Fiscalização de Atos Administrativos
26 de Setembro de 2019 às 14h55
Ex-prefeito de Araguari (MG) é condenado por irregularidades na construção do hospital municipal
Outras quatro pessoas, incluindo os à época dos fatos secretário municipal de obras e diretor do Departamento de Engenharia e Edificações, também foram condenados por improbidade e terão de ressarcir o dano causado aos cofres públicos
Foto: Ariano Souza/Correio de Araguari
O Ministério Público Federal (MPF) em Uberlândia (MG) obteve a condenação de Marcos Antônio Alvim, ex-prefeito de Araguari (MG) por dois mandatos (2001-2004 e 2005-2008), por irregularidades na aplicação de recursos públicos federais destinados à construção de um hospital municipal na cidade. Também foram condenados Galeno Monteiro de Araújo, secretário municipal de obras à época dos fatos; Paulo Araújo, diretor de engenharia e edificações; a empresária Ros Mari Terezinha Cima e o engenheiro Sandro Marcelo Maldaner.
Localizada no Triângulo Mineiro, Araguari possui a terceira maior população da região, com cerca de 116 mil habitantes. Juntamente com Uberlândia, o município é responsável pelo atendimento de demandas de média complexidade na área da saúde, conforme Plano Diretor de Regionalização de Minas Gerais.
Em 2001, o ex-prefeito Marcos Antônio Alvim celebrou convênio com a União no valor de R$ 4,5 milhões, para a construção de uma unidade hospitalar e compra de equipamentos hospitalares. No entanto, após o Ministério da Saúde apontar inadequações no projeto de arquitetura e no orçamento da obra, como serviços em duplicidade na planilha de custos, o valor inicialmente previsto foi reduzido para cerca de R$ 2,2 milhões.
O município, então, realizou licitação, que foi vencida pela empresa Cima Engenharia, administrada por Ros Mari Terezinha. O acompanhamento da obra coube ao engenheiro Sandro Marcelo Maldaner, que representava a empresa, e aos servidores Paulo Araújo e Galeno Monteiro, representando a prefeitura de Araguari.
De acordo com o MPF, desde o início da execução do convênio, “os requeridos fizeram tábula rasa de comezinhos princípios que regem o bom andamento de uma obra de engenharia”, assim como do código de posturas municipais, de normas da ABNT, do Regulamento Técnico para Planejamento, Programação, Elaboração e Avaliação de Projetos Físicos de Estabelecimentos Assistenciais de Saúde.
O resultado foi uma construção totalmente comprometida, com vícios e problemas que impediram o funcionamento do hospital. Apesar disso, a obra foi recebida em 2003 pelo secretário municipal Galeno Araújo, que atestou, no termo de Recebimento Provisório, que a construção estava pronta e acabada, sem defeitos e imperfeições.
Sem alvará – A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), contudo, ao inspecionar a construção, encontrou várias irregularidades, como inexistência de lavatórios com acessórios completos para higienização das mãos em sala de coletas, sala de nebulização, sala de gesso e sanitários; inexistência de sinalização luminosa e informações sobre restrições ao uso de radiação ionizante, além de área física em desacordo com o projeto arquitetônico aprovado.
Sem o alvará da Anvisa, o hospital não pôde ser inaugurado.
Seis anos depois, em 2009, após ser submetida às adequações constantes de outro projeto arquitetônico aprovado pela Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais, a construção passou por nova inspeção sanitária. E, novamente, foram encontradas irregularidades que impediram a liberação do funcionamento do hospital.
Verificou-se ainda que alguns itens constantes do novo projeto não haviam sido construídos e mesmo o que fora construído estava em desacordo com o projeto (por exemplo, o projeto previa pé-direito de 3,20m acabados e a construtora entregou com apenas 3,05m; havia previsão de um reservatório de 30 mil litros de água e o que foi construído tinha capacidade para apenas 15 mil litros). Também foram utilizados materiais de qualidade muito inferior ao previsto no contrato.
Ainda assim, todos os serviços foram integral e normalmente pagos pelo Município à Cima Engenharia.
As irregularidades eram tão graves, que em auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU), os fiscais verificaram que a planilha de custos da obra “tornou-se mera peça de ficção, tendo sido contratados itens não previstos na planilha aprovada ou em quantitativos superiores ao aprovado”, com a cobrança em duplicidade por diversos serviços.
