Comunidades Tradicionais
26 de Setembro de 2019 às 13h20
IMA é condenado por racismo institucional e deve pagar indenização de R$ 100 mil
Decisão da Justiça Federal, a pedido do MPF, beneficia comunidade quilombola do Rio Vermelho, em Florianópolis
Arte: Secom/PGR
O Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina foi condenado pela Justiça Federal nesta segunda-feira (23) pelo crime de racismo institucional, pelo qual deverá pagar uma indenização de R$ 100 mil à Associação Quilombola Vidal Martins, localizada no Rio Vermelho, em Florianópolis. A decisão, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), determina ainda que a gestão do Parque Estadual do Rio Vermelho (Paerve) e do camping da área, na temporada 2019/2020, seja feita por meio de convênio entre o IMA e a associação da comunidade quilombola.
“Houve a prática de racismo institucional, na forma de excluir a comunidade quilombola da administração do parque, local do qual a comunidade teria sido expulsa na década de 70, o que é um fato grave, e gera danos morais, já que a comunidade havia se preparado, tendo aberto conta bancária e providenciado inúmeros documentos, a fim de participar da licitação” (do camping), diz a sentença do juiz federal Marcelo Krás Borges, da 6ª Vara Federal de Florianópolis. Foi fixado o prazo de 10 dias para o cumprimento da decisão, sob pena de pagamento de multa de R$ 10 mil ao dia.
“Tendo sido frustrada a participação da comunidade quilombola (na licitação aberta pelo IMA), tenho que houve discriminação institucional, de forma a violar a Constituição Federal, que proíbe o racismo. Não é possível conceber que o instituto da licitação seja utilizado para excluir comunidades quilombolas, pois estas já sofreram atos de discriminação no passado, não podendo o racismo vir a se repetir sob a forma de procedimentos de licitação, que não contemplam as especificidades da comunidade quilombola”, afirma ainda a decisão.
Proposta de gestão – Em reuniões da comunidade com o IMA, o então diretor-presidente do órgão propôs “expressamente” à comunidade que ela assumisse a gestão do camping do Paerve, então administrado via convênio com uma ONG (Caipora). Conforme as referências da sentença judicial, “a proposta foi muito bem recebida, pois a gestão oportunizaria empregos (ainda que sazonais) para os membros da comunidade e a possibilidade de interação com a área e com as demais associações, além do desenvolvimento de projetos culturais”.
“Findo o prazo do convênio entre o IMA e a ONG Caipora, portanto, a comunidade pretendeu efetivar a promessa feita pelo IMA. No entanto, isso lhe foi negado, razão pela qual foi solicitada a intermediação do MPF e acionado o Poder Judiciário”.
Em 24 de outubro de 2018, foi realizada reunião na sede do MPF em Florianópolis com a presença do presidente do IMA, acompanhado pelo procurador-geral do órgão, de uma funcionária do Paerve, de membros da associação de remanescentes do Quilombo Vidal Martins, também acompanhados de representante da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SC, “para discutir acerca da participação da comunidade na gestão do camping do Parque do Rio Vermelho”.
Conforme documento da reunião anexado à sentença, “foi dito pelo presidente do IMA que tal possibilidade, já aventada pelo ex-presidente Alexandre Waltrick, estava de pé, bastando para tanto que a associação se convertesse em uma Oscip”.
Nessa reunião também foram discutidas outras possibilidades de trabalho, como a contratação de pessoas da comunidade por outra instituição, já que a gestão do camping tem como requisito o atendimento de vários itens, responsabilidade e, especialmente, controle de contas e prestação final. “O presidente do IMA inclusive afirmou que eles poderiam analisar cópia de contrato de gestão, para melhor avaliar sua pretensão”, diz o documento.
Gestão própria – “Todos os representantes da comunidade afirmaram preferir a gestão própria, bem como estarem dispostos a realizar o trabalho de forma profissional e prestarem contas do mesmo, ao final da temporada”. No final da reunião, a conclusão: “Ficou ajustado que os representantes da comunidade, com auxílio da OAB, fariam as tratativas necessárias para o futuro convênio, diretamente com o IMA”.
“Infelizmente, apesar do encaminhamento, a comunidade foi surpreendida pela realização, no IMA, de uma concorrência pública do tipo carta-convite, organizada pela diretoria de unidades de conservação com enorme agilidade, evidentemente para impedir a solução encontrada também pelo atual presidente do órgão e pela procuradoria jurídica (convênio com a comunidade)”, observa a decisão da Justiça Federal.
O fundamento judicial ainda lembra que “para não perder a oportunidade, a associação apresentou proposta na carta-convite, mas foi preterida, apesar de concorrer com apenas uma outra associação, a Ecopaerve, ONG que já fazia a gestão da trilha existente no Parque”. Mas “a avaliação das propostas revelou – constatação em nova reunião no MPF – a evidente intenção de afastar a comunidade da gestão do camping, já que até mesmo em quesito sobre a interação com comunidades locais – a quilombola é a única desse tipo concorrendo – a avaliação foi ‘0’. Recurso administrativo foi protocolado e até hoje não foi julgado. Enquanto isso, a animosidade aumenta, a tensão social também, e o camping permanece fechado.”
Nas considerações, a Justiça Federal observa que a alteração recente da categoria jurídica do Parque Estadual do Rio Vermelho (Paerve) “não solucionou suas inúmeras irregularidades, tais como a instalação de uma estação de tratamento de esgotos da Casan em seu território, a existência de camping de uso privado, escoteiros e policiais militares, além do camping, a presença de mata exótica, a construção de equipamentos de apoio à polícia ambiental e de tratamento de fauna, etc.”, assim como o Parque não tem até hoje, “apesar de possuir um conselho de administração, um plano de manejo ou definição de zona de amortecimento (lei 9985/2000 – SNUC)”.
Conforme a argumentação da decisão judicial, enquanto aguarda pela tramitação do processo administrativo que poderá reaver suas terras originais (aos cuidados do Incra, como determina o decreto regulamentador), a comunidade quilombola, com todo o direito de população tradicional local, reivindicou a participação no conselho do Paerve, situação que até foi remediada pelo IMA, mas que se revelou, finalmente, sem consequências benéficas. “Isso porque os membros da comunidade que tentam participar das reuniões do conselho (quando comunicados) sentem-se constrangidos e humilhados”.
ACP 5027134-66.2018.404.7200
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