A judicialização das concessões de benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi debatida em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) nesta terça-feira (13). Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que, somente em 2017, foram pagos R$ 92 bilhões em benefícios mantidos por decisões judiciais. O Tribunal também constatou que, em dezembro daquele ano, havia 3,8 milhões de benefícios judiciais (11,1%) na folha de pagamento da autarquia.
A defensora pública Ludmylla Mariana Anselmo disse que, no olhar da Defensoria Pública da União, essa judicialização tem nuances diversas que poderiam ser evitadas por medidas extrajudiciais de negociação, por exemplo. No entanto, segundo a especialista, os canais do INSS que poderiam ajudar a resolver demandas ainda não estão consolidados devido à estrutura própria do órgão, resultando em aumento das ações judiciais.
— Até mesmo casos de envio de ofícios solicitando cópias de processos demoram seis meses para serem respondidos. Nesse ínterim, apesar de reiterarmos o pedido, continuamos sem respostas – lamentou.
Ludmylla observou que os benefícios sociais precisam de respostas urgentes, por estarem diretamente relacionados ao sustento dos periciados. A defensora ponderou que esses problemas de comunicação entre os órgãos podem ser solucionados se o direito administrativo passar a observar direitos garantidos na Constituição Federal.
— A falta de canais de solução por via administrativa resulta em judicialização dos processos, mas é preciso lembrar que estou tratando de pessoas que sustentam suas famílias e, portanto, precisam do benefício imediatamente.
O auditor do TCU e secretário de Controle Externo da Previdência e Assistência Social, Tiago Alves de Gouveia Lins Dutra, detalhou custos das perícias, apontando que o INSS concede percentual relevante de benefícios. Segundo Tiago, dos cerca de 4 milhões de pedidos não concedidos, 1,4 milhão são judicializados. E, desse total, 600 mil são resolvidos pelo Judiciário, disse ele.
Ao reconhecer a necessidade de aperfeiçoamento dos canais de atendimento, Tiago disse que o maior desafio é aproximar as instituições com vistas à uniformização de entendimentos e desburocratizar a concessão dos benefícios.
— O TCU propôs ao INSS que traga essas informações sobre a judicialização de forma mais transparente, e isso já está sendo feito. Recomendamos também a implementação de banco de dados para mapear essa situação, bem como a oitiva de todos os órgãos envolvidos.
Críticas
O assessor jurídico da Federação dos aposentados do Distrito Federal e Espírito Santo, Diego Monteiro Cherulli, criticou o relatório do TCU. Para ele, o documento foi elaborado com base somente em opiniões de magistrados e procuradores, sem terem sido ouvidos outros atores ligados à matéria. Para o advogado, as informações representam uma posição isolada, que não refletem a realidade.
— Pugnamos para que haja justiça e respeito ao segurado do Estado. E que, conjunto, possamos construir essa solução – ressaltou.
O procurador-chefe da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, Adler Anaximandro de Cruz e Alves, comentou que, mesmo não sendo o ideal, a gestão da Previdência está saindo das mãos do INSS e passando para o Judiciário, que também tem participado das definições sobre a concessão dos direitos.
Adler disse que há uma estabilidade no número de ações na Justiça Federal contra o INSS, mas reconheceu que o número de processos pode ser diminuído e que tem trabalhado para mudar os procedimentos da autarquia neste sentido.
— Estamos tentando estabelecer mecanismos mais técnicos e precisos de medição da litigiosidade, por exemplo. Desde 2018, o INSS passou a utilizar o CPF como uma chave de deferimento ou indeferimento de benefícios, e isso ajuda a sermos mais específicos na solução de problemas pontuais – afirmou.
Para a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Adriane Bramante de Castro Ladenthin, apesar das tentativas de melhorias no sistema do INSS, princípios que regem a administração pública direta e indireta, como a legalidade e a impessoalidade, não têm sido respeitados pelo órgão. Para ela, o pente fino que rediscutiu a concessão dos benefícios por incapacidade, por exemplo, foi uma medida importante, mas realizada de modo incorreto.
— O grande gargalo das ações judiciais foi provocado pelo próprio instituto. A prerrogativa [do pente fino] está correta, mas o modus operandi causou transtornos e excesso de judicialização – comentou.
Projeto de lei
O relatório do TCU originou um projeto de lei que tramita no Senado (PL 2.999/2019). O texto estabelece que o pagamento de peritos que realizam exames médicos em segurados que entram com ação contra o INSS, pedindo revisão ou concessão de benefício, será antecipado pelo governo ao Tribunal Regional Federal ao qual o processo está ligado. A medida seria aplicável a casos semelhantes na Justiça estadual.
O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Marcelo Mendes, disse que não é contrário às propostas do Executivo, como o PL 2.999, mas declarou ter preocupação com o tempo e o modo como são feitas. Fernando defendeu mais discussão sobre o tema, a fim de que a medida seja reexaminada e para que o serviço seja prestado de modo responsável e criterioso.
— Não somos contrários à existência da perícia médica, desde que seja feita com profissionais qualificados, com isenção e seleção pelos meios próprios – acrescentou
Representante da Associação dos Peritos Médicos Judiciais, Ana Carolina de Almeida Couto Tormes criticou emendas ao projeto de lei que tratam de economia de custos. A debatedora considera necessárias as operações de revisão de benefícios previdenciários, desde que garantido o direito de questionamento pelos cidadãos. Além disso, ela disse não ser contra a criação da carreira de peritos, mas acha que a questão deve ser melhor discutida.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)