Segundo os engenheiros do Ministério da Saúde, que também vistoriaram a obra, “a edificação não se presta(va) para o abrigo de qualquer estabelecimento de saúde, principalmente um hospital, porque foi executada sem a observância de qualquer requisito técnico”. Uma das irregularidades apontadas pelos técnicos indicava, por exemplo, que as edificações haviam sido erguidas no terreno em conta 40 cm inferior àquela determinada originalmente no projeto, e “como resultado, a água do terreno mina em diversas partes do piso, e todas as paredes do complexo hospitalar foram tomadas pela umidade, deixando todas as salas mofadas, inclusive as salas cirúrgicas, berçários e enfermarias”. De acordo com as vistorias, “o hospital tornou-se verdadeira esponja, que absorve toda a umidade proveniente do terreno para seu piso e paredes”.
Ressarcimento do dano – Para o Juízo da 2ª Vara Federal de Uberlândia, “forçoso concluir que o objeto dos Convênios firmados pelo Município de Araguari e a União não foi alcançado, uma vez que o imóvel entregue pela empresa contratada, Cima Engenharia, representada pela ré Ros Mari Teresinha Cima, não serviu para o fim a que se destina, em razão dos diversos vícios e incorreções, causando prejuízo ao erário”, o que também se repetiu “na aquisição de equipamentos hospitalares para nosocômio inativo, sem alvará para funcionamento”.
O magistrado ainda registra que “não há nestes 29 volumes submetidos à apreciação deste juízo, qualquer motivação legítima que explique a autorização de pagamento (e efetivo pagamento) por serviços incompletos ou não realizados, bem como tamanha dissonância do projeto aprovado e o projeto que foi executado, com substituição, inclusive, de materiais de boa qualidade por outros de qualidade inferior (sem que houvesse o respectivo estorno em razão da diferença de custo)”.
Por isso, segundo a sentença, não há dúvida de que o réu “marcos Antônio Alvim agiu em desconformidade com a lei, com a moralidade e honestidade na condução da coisa pública, sendo certo que a Construtora Cima praticou atos de improbidade administrativa”, e que os responsáveis pela fiscalização da obra – o diretor do departamento municipal de engenharia e edificação, Paulo Araújo, e o secretário municipal de obras, Galeno Monteiro, assim como o engenheiro da construtora, Sandro Marcelo Maldaner – também praticaram atos de improbidade, “na medida em que concorreram para as irregularidades cometidas na execução do projeto”.
Todos os réus foram condenados, solidariamente, ao ressarcimento integral do dano causado aos cofres públicos.
Entre outras sanções da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), o ex-prefeito Marcos Antônio Alvim e os representantes da empresa, Ros Mari e Marcelo Maldaner, ainda tiveram os direitos políticos suspensos por 8 anos e terão de pagar multa civil equivalente ao valor do dano. Os servidores municipais Paulo Araújo e Galeno de Almeida Araújo tiveram os direitos políticos suspensos por 5 anos e foram condenados ao pagamento de multa civil equivalente a 10 vezes o valor da última remuneração recebida no serviço público.
(ACP nº 7546-32.2010.4.01.3803)
Saiba mais
Em dezembro de 2018, o MPF obteve decisão judicial em outra Ação Civil Pública (ACP nº 10774-10.2013.4.01.3803), obrigando a Cima Engenharia e Empreendimentos Ltda a reparar os vícios construtivos e a realizar todas as adaptações necessárias no imóvel destinado à instalação do Hospital Municipal, que, entregue em 2004, após 15 anos, ainda não entrou em funcionamento.
Na sentença, a Justiça Federal determinou que as obras de adequação fossem iniciadas no prazo máximo de 60 dias e que a empresa observasse fielmente as normas do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) relativas a construções para fins hospitalares.
Para o Juízo da 2ª Vara Federal, “a empresa Cima Engenharia preferiu levar a cabo a execução da obra, dando ensejo a todos os vícios, erros, incorreções e recebimento por serviços não prestados, atraindo para si a responsabilidade pela reparação, correção, reconstrução e substituição de todos aqueles vícios, erros e incorreções, além da responsabilidade por todos os danos causados à Administração decorrentes de sua culpa ou dolo na execução do contrato, responsabilidade que não é excluída ou diminuída pelos erros e omissões cometidos pelo Município de Araguari no acompanhamento da execução da obra”.
Além de ser obrigada a reparar os vícios construtivos, a construtora também foi condenada por dano moral coletivo no valor de R$ 300 mil, que deverão ser destinados ao município para serem empregados na prestação de serviços de saúde à população.
Assessoria de Comunicação Social
Ministério Público Federal em Minas Gerais
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