quinto anos.
O desrespeito ao quantitativo autorizado de vagas já é objeto de uma ação civil pública que o MPF ajuizou em abril contra a instituição de ensino e o MEC. Ao longo das investigações, a Universidade Brasil sonegou dados sobre as matrículas e não revelou exatamente quantos alunos frequentam o curso de medicina. Em relação ao primeiro ano, por exemplo, os documentos apresentados indicam 201 calouros admitidos em 2019, mas uma lista obtida pelos estudantes aponta que esse número alcança 299, com indícios de que a oferta de vagas ao longo deste ano possa chegar a 400.
A Universidade Brasil realizou manobras judiciais que resultaram na remessa da ação à Justiça Federal do Distrito Federal. Temendo que o caso continuasse sob a condução da Procuradoria da República em Jales, a instituição forçou o envio do processo a Brasília com argumentos baseados em decretos e portarias antigos e sem vigência. Para sustentar a “tese”, integrantes da organização criminosa falsificaram um documento e, com isso, induziram a erro o relator do caso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Roberto Carlos de Oliveira, que deferiu uma liminar pela permanência do excesso de alunos no curso de medicina.
A Operação Vagatomia revelou que o artifício executado pela universidade constituiu fraude processual. O MPF em Jales já compartilhou as provas colhidas com a Procuradoria da República no DF para que se demonstre o crime cometido nos autos e seja determinada sua devolução para o julgamento pela Justiça Federal paulista.
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