Amanda Kalil tem 33 anos e vive em casa. Fala quando quer. Aprendeu a ler e a escrever com dificuldade, aos 15 anos, numa turma de alunos surdos. Não interage com o mundo; não trabalha nem estuda. Ela tem uma mutação genética conhecida como “Síndrome do X Frágil”, que causa déficit cognitivo, além de depressão, ansiedade e déficit de atenção.
A mãe dela, Tamara, foi uma das participantes do debate, nesta quarta-feira (14), sobre as políticas públicas destinadas a esses brasileiros que carregam no DNA a causa mais comum de deficiência intelectual hereditária em todo o mundo.
O pesquisador da Universidade Católica do Paraná Roberto Herai estava na audiência da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e explicou que, mesmo sendo a mais frequente condição hereditária da população humana, o diagnóstico precoce ainda é difícil. Em parte, isso acontece pelo fato de os sintomas do X Frágil serem semelhantes a muitas outras condições, como, por exemplo, o autismo — que também traz atraso cognitivo, motor e de fala.
O diagnóstico precoce é o que pode ajudar crianças a driblar os efeitos da síndrome, ainda incurável. Terapias, quando iniciadas cedo, podem ajudar em aspectos como aprendizado, socialização e independência para executar atividades diárias.
— Não identificar o X Frágil no início da vida traz uma enorme implicância social e de desenvolvimento. Quanto mais cedo tratada, mais a criança tem avanços na saúde e na qualidade de vida — explicou Roberto Herai.
Com doutorado em genética e pós-doutorado em medicina celular e molecular em universidades dos Estados Unidos, Herai defendeu a importância da pesquisa para essa condição neurológica. De acordo com ele, já existe um padrão de diagnóstico adotado no mundo inteiro, mas o Brasil ainda precisa de profissionais preparados para identificar os sintomas que levam à investigação X Frágil — exames como o cariótipo e o PCR.
Esses testes genéticos estão ainda distantes da realidade de quem depende do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo a ativista Luz María Romero, representante do projeto “Eu Digo X” na audiência, há mais de 600 famílias cadastradas à espera do teste que confirma o X Frágil. Quem consegue, é porque recorreu à Justiça.
— Vendemos camisetas e fazemos arrecadações para pagar os exames, que custam de R$ 850 a R$ 5 mil, dependendo do estado onde é realizado.
Representando o Ministério da Saúde, Jaqueline Silva Misael garantiu que o PCR — o exame mais recomendado para o diagnóstico — está, sim, disponível na tabela do SUS. Mas reconheceu que seria preciso uma cooperação técnica com estados e municípios para que os exames sejam liberados com mais facilidade. Como Herai, ela apontou a carência de especialização dos médicos como outro obstáculo.
— O profissional que tem o primeiro contato, no posto de saúde, precisa ter o olhar treinado para suspeitar do diagnóstico genético. Sem o profissional estar atento, o paciente vai peregrinar pelo sistema de saúde — lamentou.
Estatísticas
Questionada pelo senador Romário (Podemos-RJ), Jaqueline reconheceu que não há estimativa de quantas pessoas têm X Frágil no Brasil. Ela explicou que, como em todas as doenças raras, a falta de pacientes dificulta as pesquisas com mais rigor científico. No caso do Brasil, contudo, a falta de dados chega, inclusive, a condições muito mais frequentes, tais como autismo e síndrome de Down.
Alguns senadores cobraram esses dados. Além de Romário, Styvenson Valentim (Podemos-RN) e Eduardo Girão (Podemos-CE) afirmaram que as políticas públicas precisam ser balizadas por estatísticas que apontem a incidência de cada síndrome ou doença na população brasileira.
— O grande problema para elaborar as políticas públicas é a falta de cruzamento de dados. Por exemplo, se a criança tem Down, a partir do nascimento ela já deveria ser cadastrada pelo SUS, fazer parte dessa estatística e receber assistência — exemplificou Styvenson.
Girão lembrou que, diferente de casos aleatórios, como Down e autismo, na transmissão hereditária é possível se precaver para evitar. Mesmo se posicionando absolutamente contrário ao aborto, Girão ressaltou que no caso do X Frágil, é possível optar, depois de aconselhamento genético, pelo risco de gerar uma criança com a síndrome ou pela seleção dos embriões por meio de fertilização assistida.
Entre as políticas públicas pedidas pelos participantes da audiência está, além de mais dados estatísticos e da disseminação dos exames genéticos, a reserva de vagas de emprego para deficientes prevista na Lei 8213/1991. Luz María pediu que ela não contemple apenas os deficientes físicos, mas aqueles que têm deficiência cognitiva, como as pessoas como X Frágil.
Hereditariedade
Ela lembrou que não só os pacientes precisam ser investigados, mas também as famílias. Depois de um PCR positivo, toda a família precisa ser testada e colocada em acompanhamento genético.
— Não é só a criança que precisa ser tratada, mas todos da família. A única forma de evitar a hereditariedade é fazendo a seleção dos embriões em fertilização in vitro, usando embriões que não carregam a mutação — esclareceu Luz María.
A disseminação do X Frágil nas gerações de uma mesma família é, de fato, inquestionável. Luz María, por exemplo, tem vários parentes com a mesma condição. A jovem Amanda tem tias e primas portadoras da síndrome. Em todos os casos a transmissão é feita pelo cromossomo X da mãe para filha ou filho; ou de pai para filha.
Cada pai portador transmite a todas as filhas mulheres, e essas filhas têm 50% de chance de ter filhos com essa condição. Ela é causada por mutação genética numa falha que recebe o nome de sítio frágil, localizada na extremidade do braço longo do cromossomo X. Essa mutação faz com que o gene deixe de codificar em níveis adequados a proteína FMRP, essencial para as conexões de células nervosas e a maturação das sinapses.
Dentro dos autistas, aproximadamente 2% têm X Frágil. E entre os portadores do X Frágil, cerca de 35% são autistas. Rosto alongado, testículos maiores, orelhas proeminentes e déficit cognitivo são algumas das características dessas pessoas.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)