Mudanças na tributação da renda, do consumo e do trabalho foram os três pilares debatidos por convidados da Comissão de Direitos Humanos (CDH) na primeira audiência pública do ciclo de debates sobre reforma tributária promovido pelo colegiado.
A audiência analisou uma proposta de reforma em análise no Senado. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110/2019, que integra a pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) desta quarta-feira (18), prevê a extinção de IPI, IOF, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide-Combustíveis e Contribuição sobre o Lucro Líquido (federais); ICMS (estadual); e Imposto sobre Serviços (municipal). No lugar desses tributos, seriam criados um imposto sobre bens e serviços de competência estadual, chamado IBS, e um imposto sobre bens e serviços específicos, chamado Imposto Seletivo, de competência federal.
Na opinião do auditor da Receita Federal e ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) Carlos Henrique de Oliveira, para conversar sobre reforma tributária é preciso resgatar a essência do Estado de recolher recursos para oferecer serviços.
Ele lembrou que o trabalho é o maior arrecadador do país e um pacificador social. Tanto que o recolhimento da Guia da Previdência Social (GPS), sozinho, supera o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) de pessoas jurídicas e físicas.
— A seguridade social arrecada R$ 400 bilhões, contra R$ 360 bilhões desses Impostos de Renda. Arrecada mais que qualquer ICMS.
Pela lógica proposta por Oliveira, sem trabalho não há renda, sem renda não há consumo. Sem consumo não há pessoa jurídica, e a arrecadação fica estagnada. Sem arrecadação, não há prestação de serviço público. Em síntese, o ciclo básico econômico para. É por isso que ele recomendou uma meticulosa avaliação sobre a tributação da folha salarial.
— Não caiam no canto da sereia. Se eu largar o trabalho como fato gerador da tributação previdenciária e criar qualquer outra forma de transferência do Tesouro Nacional para a seguridade social, seremos instados a analisar uma nova reforma [previdenciária] nos próximos anos.
Para ele, a reforma, no que diz respeito à tributação da folha de pagamentos, deveria aliar uma alíquota regressiva quanto maior o número de empregados (de 1 a 500, 14%; de 501 a 3 mil, 12%; e acima de 3 mil, 11%) a uma massa salarial progressiva (alíquota de 11% para empresas cujo salário médio supera 7 salários mínimos; 13% para aquelas com média de 3 a 7 salários mínimos e de 15% para as que tiverem média de 3 a 5 salários mínimos).
A combinação de número de empregados com a qualidade do emprego (salários altos) definiria a tributação da empresa. Com isso, a redução média da tributação na folha dos três setores da economia seria de aproximadamente 34% para a indústria, 34% para o comércio e 35% para os serviços, sustentou. No primeiro e no terceiro caso, o benefício fica um pouco maior para as grandes empresas em relação às pequenas. Para o comércio, contudo, a redução de tributos recai mais sobre as pequenas empresas.
Renda e justiça
Na visão do auditor, o Brasil fez escolhas equivocadas ao tributar excessivamente o consumo e reduzir a tributação sobre a renda. Essa também foi a avaliação do auditor da Receita Federal Pedro Delarue, ex-presidente da associação nacional que representa a categoria, a Unafisco.
Delarue frisou que é preciso reformar o sistema levando em conta as personalidades físicas e jurídicas de maneira distinta. Diante do princípio da igualdade tributária, questionou por que o contribuinte pessoa física que recebe acima de R$ 4.665 paga 27% de Imposto de Renda e o empresário, sócio ou acionista que ganha R$ 5 milhões é isento.
— A justificativa seria para não haver dupla tributação, mas a pessoa física e a jurídica não se confundem.
O resultado direto disso, segundo ele, é a transformação de pessoas físicas em pessoas jurídicas, fenômeno muito conhecido como “pejotização”. Ela substitui o vínculo empregatício pela emissão de notas fiscais.
— A pessoa física se constitui como jurídica para pagar carga tributária de 7%, e não de 25% ou 27%.
O auditor também rebateu o argumento de que não se deve taxar a distribuição de lucros e dividendos sob o risco de os investidores desistirem. Segundo ele, mais do que a tributação, o que importa para quem está aplicando o dinheiro é a situação econômica do país. Como exemplo, Delarue disse que, no mundo inteiro, só a Letônia e a Lituânia, além do Brasil, não taxam lucros e dividendos.
Ele sugeriu um modelo de tributação chamado de inclusão parcial, adotado pela França. Ele isenta o microempresário que fatura até R$ 50 mil e, após isso, 30% dos lucros continuariam isentos. Os 70% cairiam na tabela do Imposto de Renda. Com isso, segundo ele, o país arrecadaria mais R$ 50,4 bilhões por ano.
— Poderíamos reduzir o Imposto de Renda das pessoas jurídicas de 25% para 17%.
A fórmula apresentada por Delarue é, em um mesmo movimento, tributar lucros e dividendos, e na outra ponta desonerar as empresas do Imposto de Renda da pessoa jurídica e ainda corrigir a defasagem da tabela do IR.
Consumo
Para Delarue, a classe média suporta um ônus que deveria ser da classe mais rica. Ele disse que não há no mundo país que tenha economia forte sem que a classe média seja forte e tenha poder de consumo.
O vice-presidente da Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo, José Roberto Soares Lobato, também apontou a tributação do consumo como grande entrave para a economia. Ele afirmou que a reforma da base de consumo é inadiável, porque a atual fase seria crítica, de falência do modelo federativo.
— O problema de tributar o consumo é que esse tipo de tributo tem natureza arrecadatória. Ele não se presta a combater a desigualdade social, e nosso país é extremamente desigual — disse.
Lobato defendeu a isenção personalizada para a camada de mais baixa renda — por exemplo, cadastrada no Bolsa Família.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN), que acompanhou o debate com outros senadores, concordou com a regressão da cobrança para quem tem menos.
— O imposto que eu pago pela lata de leite em pó com o salário de senadora é o mesmo que ela paga com o salário mínimo dela. Essas pessoas estão levando esse sistema nas costas — desabafou.
Mudanças
O representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), Marcos Assunção, recomendou uma reforma profunda e estrutural em tributos já existentes, repartição de receitas e forma de cobrança.
Assunção criticou a quantidade de tributos nas três esferas (federal, estadual e municipal) que leva à busca incessante por exceções, como as isenções, desonerações e os incentivos fiscais. De acordo com ele, a atual tributação foi desenhada em 1960 e tem aberto uma guerra fiscal predatória.
— Naquele tempo o setor de serviços não era tão forte, e os aplicativos de compra não existiam. Essa evolução fez o sistema tributário ficar cada vez mais anacrônico quando deveria ser simples, transparente e neutro.
A evolução da tecnologia, aliás, foi lembrada também pelo presidente das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Juracy Soares. Para comparar, ele mostrou a facilidade de arrecadar ICMS sobre combustíveis e energia elétrica, contra a dificuldade de taxar novas tecnologias.
— Daqui a pouco, se eu precisar de óculos, a minha impressora 3D em casa faz um. Como o Estado vai poder arrecadar em cima desse produto?
O senador Vanderlan Cardoso (PP-GO) disse que se a reforma não for justa e não baixar a carga tributária, não tem motivo para existir. Empresário, ele defendeu políticas claras, segurança jurídica para o investidor e para o trabalhador e qualificação profissional.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)