João Victor é o único participante surdo do programa
O estudante amazonense da rede pública João Victor Ventura Cavalcante, 20 anos, está em Brasília representando o Estado no programa Parlamento Jovem Brasileiro (PJB). Único participante surdo do PJB, na ocasião, João Victor apresenta proposta de acessibilidade de surdos em hospitais e prontos-socorros. Na semana em que se comemora o Dia Nacional dos Surdos (26 de setembro), o exemplo do estudante serve de reflexão sobre os direitos e inclusão das pessoas com deficiência auditiva na sociedade.
Dentre tantas dificuldades de ser uma criança com deficiência auditiva, frequentar hospitais talvez tenha sido uma das mais marcantes na vida de João Victor. A dificuldade de comunicação, tanto com a mãe ouvinte, quanto com os médicos, afetava e ainda afeta a qualidade de vida do estudante.
Pensando que outras milhares de pessoas com deficiência passam o mesmo problema em hospitais pelo Brasil, ele decidiu formular um Projeto de Lei que prevê não só a inclusão de intérpretes e tradutores em hospitais e prontos-socorros, como também torna obrigatório que médicos, enfermeiros e demais profissionais das unidades de saúde façam curso de Língua Brasileira de Sinais (Libras).
“A ideia do meu projeto foi pensando na acessibilidade, de mostrar a necessidade dos surdos. Os médicos também precisam ter o domínio das línguas de sinais, e com fluência. Às vezes o médico não entende o surdo ou vice-versa, então acabam inventando e até mesmo dando diagnósticos errados, ou uma medicação errada”, destaca o estudante.
Estudante da 3ª série do Ensino Médio da Escola Estadual Desembargador André Vidal de Araújo, bairro Cidade Nova, zona norte de Manaus, João Victor contou com o auxílio e impulso de outros colegas para participar do PJB. Ele conta que tinha muita confiança que o seu projeto fosse escolhido para representar o Amazonas no Distrito Federal.
“Eu estou muito feliz e emocionado também, porque futuramente isso pode mostrar e projetar os surdos. É um incentivo para os surdos poderem participar outras vezes, porque para nós é um grande sofrimento estar nessa área da sociedade sem poder ter intérprete, sem poder se comunicar, sem poder ser entendido. É difícil você ir a um consultório conversar com um médico e você não entendê-lo e ele não te entender”, afirma o amazonense.
Inclusão na escola – Após sair de uma escola particular que, segundo João, tinha um sistema rígido que o obrigava a falar, o encontro com a inclusão aconteceu na EE Desembargador André Vidal de Araújo, que hoje faz parte do grupo de 315 escolas inclusivas da rede estadual de ensino do Amazonas – sendo 189 no interior e 126 na capital.
Ao todo, são 26 alunos com alguma deficiência na escola. Segundo o gestor da unidade, Maurício Teixeira Lima, o aumento do número de estudantes surdos mobilizou a comunidade a querer aprender Libras. Os professores intérpretes decidiram, então, ofertar um curso aos demais profissionais da escola.
“Nós tivemos uma grande surpresa porque a demanda foi muito grande, veio o porteiro, vieram os professores daqui, as merendeiras e nós ficamos maravilhados. E aí o que aconteceu? Eles foram conversando e vieram várias pessoas de fora pra cá fazer o curso aqui e nós formamos várias turmas. Então nós estamos observando o crescimento da esfera aqui na Cidade Nova, nesse eixo central aqui da zona norte”, afirmou Maurício Teixeira. Atualmente, a escola conta com seis professores intérpretes, de 56 que atuam nas escolas estaduais de Manaus.
Hospital inclusivo – Em Manaus, o Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto já saiu na frente. Observando a necessidade de um melhor atendimento aos surdos, a unidade firmou parceria com a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Seped) e há pelo menos um mês oferece aulas gratuitas de Libras aos funcionários.
A enfermeira Ana Núbia participa das aulas desde o começo e comentou a iniciativa do hospital. “Muitas vezes a gente recebe pacientes que têm dificuldade auditiva, são deficientes auditivos, e a comunicação ficava muito difícil. Então, com o curso, qualquer um de nós que está fazendo parte dessa comissão – que é uma equipe multidisciplinar, multiprofissional – vai poder ter acesso e vai poder ajudar essas pessoas quando chegarem à emergência, ou então na enfermaria, o que facilita o atendimento”, explica Ana Núbia.
No Brasil, 9,8 milhões de brasileiros possuem deficiência auditiva, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Amazonas, atualmente, aproximadamente 150 mil pessoas são surdas.