Nos últimos meses, filmes brasileiros conquistaram premiações importantes no Festival de Cannes, na França, no Festival de Locarno, na Suíça, e no Festival de Veneza, na Itália. Esse é o centro dos debates da Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte (CineBH), que tem como tema “A internacionalização do cinema brasileiro e os desafios para o futuro”. O evento, que chega à sua 13ª edição, acontecerá entre a próxima terça-feira (17) e domingo (22).
“A quantidade de produções brasileiras que circularam em festivais internacionais nos últimos 10 anos foi a maior de todos os tempos. Por outro lado, a presença do público brasileiro no cinema para ver esses filmes ainda é muito pequena em comparação com filmes estrangeiros. Apesar dessa repercussão internacional, há um problema histórico e sério de distribuição desses produtos. O filme acaba ganhando prêmio, mas é muito pouco visto no país. Há aí uma contradição”, diz Francis Vogner, curador da CineBH.
De acordo com Vogner, a mostra será oportunidade para um balanço desse sucesso das produções brasileiras e, ao mesmo tempo, pensar os desafios e o futuro das políticas públicas para o setor. “Para que o cinema brasileiro sobreviva e se desenvolva, além de prêmios internacionais, é preciso legitimidade interna. É preciso que as pessoas saibam como ele é feito, do que ele é feito”, acrescentou.
Além de debates e oficinas, a programação prevê a exibição de 85 filmes. São produções de 11 estados do Brasil e de mais cinco países: Argentina, Colômbia, Estados Unidos, França e Portugal. Há atividades para todas as faixas etárias e a programação é gratuita.
“Nós tentamos fazer o equilíbrio entre filmes que deram repercussão internacional e também filmes completamente fora desse circuito legitimador de festivais. Porque acreditamos que fazer uma mostra que é só vitrine do que acontece na Europa é muito limitado. Então optamos por fazer uma formulação nossa. E, além desses filmes que estão tendo repercussão, fazemos ao público uma proposição em torno de produções que ainda são desconhecidas”, explica Vogner.
A produtora mineira Filmes de Plástico será a homenageada desta edição e receberá o Troféu Horizonte na cerimônia de abertura. Completando 10 anos de existência, a Filmes de Plástico é apontada pelo curador como um caso interessante de projeção mundial do cinema brasileiro. Ele cita a obra de André Novais, um dos diretores da produtora, que aposta em uma linguagem mais acessível e dialoga com um público mais amplo, mostrando o cotidiano de pessoas comuns.
“São filmes de baixo orçamento, mas de grande qualidade, que vão sendo reconhecidos lá fora como uma cinematografia característica do nosso país. É uma das caras do cinema brasileiro, que está sempre presente em festivais e eventos no mundo”, diz. Premiar produtoras se tornou uma marca da CineBH, que busca reconhecer a importância do trabalho de bastidor na cadeia produtiva do audiovisual.
Prêmios
O filme que abre a mostra neste ano é A Vida Invisível, dirigida pelo diretor cearense Karim Aïnouz. A obra, que será exibida em pré-estreia nacional durante a cerimônia de abertura na terça-feira (17), foi um dos títulos brasileiros premiados em maio no Festival de Cannes. O filme também foi indicado recentemente para concorrer a uma vaga ao Oscar de melhor filme estrangeiro do próximo ano. Será a segunda exibição ao público no Brasil. No final do mês passado, ele foi apresentado no Festival Cine Ceará.
A obra de Karim não é a única da cinematografia brasileira que tem obtido reconhecimento no exterior este ano. No mesmo Festival de Cannes, também foi premiado o filme Bacurau, de Kléber Mendonça Filho. No início de agosto, o longa-metragem A Febre, da diretora Maya Da-Rin, se destacou no Festival de Locarno e levou o prêmio de melhor ator, concedido ao artista indígena Regis Myrupu.
Na semana passada, outras produções nacionais se destacaram no 76º Festival Internacional de Cinema de Veneza. Um dos prêmios ficou com o documentário Babenco, alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou, dirigido por Bárbara Paz. Ainda em Veneza, em uma categoria dedicada a filmes de realidade virtual em que o espectador é convidado a interagir, o prêmio de melhor história ficou com A Linha, do diretor Ricardo Laganaro. A obra, que conta com a participação do ator Rodrigo Santoro, dura 13 minutos e narra a paixão de um menino tímido por uma jovem na São Paulo dos anos 1940. O público é provocado para ajudá-lo a se aproximar da moça.
Para Raquel Hallak, coordenadora do evento e diretora da Universo Produções, essas conquistas fazem com que o momento seja oportuno para se pensar no alcance do cinema brasileiro e, ao mesmo tempo, refletir sobre os desafios e o mercado interno. “Temos essa contradição de ter uma produção tão efervescente e, ao mesmo tempo, não ter espaço no circuito comercial do próprio país. É importante mostrar o que tem sido feito de bom e como o cinema brasileiro vem ganhando o mundo. Entre 2015 e julho deste ano, são 166 títulos brasileiros selecionados para competições, festivais e mostras internacionais”.
Histórico
A primeira edição da CineBH ocorreu em 2007. Desde então, ela é organizada anualmente pela Universo Produção, que também é responsável pelas tradicionais mostras de cinema de Tiradentes e Ouro Preto. O evento foi crescendo ano a ano e é hoje uma referência na agenda cinematográfica nacional, fomentando debates que vão influenciar outros festivais.
Desde 2009, a programação da CineBH inclui o Brasil CineMundi, um encontro internacional de coprodução que reúne cineastas, produtores e representantes da indústria mundial com interesse em coproduzir com o Brasil e conhecer pessoalmente projetos que muitas vezes não chegam até eles. Também são oferecidas consultorias para diretores e produtores com tutores especializados. Segundo Raquel Hallak, essa iniciativa fez a CineBH crescer em importância.
“É um evento que está consolidado e que foi um dos primeiros a apostar no cinema brasileiro, na categoria desenvolvimento. Os principais festivais internacionais têm sempre um evento de mercado paralelo, ancorando a programação. E a gente introduziu isso há 10 anos para falar de coprodução internacional, que era ainda um bicho de sete cabeças aqui no Brasil. Tinha-se uma ideia de que, na coprodução, o produtor e o diretor iam perder seu filme para outro país. Então fizemos uma pesquisa mostrando o que mudou nesses 10 anos, tendo como recorte os projetos selecionados no Brasil Cine Mundi”, diz a coordenadora.
Completando 10 anos nesta edição, o Brasil CineMundi receberá 25 representantes da indústria nacional e internacional para conhecer projetos de longa-metragem do cinema brasileiro. Também fará um balanço dos resultados da última década. De 723 projetos inscritos na soma de todas as edições desde 2009, foram selecionados 129. Desses, 31 já viraram filmes, 15 estão em fase de finalização, 13 em produção e 23 na etapa de captação de recursos. Mais 47 projetos estão em desenvolvimento. Bacurau, premiado recentemente em Cannes, está entre os filmes que passaram pelo Brasil CineMundi.
“Temos mais de 200 festivais no Brasil, mas poucos estão se debruçando sobre o tema do mercado audiovisual. No Brasil CineMundi, vamos discutir o que será o cinema brasileiro daqui a um ou dois anos. É uma aposta que fazemos e que tem sido vitoriosa. A maioria dos filmes cujos projetos passam pelo Brasil CineMundi são finalizados e lançados comercialmente”, acrescenta Raquel Hallak.
Edição: Graça Adjuto