Constitucional e Meio Ambiente
23 de Agosto de 2019 às 13h50
Governo federal é multado em R$ 90 milhões por se recusar a verificar agrotóxicos em água consumida por 200 mil pessoas em Dourados
Governos Estadual e Federal devem aparelhar laboratório para análise periódica da água servida à população. Laudo do MP revelou presença do inseticida, pesticida e formicida clorpirifós etílico e do larvicida temefós
Lavoura ao lado de rio: contaminação pode afetar saúde de 200 mil pessoas que consomem esta água. Foto: Ascom MPF/MS
A Justiça atendeu pedido do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MP/MS) e sentenciou os governos Federal e Estadual a capacitar o Laboratório de Saúde Pública no Estado de Mato Grosso do Sul (Lacen/MS) a realizar a pesquisa periódica de resíduos agrotóxicos na água consumida pela população da região de Dourados, com mais de 200 mil pessoas. A sentença, da 1ª Vara Federal de Dourados, estipulou ainda a cobrança de multa de mais de R$ 90 milhões, a ser paga pelo Governo Federal, por descumprimento de decisão liminar de 2016 que já determinava a análise da água. O objetivo é apurar possível relação entre a contaminação da água por resíduos de agrotóxicos provenientes das lavouras e a saúde dos moradores, principalmente o aumento do número de casos de câncer registrado na região de Dourados..
A sentença determina o uso da multa, obrigatoriamente, na capacitação e aparelhamento do Lacen/MS, seja por meio de repasse vinculado de verbas ao Governo do Estado, seja pela aquisição direta e entrega de equipamentos. O objetivo é obter informações para subsidiar a tomada de decisões sobre políticas públicas voltadas à prevenção de danos à vida e à saúde da população.
Enquanto o Lacen/MS não estiver apto a verificar presença de agrotóxicos na água potável, a Justiça determinou que a União providencie análises mensais na água consumida pela população de Dourados, por laboratório habilitado e às suas custas, até que a condenação imposta na sentença seja cumprida.
Atualmente, a água potável da região vem do Rio Dourados e de aquíferos subterrâneos. A Justiça considerou “provável” a exposição da população a agrotóxicos por meio da água potável. Quando foi ajuizada, a ação citava laudo do Laboratório de Saúde Pública do Paraná (Lacen/PR), que analisou a água do Rio Dourados no período de janeiro a agosto de 2010. Foi encontrada a presença do inseticida, pesticida e formicida clorpirifós etílico (0,38 μg.L) e do larvicida temefós (0,05 μg.L). Não só o consumo de água com estes produtos é prejudicial à saúde, como também afeta a alimentação dos peixes do rio, que concentram altos níveis das substâncias nocivas.
Multa milionária – Decisão liminar de dezembro de 2014 determinou que as análises da água potável de Dourados deveriam ser feitas pelo Governos Federal e do Estado de MS, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, até que se implementasse efetivamente a pesquisa de resíduos de agrotóxicos no Laboratório de Saúde Pública do Estado de Mato Grosso do Sul (Lacen/MS).
A Justiça considerou a data de 04/10/2016 como o início do descumprimento da decisão liminar. Ressalvados os períodos em que o processo ficou formalmente suspenso (27/04/2017 a 27/10/2017), a multa acumulada até 21/08/2019 chega a R$ 92,5 milhões.
População exposta aos agrotóxicos – Dados do Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos, elaborado pelo Ministério da Saúde em 2018, apontaram que de 2013 para 2014, Mato Grosso do Sul apresentou o maior percentual de aumento da comercialização de agrotóxicos, em dados absolutos, com 102,2%. MS ficou em 4º lugar entre os estados que apresentaram o maior crescimento da comercialização de agrotóxicos por área plantada, com 24,31 kg/ha.
Nos Estados Unidos, em 2000, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) concluiu que o agrotóxico clorpirifós oferece grande risco, principalmente sobre o sistema nervoso e o desenvolvimento do cérebro e do fígado. Desde então, o produto não pode ser comercializado para uso urbano no país, e os agrotóxicos que contenham a substância têm uso restrito.
Já no Brasil, o seu uso como desinfetante domiciliar foi restrito em 2004, cinco anos após o caso ocorrido em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde 112 funcionários do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) foram fortemente intoxicados.
Já o temefós, usado pelo governo federal no combate à dengue, foi substituído pelo diflubenzuron (DFB) em 2001, depois de 34 anos de uso. Na agricultura, ambos são utilizados em todo o país.
Clique aqui para ler a sentença.
Referência processual na Justiça Federal de Dourados: 0003038-17.2012.4.03.6002
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