Criminal
7 de Agosto de 2019 às 16h55
Eventos em São Paulo debatem tráfico de pessoas
Rodas de conversa no TRF3 e na Secretaria da Justiça e de Defesa da Cidadania de SP aconteceram na semana que marca o enfrentamento a este crime
Fotos: Ascom/PRR3
O dia 30 de julho é a data que marca internacionalmente o enfrentamento ao tráfico de pessoas. Para debater formas eficazes de combater tal crime, na última semana, o Ministério Público Federal apoiou e participou de dois eventos em São Paulo que reuniram especialistas sobre o tema.
Apesar do cenário alarmante, o combate ao crime no país ainda é tímido e enfrenta uma série de desafios. Dados da Câmara Criminal do Ministério Público Federal indicam que, em relação ao tráfico internacional de pessoas, o número de processos que tramitam na Justiça Federal ainda é baixo. São 20 processos tramitando em 1ª instância e 10 em segunda. O MPF tem 12 procedimentos extrajudiciais sobre o tema e acompanha a tramitação de um total de 46 inquéritos policiais. Neste contexto, a necessidade de fortalecimento e de maior sinergia entre as instituições não deve se limitar ao aperfeiçoamento de estruturas físicas e de pessoal para o enfrentamento ao problema. As soluções dependem também de outras medidas, como a revisão de conceitos e da interpretação das leis.
Na terça-feira (30), o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) promoveu uma roda de conversa para o lançamento da edição especial da Revista do TRF3 sobre tráfico de pessoas. Estiveram presentes autoridades que lidam com este tipo de crime, além de acadêmicos e representantes de ONGs que se dedicam ao tema. Entre eles, é unânime a avaliação de que para um combate eficaz ao mencionado delito é necessária uma maior integração entre instituições e mais participação da sociedade civil.
A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que o tráfico de pessoas seja hoje um dos crimes mais lucrativos do mundo, movimentando bilhões de dólares todos os anos. As principais vítimas são adolescentes, mulheres, transexuais e travestis, aliciadas para deixarem os locais onde vivem com destino a outras regiões ou países onde são exploradas sexualmente, obrigadas a trabalhos forçados ou submetidas à extração de órgãos para a venda.
Uma das preocupações refere-se à questão do consentimento da vítima. O procurador da República Daniel de Resende Salgado explica que a legislação brasileira não previu expressamente a condição de vulnerabilidade como fator viciante à vontade da vítima, como o fez o Protocolo Adicional à Convenção de Palermo e algumas legislações, como a espanhola. Uma aplicação mais restritiva do artigo 149-A do Código Penal, afirmou ele, acaba eximindo traficantes da autoria dos crimes por desconsiderar outras formas recorrentes de aliciamento.
“Muitos traficantes se aproveitam da vulnerabilidade da vítima, em seus diversos aspectos, para aliciá-las. Isso vicia a manifestação de vontade, ainda que a pessoa não tenha sido forçada por métodos violentos ou enganadas, por métodos fraudulentos”, disse Salgado durante o evento. “Ou seja, é preciso que os operadores do direito passem a considerar que o aproveitamento da condição de vulnerabilidade da vítima pelo criminoso também constitui abuso e é suficiente para atribuir a prática delitiva ao autor. Somente assim poderemos ampliar o leque de proteção às vítimas”.
A opinião é compartilhada pela procuradora regional da República Adriana Scordamaglia, coordenadora do Grupo de Apoio ao Combate à Escravidão Contemporânea do MPF. “Essa questão [da forma como a lei estabelece a violação da vontade das vítimas] deve ser revista. Membros do MPF, da Justiça e de outras instituições que enfrentam o tráfico de pessoas precisam olhar para isso com mais flexibilidade. Senão não teremos condenações no Brasil”, destacou.
Internet – Grande parte das vítimas do tráfico humano é aliciada por meio da internet. Nas redes sociais, grupos criminosos entram em contato oferecendo oportunidades de emprego, promessas de vida melhor e de casamento. Buscando encontrar soluções para prevenir o aliciamento na web, ocorreu no dia 1º de agosto um encontro na Secretaria da Justiça e de Defesa da Cidadania de São Paulo, realizado pela Asbrad (Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude).
Além da procuradora regional Adriana Scordamaglia, participaram do evento Renata Braz, coordenadora do Grupo Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, do Ministério da Justiça, William Tito, delegado da Polícia Federal e Luís Davini, delegado do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).
A avaliação dos especialistas é que é preciso utilizar a internet para dar mais visibilidade e ampliar o conhecimento da população sobre o crime de tráfico de pessoas. “A internet é uma ferramenta que hoje está cooptando vítimas, precisamos inverter a lógica, utilizá-la para prevenir e combater o crime”, afirmou Renata Braz.
Para Scordamaglia, a web é um instrumento importante para ampliar a integração entre as instituições brasileiras e entre o Brasil e os governos dos países de destino das vítimas. “Temos que abstrair o ego das instituições e compartilhar informações, ter bancos de dados conjuntos”, opinou.
Campanha Coração Azul – Além do apoio aos eventos, o Ministério Público Federal aderiu à campanha “Coração Azul”, uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) para conscientização internacional contra o tráfico de pessoas e seu impacto na sociedade. Foram colocados adesivos e faixas nos fóruns e na sede do TRF3 propondo a reflexão sobre o tema. Os prédios do MPF em São Paulo e na 3ª Região foram iluminados de azul, para lembrar a importância da mobilização.